O supervulcão Donald Trump

por Maria Luiza Falcão Silva

Com a vitória avassaladora do candidato do Partido Republicano, Donald Trump, a presidente dos Estados Unidos da América do Norte (EUA), e seu hiper empoderamento tendo em vista as vitórias significativas que teve no Congresso, na Câmara, no Senado e o apoio de uma Suprema Corte indiscutivelmente conservadora, damos início a um dos momentos mais conturbados e sombrios da economia e geopolítica mundial, desde a II Guerra Mundial e da Guerra Fria. 

Sob os gritos de “Make America Great Again (MAGA)” e a volta do slogan “America First Trade Policy”, Trump conquistou a maioria da população norte-americana. O mundo inteiro, que tinha expectativas de ser atingido pelo  Vulcão Trump, se depara com as lavas destruidoras da explosão de um “supervulcão” – com potencial de gerar catástrofes globais e extinção em massa. Assim começa o governo do presidente dos Estados Unidos, maior economia e potência militar do mundo. As loucuras de Trump fazem aflorar um ambiente instável e perigoso em todos os sentidos.

Primeiro vieram as medidas de expulsão de imigrantes em massa, escorraçados, algemados e acorrentados que chocaram o mundo civilizado.  A prisão de muitos outros em Guantánamo nos fez relembrar os campos de concentração nazistas. Violou direitos, desconheceu os princípios básicos da diplomacia internacional. Não foi surpresa porque o atual presidente da maior “Democracia” do mundo ocidental, os EUA, já flertava com governos autocráticos, como o de Viktor Orbán, o primeiro-ministro de extrema direita da Hungria, e de Kim Jong-un, ditadura totalitária da Coreia do Norte. No Oriente Médio, sempre apoiou os crimes de Benjamin Netanyahu que, sob sua gestão, dizimou milhares de palestinos inocentes na Faixa de Gaza, um verdadeiro genocídio. Cerca de uma semana atrás, tripudia de um povo em sofrimento, publicando um vídeo produzido por IA que transforma a Faixa de Gaza, terra marcada pelo sangue ainda quente dos palestinos mortos – entre eles milhares de crianças – em um resort de luxo.

Na diplomacia assistimos ao “rompimento” de Trump, com seu aliado Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, na guerra da Rússia/China contra a Ucrânia/OTAN/EUA, em episódio inusitado transmitido mundo a fora por todos os tipos de mídias analógicas e digitais, no qual se colocava ao lado do seu antigo “inimigo”, presidente da Rússia, Vladimir Putin para negociar um “acordo de paz”. Ficou logo claro que o que estava em jogo eram os interesses neocolonialistas de Trump na exploração de minérios estratégicos em terras raras do território ucraniano, como pagamento dos serviços prestados pelos EUA à Ucrânia durante a guerra.

Na segunda-feira (3 de março), Trump anuncia a suspensão de toda ajuda militar à Ucrânia sob aplausos da Rússia. O episódio questiona a própria sobrevivência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mas com certeza mostra seu enfraquecimento. Apesar dos anúncios de reforços da Europa para Ucrânia, o que as falas do presidente Zelensky transmitem ao mundo após o incidente em Washington, é praticamente uma humilhante rendição. 

Relembrando, depois da II Guerra Mundial, tratados militares foram assinados para proteger o mundo dos comunistas. Acabou a Guerra, mas começou a Guerra Fria. Sob a liderança dos EUA, em 1949, surgiu a OTAN, acordo militar para fortalecer os laços entre os países capitalistas. Na realidade a OTAN se tornou “o braço armado dos Estados Unidos e dos europeus”, apoiando muitas vezes ditaduras sanguinárias em todos os continentes – América Latina, África, Ásia e Oceania – ao longo dos séculos XX e XXI.

Como reação à criação da OTAN,foi assinado o Pacto de Varsóvia (1955), na mesma direção da OTAN, congregando os socialistas. Em 1961 foi construído o muro de Berlim, grande símbolo da bipolarização do pós-guerra, derrubado em 1989. A dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) aconteceu em 1991, assim como o fim do Pacto de Varsóvia. A URSS, Estado multinacional socialista existia desde 1922, criado após a Revolução Russa liderada por Vladimir Lenin. Curiosamente, o “golpe final” à URSS pode ser considerado a declaração de independência da Ucrânia, em 24 de agosto de 1991. 

Por trás da guerra na Ucrânia estava o risco da incorporação do país pela OTAN, mas a questão de fundo era a exigência russa de revisão das perdas que lhe foram impostas depois da dissolução da União Soviética. Algo nunca assimilado por Putin. Rússia e China se opõem à expansão da OTAN que deveria ter sido extinta quando foi o Pacto de Varsóvia.

Os Estados Unidos de Trump abandonaram a Europa, que parece totalmente perdida, sinalizando para o mundo que o que importa é tornar os Estados Unidos grande outra vez. Trump se auto-declara dono do mundo. Reivindica retomar o Canal do Panamá, anexar o Canadá e a Groenlândia – por enquanto popou a Amazônia. Cogita mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América.

É importante lembrar as agressões do supervulcão Trump sobre a Natureza. Desde o seu primeiro mandato, como negacionista das mudanças climáticas, incentiva nos EUA a exploração de petróleo, gás, combustíveis fósseis, reduz a produção de energias renováveis na contra mão do mundo. Aposta no aquecimento global em prejuízo de todos os povos, da Humanidade. 

Na economia, Trump implementa uma política econômica totalmente contraditória. Ultraliberal, para dentro, mas fortemente protecionista para fora. Ressuscita políticas de comércio neomercantilistas com o resto do mundo, do tipo “beggar-thy-neighbour”, populares durante a grande depressão dos anos 1929 e 1930, com consequências indesejadas e até mesmo desastrosas, para a economia global. Nessa direção recorre a aumentos de tarifas, algumas anunciadas na segunda-feira (3 de março) atingindo produtos canadenses, mexicanos e chineses. A reação foi instantânea, com chefes de Estado do Canadá, México e China anunciando na terça-feira (4 de março) retaliações. A China anunciou aumentos nas taxas de importação em cerca de US$21 bilhões em produtos agrícolas e alimentícios norte-americanos. Mais um passo na direção de bagunçar o comércio internacional e as cadeias de produção globais. Mais do que isso, é decretação de uma nova guerra, a comercial por meio de Guerra de Tarifas. Os Estados Unidos não sairão imunes, essas medidas podem se tornar um tiro no pé.

As lavas do supervulcão vão destruir tudo por onde passar. Nem os próprios Estados Unidos sobreviverão a Trump.

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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Last Update: 05/03/2025