A vitória da Esquerda no Uruguai e o engajamento de bases
por Bruno Fabricio Alcebino da Silva
Emoção. Essa palavra resume o que senti ao vivenciar o resultado das eleições uruguaias neste domingo, 24 de novembro. Ao sair da minha casa no centro de Montevidéu e caminhar em direção à rambla da Ciudad Vieja, onde ocorreriam as comemorações em frente ao NH Hotel, fui envolvido por uma sensação profunda e marcante. As ruas estavam vibrantes, tomadas por pessoas celebrando, mas não de maneira superficial. Era uma festa genuína, carregada de um significado profundo, refletindo o retorno da esquerda ao poder em um subcontinente frequentemente à mercê da ascensão da extrema direita e do autoritarismo.
Diante disso, recordo-me dos discursos de Che Guevara na Universidad de la República, a única e mais antiga universidade pública do Uruguai, em 1961: “Vocês tem algo que precisa ser cuidado, que é justamente a possibilidade de expressar suas ideias; a possibilidade de avançar através dos canais democráticos [..]; a possibilidade, em suma, de criar condições que todos esperamos que um dia sejam alcançadas na América, para que todos possamos ser irmãos, para que não haja exploração do homem pelo homem nem continue a exploração do homem pelo homem”. Um ideal que segue vivo na sociedade uruguaia.
O triunfo de Yamandú Orsi no segundo turno foi o desfecho de uma intensa batalha democrática, na qual duas figuras centrais do cenário político uruguaio representaram projetos de nação profundamente distintos. De um lado, Yamandú Orsi, candidato da Frente Ampla, ex-prefeito de Canelones e apadrinhado pelo carismático ex-presidente Pepe Mujica, simbolizava a continuidade das pautas progressistas que marcaram os anos de governo da coalizão de esquerda (2005-2020). Do outro, Álvaro Delgado, do Partido Nacional, ex-secretário da Presidência do atual governo de Luis Lacalle Pou, representava a coalizão de direita, prometendo aprofundar as reformas neoliberais e consolidar uma política econômica voltada para o mercado.
A conquista de Orsi foi resultado de uma construção paciente e estratégica, alicerçada em um engajamento político intenso e no ativismo que mobilizou jovens, trabalhadores, sindicatos e organizações sociais em todo o país. A Frente Ampla, que passou por um período de autocrítica e reorganização após a derrota de 2019, conseguiu recuperar sua capacidade de inspirar esperança e unir diferentes setores da sociedade.
Desafios para o novo governo
A vitória de Yamandú Orsi ocorre em um momento delicado para o Uruguai, onde os desafios econômicos e sociais colocam à prova a capacidade de governar. Embora o país continue sendo um exemplo de estabilidade institucional e social na América Latina, essa solidez está sendo testada por questões estruturais que impactam o cotidiano da população.
Para Yamandú Orsi, o desafio será monumental: ele precisará equilibrar a reversão de medidas que consolidaram a desigualdade e a exclusão social com a necessidade de preservar a estabilidade econômica e atrair investimentos estrangeiros, essenciais para sustentar o crescimento.
A trajetória democrática do Uruguai
A democracia uruguaia possui raízes profundas que remontam ao século XIX, quando José Artigas (1765-1850), o herói nacional, idealizou uma república justa e igualitária, baseada em princípios de liberdade e autodeterminação para os povos.
O auge dessa trajetória aconteceu em 2004, com a eleição de Tabaré Vázquez, o primeiro presidente da Frente Ampla. Vázquez, com seu estilo pragmático e conciliador, foi capaz de manter a estabilidade econômica e promover políticas sociais inovadoras, que incluíam programas de saúde e educação de ampla abrangência, além de uma agenda de inclusão social.
A mobilização das bases foi central na campanha de Orsi, marcada por um discurso que uniu críticas ao neoliberalismo e compromisso com pautas populares, como a ampliação de direitos sociais e o combate às desigualdades.
Se o passado recente do Uruguai é uma lição de como o progresso pode ser conquistado, o futuro dependerá da habilidade de Orsi e da Frente Ampla de traduzir essa vitória em avanços concretos.
Referências
CAETANO, Gerardo. História Mínima de Uruguay. Montevideo, Uruguay – El Colegio de México, 2019.
Bruno Fabricio Alcebino da Silva – Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Ciências Econômicas e Relações Internacionais pela Universidade Federal do ABC. Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB). Em mobilidade-acadêmica na Universidad de la República (UDELAR) em Montevidéu, Uruguai.