A última década foi marcada por uma erosão das democracias, o crescimento do apelo eleitoral de líderes autoritários e a ascensão da extrema-direita em todo o mundo. São, inegavelmente, tópicos quentes que transbordam discussões entre acadêmicos e analistas políticos até atingir o debate público. Entre curiosidade e controvérsia, algumas explicações para as grandes transformações da política contemporânea consolidaram-se como consenso. Mas nossa compreensão sobre o fenômeno global parece estar de cabeça para baixo – se não equivocada, certamente deslocada em perspectiva.
É essa a provocação de Rosana Pinheiro-Machado e Tatiana Vargas-Maia em The Rise of the Radical Right in the Global South (2023). Lançado no ano passado, o livro integra a série de estudos sobre fascismo e extrema-direita da editora Routledge, especializada em publicações acadêmicas. Organizado e apresentado por Pinheiro-Machado e Vargas-Maia, o volume é uma coletânea de 12 textos escritos por pesquisadores e professores da Antropologia, Sociologia, das Relações Internacionais, da Filosofia, História e Ciência Política.
É preciso, portanto, olhar para o Sul desde o Sul. Essa é a premissa que motiva as organizadoras do livro e que orienta a todos nós, autoras e autores de cada artigo. A partir dessa perspectiva, perguntamos: o que falta compreender sobre a ascensão das direitas no Sul Global? Como enquadrar o déficit democrático, a emergência de autoritarismos e a normalização da violência política nesse espaço?
O volume começa com textos que examinam a aplicação do conceito de fascismo e suas manifestações contemporâneas, apresentando ao leitor novos olhares sobre um tema – também um termo – tão controverso. Os textos desse conjunto desafiam as definições hegemônicas de fascismo para observar a “diversidade, originalidade e particularidade” dos fascismos no Sul Global.
O livro avança em seu percurso debruçando-se sobre o populismo autoritário em cenários diversos no Sul. Examinam-se os temas de ataque favoritos do discurso autoritário e extremista, como gênero e sexualidade, nacionalismo, religião como identidade política e a luta contra a “ameaça globalista”.
Talvez esteja, contudo, no conjunto de artigos sobre os indivíduos, os grupos sociais a que pertencem e suas subjetividades, a maior contribuição da obra para o debate público. Destaco aqui dois artigos que trazem ideias fundamentais, aplicáveis, inclusive, ao fazer político dos nossos dias.
O livro não esgota – e nem pretende esgotar – seu objeto. Há marcadas ausências, como uma discussão mais aprofundada sobre as intersecções, cooperação e convergência entre grupos de extrema-direita do Sul Global e seus equivalentes da Europa e dos Estados Unidos.
Essas ausências, longe de serem falhas, apontam para lacunas, abrem espaço para novas reflexões, agendas de pesquisa e construção de conhecimento. Mas dada a emergência dos temas que trata, o livro poderia apenas tecer uma conexão mais fluida entre a pesquisa e o debate público.
Anna Carolina é doutoranda em Relações Internacionais e coautora de um dos capítulos do livro resenhado
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