Joseph Berger foi um dirigente do Partido Comunista da Palestina no seu início. Ele foi uma das vítimas das perseguições stalinistas que ocorreram no mundo inteiro aos tradicionais dirigentes comunistas. O início de sua história foi contado na parte 1 deste artigo. Nesta segunda parte, o tema principal é como a Internacional Comunista (Comintern), tomada pelo stalinismo após a morte de Lênin, orquestrou o golpe contra o PCP para mudar a sua direção.
Depois de se tornar um dos mais importantes dirigentes do PCP, Berger contribuiu frequentemente para os jornais da Comintern, principalmente para a “International Press Correspondence”. A Terceira Conferência do partido foi realizada em Beit Safafa em junho de 1924. Nela ficou definido que o sionismo era um movimento reacionário, mas que a comunidade de imigrantes judeus, chamada de “Yishuv”, não era reacionária em si mesma. A principal luta do partido se dava contra o sionismo.
Essa era posição de Berger levava em suas reuniões com a Internacional Comunista (Comintern). Karl Radek, um dirigente do Partido Comunista Russo, lhe disse que o lema: “o sucesso do partido depende de se tornar um partido de massas árabe” deveria se tornar o princípio orientador da ação política. Isso logo foi chamado de “arabização”. Essa questão seria crucial para a intervenção da Comintern no PCP, semelhante ao que foi feito em outros países com a “obrerização”.
Em dezembro de 1924, Berger foi novamente a Moscou para relatar ao Comitê Executivo da Comintern (CEIC) sobre a situação na Palestina. A Comintern ainda estava muito satisfeita com o progresso do partido e aprovaram sua política. Em Moscou, Berger conheceu Esther Feldman, uma judia russa. Eles se casaram em 1925. Foi também nessa época que Berger entrou em contato com Nikolai Bukharin, cuja Nova Política Econômica ele apoiava.
No mesmo ano de 1925, ao retornar à Palestina, Berger foi detido pela polícia colonial britânica por atividades ilegais com o PCP e a Comintern, mas foi finalmente liberado e apenas multado. As autoridades britânicas consideravam todas as formas de atividades comunistas como um crime. O mandato britânico realizava uma campanha de perseguição policial, que incluía prisões, julgamentos, deportações e até tortura. Dez comunistas morreram nas prisões britânicas durante o período do mandato.
Berger, ao retornar de outra viagem a Moscou em 16 de agosto de 1926, teve sua entrada na Palestina recusada pelas autoridades policiais. Como cidadão apátrida, ele ficou a bordo de um navio italiano por seis semanas. A Organização Internacional de Ajuda aos Revolucionários Presos, com auxílio dos sionistas trabalhistas, conseguiu um visto para que ele entrasse no país. Depois disso, ele, sua esposa e filho viveram na aldeia árabe de Beit Safafa de forma clandestina. Berger continuou a ser um dos mais importantes dirigentes do partido e a se encontrar com emissários da Comintern.
Anos depois, na primavera de 1929, Berger foi chamado novamente a Moscou, onde teve uma reunião de cinco horas com Stálin em 5 de março. Ele foi instruído a fortalecer os laços com o Comitê Executivo Árabe e outras partes do movimento nacionalista árabe. Em agosto de 1929, Berger retornou à Palestina para comandar o partido enquanto Averbach, outro dirigente, permanecia em Moscou.
Mas em 1929 aconteceu o evento mais importante desde o início da colonização palestina pelos britânicos até então, a Revolta de Buraq. Nela os palestinos instigados pela própria aristocracia, entraram em choque com à direita do movimento sionista, sendo o estopim um confronto no muro ocidental, também chamado de muro das lamentações. Foi nesse momento que a Comintern dominada pelo stalinismo começou a se chocar diretamente com Berger e o PCP.
Na véspera da revolta, o partido havia publicado um panfleto contra o confronto racial. Em uma declaração inicial, Berger, em nome do partido, caracterizou a guerra civil como resultado do colonialismo: que a Grã-Bretanha, com medo da unidade dos trabalhadores árabes e judeus, havia instigado o ódio racial para dividir as comunidades, e que isso foi auxiliado pelos efendis (senhores de terra) árabes e pelos líderes sionistas.
Um comunicado oficial do partido, escrito principalmente por Berger, afirmava que os confrontos originaram-se do protesto das massas trabalhadoras árabes expropriadas e exploradas contra suas condições sociais em deterioração. Também declarou que foi a administração do mandato britânico que conseguiu transformar o que era originalmente um movimento radical anti-colonial em violência contra os judeus. A análise de Berger é bem precisa, a luta anti-colonial acabou se tornando um confronto religioso e racial pelo estímulo dos britânicos, essa política foi muito bem desenvolvida por eles na Irlanda.
A Comintern interviu e Berger teve que mudar a linha. A Revolta foi classificada como uma rebelião árabe anti-imperialista contra a Grã-Bretanha e os sionistas e exigiu o apoio incondicional do partido aos “trabalhadores árabes revolucionários”, o que, na prática, se traduziu como apoio ao Grande Mufti de Jerusalém. O CEIC interpretou as revoltas como uma “intensificação da luta entre o imperialismo e as massas trabalhadoras dos países coloniais”, conforme previsto pelo Sexto Congresso da Comintern em 1928.
Ou seja, o choque se deu da mesma forma que aconteceu na China em 1927. O Partido Comunista deveria se subordinar completamente ao nacionalismo local invés de manter uma política independente e revolucionária. A posição de que a revolta é uma luta contra o imperialismo está de fato correta, essa era também a conclusão de Berger. No entanto, o CEIC pedia a subordinação política ao movimento nacionalista, algo absurdo, pois o partido deve sempre atuar de forma independente.
A resolução do CEIC também criticou a liderança do partido por ter sido pega de surpresa pela revolta e por subestimar o potencial revolucionário das massas árabes. Assim, atribuiu esse erro ao fracasso do partido em recrutar quadros árabes que fossem adequados para liderar o PCP. Isso ocorreu porque o Sindicato dos Trabalhadores Judeus, a Histadruth, constantemente se recusava a aceitar membros árabes, como escreveu Berger.
Isso abria margem para que palestinos fossem menos atraídos pelo movimento operário e tivessem mais influência dos “líderes traiçoeiros feudais-burgueses, empenhados em fortalecer sua aliança com o imperialismo”. No entanto, pessoas que viajaram a palestina comentavam sobre o progresso da propaganda bolchevique entre as massas de trabalhadores árabes, apesar da política de segregação dos sionistas.
A incapacidade de atuar diante da luta política que se travava no momento, com um três atores complexos, o imperialismo britânico, os sionistas de esquerda e a aristocracia árabe, somada à intervenção da Comintern gerou a crise no PCP. Assim, o stalinismo conseguiu realizar uma intervenção no partido e, na prática, remover da direção os seus principais dirigentes. Isso aconteceu no mundo inteiro, inclusive no Brasil, e deu origem a mais derrotas políticas no futuro.