“Os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão”.

É abordando estes temas que começa a encíclica Rerum Novarum (“Das Coisas Novas”), publicada em 1891 pelo Papa Leão XIII.

O documento surge num contexto de avanço do capitalismo industrial e da consequente superexploração da classe trabalhadora. Outra consequência disso foi um movimento operário e socialista cada vez mais forte. Dezesseis anos antes, os dois maiores partidos socialistas da Alemanha se unificavam no Congresso de Gotha. Em 1886, greves pipocavam em Chicago e em outras cidades dos EUA. O historiador Eric Hobsbawm registra que “os sindicatos formados na expansão do fim da década de 1880 recrutaram trabalhadores de todos os graus de habilitação e adotaram numerosas formas de organização”.

O salto tecnológico da indústria levou Leão XIII a concluir que “é difícil, efetivamente, precisar com exatidão os direitos e os deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho”. Ainda que tenha demonstrado preocupação com as condições de vida da classe trabalhadora, denunciando os patrões “ávidos de ganância e de insaciável ambição” e reconhecendo que o fruto do trabalho deve ser do trabalhador, não poupou críticas à “solução socialista”, incapaz de “pôr termo ao conflito” e injusta por “violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social”.

A Rerum Novarum também não economiza ao tratar da propriedade privada como um direito natural, da família como instituição “real e anterior a toda sociedade civil” e da desigualdade como um traço da natureza. Ao mesmo tempo, demonstra preocupação, até então inédita na Igreja Católica, sobre a miséria do operariado que surgia das revoluções industriais. Por razões óbvias, não era possível criticar os excessos do modo de produção capitalista sem dar atenção aos movimentos políticos revolucionários onde a promessa da salvação não reside na vida eterna, mas na vida terrena.

E assim se inaugurou a “Doutrina Social da Igreja”, sofrendo adaptações na medida em que o século XX avançou, mas mantendo o espírito imprimido pelo Papa Leão XIII.

Na tarde desta quinta-feira, 8 de maio, foi anunciado o sucessor do Papa Francisco. O norte-americano Robert Prevost, ausente na maioria das listas de apostas, foi eleito papa com apenas dois dias de conclave, fato que sinaliza a existência de certo consenso entre os cardeais votantes – o que não é necessariamente uma surpresa se levarmos em conta o fato de 80% do colégio cardinalício ter sido nomeado por Francisco.

Para quem está de fora, a rapidez na escolha do Papa mostra uma Igreja coesa, com poucas rupturas e com aparente disposição para dar continuidade ao pontificado anterior. A começar pelo perfil e trajetória do escolhido.

Prevost, embora norte-americano, consolidou sua trajetória religiosa no Peru, onde aportou em 1985, tornando-se bispo em Chiclayo, noroeste do país, de 2015 a 2023. Em seu discurso perante a multidão na Praça de São Pedro, trocou o italiano pelo espanhol, citando sua diocese no país latino-americano, onde também tem nacionalidade.

A escolha do nome Leão XIV, que remete ao autor da Rerum Novarum, é em si um programa. Diferentemente da época do Leão anterior, o mundo hoje não tem um movimento operário, socialista, forte e consolidado que possa representar uma ameaça ao capitalismo. Há, sim, uma classe trabalhadora cada vez mais precarizada e explorada, submetida à insalubridade migratória e aos suplícios do trabalho informal e sem garantias. A jornada de trabalho dos motoristas de aplicativo, por exemplo, lembra bastante à dos trabalhadores do tempo de Leão XIII.

Diferente do último Leão (e até de João Paulo II), Prevost não precisará se preocupar com comunistas. Esta preocupação segue restrita a uma direita que, por sinal, já vem demonstrando descontentamento com o mais novo Bispo de Roma.

A nacionalidade peruana, a escolha do nome e a eleição por um colegiado em sua maioria nomeado pelo Papa Francisco são sinais de que este conseguiu fazer seu sucessor.

O segundo papa do Sul Global.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 09/05/2025