Muitas vezes, a experiência de ouvir música ou apreciar qualquer forma de arte exige uma entrega a sons e sensações diferentes, que inicialmente podem ser “desagradáveis” para a pessoa. A “apreciação” de formas de entretenimento comercial não proporcionam isso porque são produtos criados para um prazer fácil, que não desafiam nenhuma concepção estética ou de conteúdo, já que estão submetidos à lógica do que é mais facilmente “vendável”.
A arte que se propõe a ser arte, por outro lado, necessariamente irá desagradar a alguns porque não há como enxergar um desenvolvimento da cultura sem que barreiras estéticas sejam derrubadas e sem que elementos novos sejam introduzidos nas obras.
Toda essa reflexão inicial se faz necessária para introduzir o leitor em uma das bandas mais idiossincráticas, misteriosas e curiosas da história do rock progressivo. O conjunto francês Magma. Liderada pelo seu baterista, compositor e vocalista, Christian Vander, o Magma mostra a importância da determinação de um artista em levar suas concepções até as últimas consequências.
Formada em 1969, desbandada em 1983 e retomada em 1996, a banda é fruto da fase final de um período na música popular em que ainda se podia criar e desenvolver uma arte inovadora e de vanguarda e alcançar algum reconhecimento, ainda que apenas em determinado nicho. Mesmo para os padrões do rock progressivo, a música e as concepções de Vander e dos seus colegas do Magma, soam bastante extremas. Tanto que já ouvi de um colega músico a frase “essa é a banda mais indigesta que já escutei”.
O som mais característico do Magma pode ser encontrado em seu terceiro disco, “Mëkanïk Dëstruktïẁ Kömmandöh” (M.D.K.). Os elementos sonoros característicos estão todos lá: linhas de baixo pulsantes e repetitivas, com bases de piano da mesma forma, arranjos de metais que remetem a música marcial, corais ao estilo de “Carmina Burana”, de Carl Orff (uma importante influência para Vander), composições com mais de 40 minutos de duração e uma história que acompanha e conduz a música.
A característica mais interessante da música do Magma, no entanto, e que merece um comentário mais longo, é o fato de Christian Vander ter criado um idioma próprio para as suas músicas, o Kobaian. A maior parte das músicas são cantadas neste idioma e, para compreender as histórias de seus discos, é preciso procurar dicionários e traduções.
Uma concepção hermética como essa não vem do nada, e todo o conceito por trás das músicas do Magma é, em certo sentido, uma justificativa para que elas sejam feitas num idioma inventado por seu compositor. Existem três sagas de várias partes que conduzem as histórias de suas obras, “Kobaïan” (formada pelo primeiro disco – “Magma” – e pelo segundo, “1001º Centigrades”), “Theusz Hamtaahk” (“tempos de ódio” em Kobaïan, formada pelos discos “Theusz Hamtaahk”, “Mekanïk Destruktïw Kommandöh” ou M.D.K e “Wurdah Ïtah”) e a saga “Köhntarkösz”, formada pelos álbuns “Kohntarkosz Anteria” ou K.A., “Köhntarkösz” e “Ëmëhntëhtt-Ré”.
Não vamos entrar no mérito do que conta cada uma dessas histórias com nomes quase impronunciáveis, no entanto é interessante falar por cima que o cenário da primeira saga trata de um grupo de terráqueos, num futuro distante, que saíram de um planeta Terra pós-apocalipse, e conseguiu viajar para um novo planeta habitável e ali se estabelecer.
O catastrofismo que está por trás das histórias do Magma é um tema típico da fase atual do capitalismo, que enfrenta uma crise terminal, e gera esse tipo de pessimismo, principalmente pela ausência de um movimento revolucionário que dê o indicativo de um caminho.
Além dos álbuns aqui citados, o Magma lançou muitos outros. Nem todos tinham a sonoridade típica dos corais orffianos, dos metais marciais e das composições de mais de meia hora. A partir da segunda metade dos anos 70, a banda lançou discos com sonoridades mais próximas do jazz-rock e outros mais acessíveis. A banda segue em atividade até os dias de hoje, lançando até álbuns com músicas inéditas.
O Magma é uma banda que criou uma das obras mais próprias da história. Não à toa, ela é identificada por muitos em um gênero próprio, chamado Zeuhl, uma palavra do próprio idioma Kobaïan, que quer dizer algo como “som celestial”. É algo que só poderia ter surgido mesmo no contexto do rock do fim dos anos 60. Em tempos de apocalipse (para os capitalistas e burguesia, é óbvio), nada melhor do que o Magma para ser a trilha sonora.