Começou com um ataque terrorista, seguido de uma enorme retaliação militar, o cerco de uma cidade, a morte de milhares de civis, devastação e a indignação global. Se a operação militar foi um sucesso em termos táticos, levou a falhas estratégicas que marcaram a nação e a região nas décadas seguintes.
Parece familiar? Quarenta e dois anos depois, enquanto um novo conflito se aproxima das fronteiras no norte de Israel, historiadores, analistas e veteranos da invasão do Líbano por Israel em 1982 buscam lições e avisos naquela guerra agora distante. Inevitavelmente, muita coisa era diferente no dia de verão em que um atirador enviado a Londres por uma facção separatista palestina a soldo de Saddam Hussein quase conseguiu matar Shlomo Argov, embaixador israelense no Reino Unido, quando ele saía de um jantar no Hotel Dorchester. A Guerra Fria estava no seu ponto mais grave em décadas. A principal ameaça a Israel próxima à fronteira norte era a Organização para a Libertação da Palestina, então liderada por Yasser Arafat. Embora a revolução iraniana de 1979 tivesse deixado claro o novo poder do islamismo político, poucos pensaram que a religião ressurgente pudesse representar um perigo real a Israel.
Entretanto, se há muitas diferenças claras, também há alguns paralelos óbvios, talvez a confirmar o ditado de que se a história não se repete, ela pode rimar. Em 1982, Israel era liderado por Menachem Begin, populista linha-dura cuja primeira vitória eleitoral, cinco anos antes, havia encerrado décadas de governo esquerdista e sinalizado a virada do país à direita. O ministro da Defesa de Begin em 1982 era o controverso general que virou político Ariel Sharon, um dos comandantes militares mais bem-sucedidos, alguns dizem talentosos, e implacáveis de Israel. Ele tinha planos ambiciosos.
Àquela altura, Tel-Aviv cantou vitória cedo demais. Do confronto emergiria o Hezbollah
As várias facções da OLP tinham sido responsáveis por muitos ataques terroristas contra alvos israelenses e outros em todo o mundo na década precedente. Alguns eram bem conhecidos, como o ataque sangrento à equipe israelense nas Olimpíadas de Munique em 1972 ou o que levou à operação de resgate das forças especiais israelenses em Entebe, Uganda, em 1976. Mas, em 1982, tais ataques estavam em declínio, bem abaixo da maré alta de meados da década de 1970. Essa é uma grande diferença da situação atual. Entre 1980 e 1981, o total de baixas das ações de facções armadas palestinas em Israel, Cisjordânia e Gaza foi de apenas 16 mortos e 136 feridos. Isso dificilmente poderia ser considerado um perigo existencial. Em contraste, o ataque do Hamas a Israel em outubro passado, que desencadeou o atual conflito em Gaza, matou 1,2 mil, na maioria civis. Cerca de 250 foram sequestrados.
O tiroteio de Argov em junho de 1982, concordam os historiadores atualmente, forneceu o pretexto esperado por Begin e Sharon. Quando informados por oficiais de inteligência que o quase assassino do embaixador havia sido despachado por um grupo que tinha matado entusiasticamente muitos dos assessores e aliados mais próximos de Arafat, Begin e os principais oficiais militares não ficaram impressionados. “Abu Nidal, Abu Schmidal, são todos da OLP”, disse o chefe de gabinete Rafael Eitan.
Em dez dias de invasão do Líbano, o exército israelense chegou aos arredores de Beirute e cercou efetivamente Arafat e seus combatentes da OLP. Um bombardeio feroz foi direcionado aos bairros ocidentais da cidade, o reduto da OLP. “Fizemos em Beirute exatamente o que os israelenses estão fazendo em Gaza. Desligamos a água, a eletricidade, tudo. Mas não havia redes sociais, então os habitantes não sabiam muito”, descreve Ahron Bregman, especialista do King’s College London que serviu como soldado israelense no conflito de 1982.
Uma reclamação de Israel sobre aquele conflito anterior é familiar. Arafat havia instalado seus bunkers de comando sob prédios de apartamentos, às vezes habitados por deslocados pelos combates. “Os edifícios de Beirute eram nossas barricadas”, escreveu um oficial da OLP anos depois. Porta-vozes israelenses acusaram a organização de usar civis como escudos humanos, o que ela negou.
