Exu até dança, mas Jesus esse marcha, desfila e se rende!

por Luana de Lima Souza e Gabriel Aparecido Pereira

No último domingo dia 18 de agosto a Avenida Paulista foi palco de uma manifestação intitulada “Marcha para Jesus” que reuniu mais de 2 milhões de pessoas, segundo estimativas da Polícia Militar, este foi o segundo ano consecutivo do evento. Em tese as notícias atribuem a organização do evento a um influenciador digital “Jhonatan Pires” de 36 anos, que conta com mais de 600 mil seguidores no Instagram e se intitula empresário e pai de família. O organizador sugeriu a arrecadação de alimentos e as cores brancas e azuis como padrão de uniformização para o evento. O slogan curto e direto “Nunca foi sorte, sempre foi Jesus”, ajuda a construir a noção de bloco.

Veículos como o Mídia Ninja noticiam que houve dificuldades da organização em diálogo com a polícia militar “Achei que ia ter algum problema, né? Pela Paulista estar aberta, mas o povo do Axé, o povo que é fiel a Exu, fechou, literalmente, a Paulista de ponta a ponta”. Ou seja, reconhecimento e proteção do Estado não houve.

É muito óbvio que a intenção da “Marcha para Jesus” seja confrontar o discurso com a “Marcha para Exu”, que está na 2 edição consecutiva e no último feriado de Corpus Chiste que contou com apoio estatal, só em 2024, a Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSUB), por meio da Secretaria Executiva de Limpeza Urbana (SELIMP), escalou 211 pessoas para a realização da Marcha para Jesus 2024. Além disso, disponibilizou 23 veículos para o evento e instalou dez cestos aramados, 25 papeleiras e sete Pontos de Entrega Voluntária. A marcha para Jesus reuniu 2 milhões de pessoas que marcharam da Estação da Luz até a Praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira.

É fundamental lembrar que segundo o Datafolha em uma pesquisa de 2020, 2% da população brasileira, ou seja, mais de 4 milhões de pessoas são adeptos da Umbanda, Candomblé e outros seguimentos das religiões de matriz africana. A professora Silvia Fernandes da UERJ aponta que “O Brasil é um ator essencial no cenário cristão mundial: é o segundo país com mais cristãos (185 milhões), atrás dos EUA (253 milhões)”.

Faz todo o sentido que um cristão marche, os valores do cristianismo de proselitismo, universalização, assombro e temor pelo pecado, e não por acaso a religião que coaduna com a perspectiva neoliberal. O louvor a um só Deus, não por acaso homem, em uma tríade de pai, filho e espírito santo. Aquele que se sacrifica em nome da multidão que deve então se redimir e obedecer, ainda que pela culpa. Dessa forma, o doutor e babalawo Ivanir dos Santos em sua tese “Marchar não é caminhar: interfaces políticas e sociais das religiões de matriz africana no Rio de Janeiro” editada pela Pallas, mostra o quão diferente são os valores das religiões de matriz africana, há anos a referida autoridade organiza a caminhada pela liberdade religiosa e pede respeito aos povos de terreiro que são sistematicamente atacados.

Tais ataques sistemáticos seguem ainda que forjados por boas intenções que são altamente perigosas para o nosso povo de terreiro, quando despolitizadas. Mas, afinal, alguém imagina o dono da ginga marchando? Quem conhece Exu pode imaginar o seu arquétipo marchando? Sem a síncopa, em movimentos padronizados e quadrados? Definitivamente marchar não é um movimento para Exu, com Jesus combina, mas com Exu não!

A despolitização da fé que afeta diretamente o povo-de-axé. É sintomático que não tenhamos o mínimo de leitura de mundo e política, que acaba nos levando para armadilhas podem ter consequências desastrosas. Efeitos danosos do racismo religioso, é fundamental reconhecer o esforço teórico do professor Ivanir dos Santos que segue caminhando com Exu em um dos Estados brasileiros que mais agride os religiosos de matriz africana, sim Exu caminha! Exu caminha e ginga para que possamos co-existir.

As narrativas construídas a partir das diferentes visões de mundo devem, sim, ser respeitadas, mas sob o olhar crítico de quem vive numa sociedade marcada pelas profundas desigualdades sociais. Dados do Disque 100, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), registram um aumento de 80% no número de ataques à liberdade religiosa, em comparação ao mesmo período de 2023. Das denúncias registradas pelo órgão, até junho deste ano, mais da metade das 647 foi cometida contra pessoas pretas ou pardas, sendo praticantes das religiões de matrizes africanas, como a umbanda e o candomblé os maiores afetados.

As religiões de matriz africana apregoam ainda a senioridade é estranho que tal marcha não tenha contado com a presença dos mais velhos, pois estes sabem que Exu não se sujeita a marchas, seu ritmo, seu tempo e seu espaço são outros. A cooptação mercadológica das religiões de matriz africana vem ascendo vertiginosamente, e o cristianismo compulsório chegando ao seu ápice fazendo macumbeiros/as/es marchar…. O que vem depois desse slogan? “Nunca foi sorte, sempre foi Exu”. Exu acima tudo?  Depois de fazê-lo marchar vão imobilizá-lo em um lugar de cruz?  Exu desfila, isso sim, lindamente apresentado pela Grande Rio em 2022 “Lá na encruza, onde a flor nasceu raiz /Eu levo fé nesse povo que diz/ Boa noite, moça, boa noite, moço/ Aqui na terra é o nosso templo de fé/ Fala, Majeté”. Por fim, lembremos, Exu não é serviçal dos desejos alheios, Exu não é pé de coelho ou patuá de sorte. E por fim, Exu não é mercadoria!

Profa. Dra. Luana de Lima Souza – professora adjunta da Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Unifesp e Ekedi.

Prof. Gabriel Aparecido Pereira – mestrando em Educação pela Unifesp e Babalorixá.

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Última Atualização: 24/08/2024