Professora Juliana Barbosa durante o 4º curso de Carnaval do MST. Foto: Juliana Barbosa (comunicadora do MST) 

Por Murilo Pilatti, Camila Calaudiano, Edivan Carvalho e Ednubia Ghisi
Da Página do MST

No dia 17 de fevereiro de 2025 teve início, em Curitiba, o 4º Curso de Carnaval do MST. Em duas semanas de curso foram ministradas aulas, oficinas instrumentais, realizado produção de materiais para fantasias, decoração dos carros alegóricos e momentos de formação sobre a história do Carnaval, com recorte especial da capital paranaense. 

A sambista e professora na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Juliana Barbosa, que também é pesquisadora do samba e jurada no Estandarte de Ouro, conhecido como “Óscar do samba”, o mais antigo e importante prêmio extra oficial do carnaval do Rio de Janeiro; participou do curso MST no Carnaval 2025 e compartilhou com os educandos sua história no Samba, com a qual expressou a simbiose entre sua vida e o tema estudado, em entrevista para a Página do MST.

Momentos de troca no Curso MST no Carnaval 2025. Foto: Juliana Barbosa

Confira a entrevista completa:

Qual a importância do samba para o processo de formação e identificação cultural do povo brasileiro?

O samba teve um papel histórico muito importante de fazer novos laços entre as pessoas escravizadas, que tiveram suas identidades apagadas e suas expressões culturais proibidas. O samba é uma dessas formas de as pessoas se encontrarem, de se identificarem. E tem uma característica do samba, que é o samba falando do próprio samba, falando do seu próprio universo.

Porque aí se forma a identidade das pessoas, formando sua própria imagem e criando essa identidade, que é, em certa medida, a identidade do Brasil também.

Então eu penso que a forma como o samba acontece em cada canto desse país, a forma como o samba fala sobre o mundo, sobre a vida, isso é muito importante na formação do Brasil e dos brasileiros. 

O Carnaval, muita vezes não é visto como uma expressão cultural brasileira, mas associado à marginalidade e à violência. Qual a questão política, por trás dessa transformação de narrativas? 

O Carnaval tem essa coisa da brasilidade e parece que passa a ser marginalizado, mas eu acho que a marginalização vem antes. Porque você tem a questão da origem do samba e do carnaval ligados ao povo periférico do Rio de Janeiro. Então, isso já é uma forma dessa cultura estar marginalizada.

Ele nasce numa série de tensões com as questões da sociedade e vai ocupando um lugar na identidade do Brasil, mas você vai ter ainda parte da população negando isso, ‘isso aqui não faz parte da minha cultura, isso aqui eu quero, isso aqui é manifestação popular, aqui a nossa identidade é outra’. Só que já faz mais de um século que o samba e as escolas de samba vivem, sobrevivem, desde então resistem, e com vivacidade.

Então, eu acho que a marginalização veio antes, [o carnaval] ganhou essa força, mas não se perdeu totalmente a questão da discriminação e do preconceito que acontece com aquilo que vem normalmente da cultura popular, ainda mais o samba, que além do popular tem a questão da negritude muito forte. 

Só que não adianta, o samba está no lugar que é dele, o carnaval e as escolas de samba ocupam o lugar que eles conquistaram, que essas comunidades conquistaram. Então, por mais que haja políticas e políticos desinteressados nisso, o samba resiste e as escolas de samba também.

Muitos dizem que em Curitiba não tem samba, mas a gente observa que tem muito samba e não é de hoje. Qual é a importância do samba para Curitiba, principalmente porque as pessoas são marginalizadas por isso? 

O samba em Curitiba tem história e não é pouca. A primeira escola de samba, a Colorado, já vai fazer 80 anos, ela não está em atividade agora, mas faz 80 anos que ela foi fundada e ela deixou um legado muito grande, que são muitos grupos de samba. 

Novas escolas de samba foram surgindo, porém, como é uma cidade que se definiu como a Europa do Brasil, alguns elementos que não são parte do que se considera ‘europeu’ acabam sendo apagados. E isso se fortalece quando se está falando de uma cultura afro-originada, quando você pensar nas tensões raciais que existem. É só andar por Curitiba para saber, em todos os bairros você vai ter samba, todos os dias da semana tem samba, num final de semana você tem dezenas de sambas para escolher qual você quer ir. São dez escolas de samba em atividade, mais de 30 blocos, e só nesse pré-carnaval são 70 saídas de bloco.

 A cultura do samba aqui é antiga e pulsa forte, mas ela é pouco visibilizada, pouco registrada pela mídia, pelos estudos, mas ela merece porque é consistente e vigorosa. 

Como foi participar do Curso de Carnaval do MST, com a juventude Sem Terra? E como você percebe essa construção que o Movimento tem feito nesses últimos anos em torno do samba? 

Quando eu penso a relação do MST com o samba, eu vejo muita proximidade. Me sinto à vontade de estar aqui porque eu sei que estou falando com pessoas que sabem o que significa um trabalho de base, sabem o que significa a importância da construção de redes, da comunicação, da cultura, que entendem o quanto essa questão de agregar as pessoas, o quanto isso é forte, o quanto isso nos dá força.

O samba ele é uma forma de luta do povo negro. E de luta vocês do MST entendem bem.

Registro da turma do 4º curso de Carnaval com a professora Juliana. Foto: Barbara Zem

Falar com o MST é como falar com quem é de casa. Falando agora como sambista, porque existem questões ideológicas muito próximas. A gente entende o que é resistência, sabe o que é luta, a gente sabe a importância dessa coletividade. Então, acho que tem pontos em comum muito fortes, que fizeram com que eu me sentisse em casa, muito à vontade, de fazer essa conexão.

*Edição: Solange Engelmann

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Last Update: 28/02/2025