“Tá lá o corpo estendido no chão.” A abertura de De Frente pro Crime, de João Bosco, é direta, brutal. Uma imagem que escapa às metáforas e revela o cotidiano de um mundo onde o ultraconservadorismo avança sem cerimônia. Na música, a tragédia é quase banal: o camelô segue vendendo, a baiana frita pastéis. Em 2025, o corpo no chão reflete o desmonte de políticas progressistas e a escalada de discursos de ódio.
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, agora mais radical que nunca, prenuncia violências que já não buscam sofisticações discursivas. Como na música de João Bosco, tudo ocorre à luz do dia. Corpos racializados – negros, indígenas, imigrantes – ocupam o espaço simbólico e literal do chão, não apenas como vítimas da violência estatal, mas como espetáculo que legitima um sistema de exploração e indiferença.
Sustenta este retrocesso um pacto global entre governos e corporações. Exemplos abundam: McDonald’s e Meta desmantelaram programas de diversidade logo após a Suprema Corte dos EUA revogar a ação afirmativa. A mensagem é clara: negros e outras minorias devem se restringir aos espaços designados pelo dispositivo de racialidade, como define Sueli Carneiro. Fora disso, enfrentam confronto ou aniquilação.
O corpo negro, elemento central nesse dispositivo, está novamente exposto. Assim como o camelô enxerga no corpo no chão uma oportunidade, o capitalismo globalizado instrumentaliza a exclusão racial para perpetuar privilégios. O corpo no chão não é obstáculo, mas peça fundamental na engrenagem do sistema.
A volta trumpista à Casa Branca e o avanço ultraconservador não podem ser enfrentados com apatia
“Sem pressa, foi cada um pro seu lado.” A indiferença ao corpo no chão é o aspecto mais corrosivo de De Frente pro Crime. Quando governos e empresas desmantelam políticas de equidade, fecham suas janelas e ignoram os corpos que tombam para sustentar privilégios. O retorno de Trump não deixa dúvidas: o verniz de respeito institucional foi removido. Suas políticas reverberam globalmente, alimentando movimentos de extrema-direita, inclusive no Brasil.
A volta trumpista à Casa Branca e o avanço ultraconservador não podem ser enfrentados com apatia. O corpo no chão deve ser um chamado à ação. O ano de 2025 é decisivo para conter o extremismo e impedir que discursos de ódio dominem 2026.
“Tá lá o corpo estendido no chão, em vez de rosto, uma foto de um gol, em vez de reza, uma praga de alguém, e um silêncio servindo de amém.” Em 10 de janeiro de 2025, Victoria Manoelly dos Santos, 16 anos, foi mais um corpo no chão. A jovem, assassinada por um policial em Guaianases, São Paulo, enquanto defendia seu irmão, é um retrato da banalização do absurdo que marca as periferias brasileiras.
Na música, o corpo no chão torna-se parte da paisagem. O bar enche, o camelô vende, a baiana frita pastéis, e alguém faz um discurso político. A mesma indiferença molda a resposta social a cada morte. Quando João Bosco canta sobre “um silêncio servindo de amém”, denuncia o ciclo de violência e cumplicidade coletiva. A ideia de que os problemas são individuais mascara a miséria estrutural que nos consome.
“Olhei o corpo no chão e fechei minha janela de frente pro crime.” Esse gesto representa o epistemicídio descrito por Sueli Carneiro. Ao abandonarem programas de inclusão, empresas como Meta e McDonald’s não apenas negam oportunidades: fecham janelas para saberes e experiências não brancas, perpetuando exclusão e violência.
Atrocidades e aniquilação de ideias tornaram-se paisagem. Todos os dias, pulamos corpos no chão e seguimos nossas rotinas, como se o horror tivesse perdido sua capacidade de nos deter. A cada indiferença, o ultraconservadorismo supremacista branco se fortalece e outro de nós tomba.
“Tá lá o corpo estendido no chão. E você, o que vai fazer?”