Arafat sabia que Sharon tentaria chegar a Beirute e que suas forças decrépitas seriam varridas pelo rolo compressor do exército israelense, reequipado com vastas quantidades de armas e equipamentos de última geração dos Estados Unidos desde a guerra de 1973 contra o Egito e a Síria. Mas ele achava que a ONU interviria depois de alguns dias, como havia feito em 1967 e 1979. O que se soube foi muito diferente. Sharon tinha voado a Washington em busca de aprovação prévia do governo de Ronald Reagan para uma invasão bem antes da tentativa de assassinato de Argov. Mas ele recebeu apenas uma luz amarela muito desanimada do belicoso secretário de Estado, Alexander Haig, anticomunista convicto que acreditava que muito do terrorismo global era obra da União Soviética.
Por fim, Reagan chamou a incursão israelita de Holocausto. E convenceu os aliados a recuar
A guerra uma vez em curso, e isso também é familiar, houve apenas fracos apelos por contenção das autoridades de Reagan, e um fluxo contínuo de munição. Protestos de que armas fornecidas pelos Estados Unidos estavam a ser usadas ilegalmente por Israel foram ignorados, e Washington vetou resoluções da ONU que teriam interrompido o avanço israelense. Por fim, com as redes de tevê a transmitir imagens de carnificina nas salas de estar dos EUA todas as noites, Reagan ligou para Begin e disse: “Isto é um Holocausto”. Begin, cuja família foi morta pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, hesitou, mas atendeu ao pedido de Reagan. Hoje, os EUA não exercem a mesma influência sobre Benjamin Netanyahu.
Cerca de duas semanas depois, milhares de combatentes da OLP deixaram o Líbano em direção ao Oriente Médio. Arafat seguiu para Túnis, a cerca de 3,2 mil quilômetros de distância. Em um editorial de The New York Times publicado antes de o presidente da OLP deixar Beirute, Sharon gabou-se da “derrota esmagadora” infligida à organização. “O reino do terror que a OLP havia estabelecido em solo libanês” tinha sido destruído, “o terrorismo internacional sofreu um golpe mortal” e “toda a infraestrutura de violência e revolução… (foi) quebrada”, disse aos leitores. A linguagem foi cuidadosamente escolhida para emoldurar a campanha israelense como uma batalha da Guerra Fria – e rara, por ter sido inequivocamente vencida. Os esforços de Israel foram “uma vitória pela paz e a liberdade em todos os lugares”, escreveu Sharon.
Mas as comemorações duraram pouco. Uma bomba síria matou Bashir Gemayel, líder guerreiro cristão eleito recentemente presidente do Líbano e que Sharon esperava que governasse como um cliente de Israel. Quarenta e oito horas depois, a milícia de Gemayel massacrou entre 700 e 3,5 mil civis palestinos nos campos de Sabra e Shatila, enquanto tropas israelenses disparavam sinalizadores para iluminar seu trabalho sangrento.
O que aconteceu depois na região é esclarecedor, segundo veteranos, analistas e historiadores. Em um ano, o exército israelense foi atraído para uma nova guerra brutal contra uma força insurgente. As baixas tinham sido relativamente poucas durante a ofensiva inicial no Líbano. Agora aumentaram constantemente, enquanto soldados mal equipados tentavam reprimir uma insurgência crescente. Dois carros-bomba suicidas, entre os primeiros implantados, devastariam bases na cidade de Sidon, no sul. Ataques de atropelamento e fuga por um inimigo impreciso matariam mais soldados. Uma ocupação de 18 anos sangraria Israel de jovens e recursos, até uma retirada ignominiosa em 2000. Muitos civis também morreram. “A lição da época é a mesma de hoje: se você não consegue ver a aparência da vitória, não pode haver vitória”, resume Haim Har-Zahav, que serviu no Líbano no fim da década de 1990 e escreveu um livro sobre os anos finais esquecidos do conflito naquele país.
O inimigo contra o qual Israel lutou por tanto tempo foi o Hezbollah, movimento militante islâmico apoiado pelo Irã, fundado após a invasão de 1982. Em 2006, o Hezbollah lutou contra o exército israelense até chegarem a um impasse. Agora, depois de abrir fogo contra Israel na manhã seguinte aos ataques de surpresa do Hamas em outubro, está envolvido numa guerra de atrito crescente com Israel, e pode muito bem ser alvo de uma nova ofensiva israelense dentro de algumas semanas.
Cerca de 30 israelenses foram mortos, cerca de metade deles civis, nos ataques no norte. Israel evacuou 60 mil moradores da zona de fronteira e retaliou com artilharia e ataques aéreos que mataram cerca de 450 do outro lado, quase cem civis. A maioria dos analistas concorda que nenhum dos lados quer uma guerra, mas que evitar um confronto devastador pode ser impossível. A primeira guerra do Líbano mudou Israel e a região. Agora, um Israel drasticamente modificado pelo ataque de outubro enfrenta um novo conflito num antigo campo de batalha. •