Após o assassinato de dois militantes do MST em um assentamento em Tremembé, no interior de São Paulo, o ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário, solicitou ao Ministério da Justiça a inclusão da Polícia Federal na Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo, para reforçar o seu núcleo de inteligência. A atuação do grupo resultou em uma expressiva diminuição das mortes em 2024, segundo dados preliminares da Comissão Pastoral da Terra (leia mais à pág. 22), mas o número de conflitos segue em alta desde 2023, quando foi derrubada uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendia os despejos.
Levou tempo para corrigir os estragos causados pelo desmonte promovido nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. “O MDA foi extinto, o Incra acabou esvaziado. Recebemos o orçamento de 2023 sem um tostão para obtenção de terras. Lutamos e conseguimos aumentar esse orçamento para 2024, mas ainda assim foi modesto, e o recurso demorou a chegar”, justifica Teixeira, ao anunciar, em entrevista a CartaCapital, a destinação de 3,2 bilhões de reais para a aquisição de terras e outro 1,5 bilhão de reais para investir nos assentamentos neste ano. O programa de reforma agrária, promete o ministro, será, enfim, retomado.
CartaCapital: O número de conflitos no campo bateu recorde em 2023, segundo o último relatório da Comissão Pastoral da Terra. O que o governo fez para deter essa escalada de violência?
Paulo Teixeira: Em primeiro lugar, o Ministério do Desenvolvimento Agrário foi recriado. A partir do MDA, criamos a Ouvidoria Agrária e, no Incra, a Câmara de Conciliação. Na sequência, foi feito um diagnóstico e agora o Incra tem conhecimento de todos os conflitos no Brasil. Com isso, iniciou-se um processo de mediação, que resultou na diminuição de mortes no campo. O Incra não só retomou o programa de reforma agrária, que havia sido totalmente parado no governo anterior, como também pediu proteção policial para pessoas ameaçadas. E por que aumentaram os conflitos? Até 2022, havia uma decisão do Supremo Tribunal Federal para suspender os despejos. A decisão caiu em 2023, voltaram os despejos e, como consequência, os conflitos. O MDA e o Incra retomaram o programa de reforma agrária, já compramos terras para entregar nessas áreas. A entrega deve ser feita agora em janeiro. Chamamos de Plano de Pacificação, porque busca endereçar soluções a esses conflitos latentes.
CC: Qual é o orçamento destinado à reforma agrária para este ano?
PT: Vamos investir 800 milhões de reais na compra de terras em áreas de conflito, destinar 1,4 bilhão de reais em adjudicação de terras de grandes devedores e mais 1 bilhão para comprar terras do Banco do Brasil. Isso soma 3,2 bilhões de reais. Além disso, será destinado mais 1,5 bilhão de reais em crédito para esse programa de assentamento, porque não se trata só de desapropriação, precisa ter crédito para os agricultores conseguirem trabalhar. E haverá também assistência técnica.
CC: A Comissão Pastoral da Terra atribui a redução de mortes no campo, em parte, à Comissão Nacional de Enfrentamento da Violência no Campo, criada no fim de 2023, porque a maior presença do governo nos estados ajudou a mitigar esse problema. Denunciam, porém, que o “Movimento Invasão Zero” é um braço armado do agronegócio muito estruturado, com escritórios em vários estados e respaldo em Câmaras Legislativas estaduais. Como o governo lida com a atuação desse grupo?
PT: Pedimos investigação do Ministério Público Federal, porque uma das ações desse grupo resultou na morte de um indígena no sul da Bahia. O princípio do Estado Democrático de Direito é o monopólio da força pelo Estado. E esse grupo está mobilizando pessoas armadas para defender certos territórios. Mas o Estado dispõe de meios: polícia, Judiciário. Não se trata de autodefesa. Quando se forma um grupo com essas características, não é o proprietário que está se defendendo, ele mobiliza outras pessoas. Se for isso, é uma milícia. E para somar esforços à investigação, na semana passada tivemos uma audiência com o ministro Ricardo Lewandowski, para pedir que a Polícia Federal e sua área de inteligência integrem essa Comissão de Enfrentamento da Violência no Campo.
A Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo terá o reforço da PF, afirma o ministro
CC: Lideranças do MST no Vale do Paraíba dizem que, com a distribuição de títulos de propriedade aos assentados no governo Bolsonaro, aumentou o assédio de empresários e grileiros interessados em tomar lotes da reforma agrária para abrir condomínios, uma vez que se tornou possível transferir a titularidade dessas terras.
PT: Qualquer compra e venda de título não é regularizável. Inclusive, no assentamento Olga Benário, tinha sido feita a supervisão em novembro. E foi objeto de uma carta de agradecimento pela regularização do Valdirzão, que foi um dos assassinados. Estamos buscando suprir essa fase infeliz da história do Incra, que foi no período do Bolsonaro.
CC: Esse episódio tem relação com o avanço da especulação imobiliária. Como o governo trabalha para lidar com esse tipo de ameaça específica?
PT: O governo tem esse grupo de combate à violência no campo. Toda denúncia que recebemos é comunicada à Polícia Federal para a proteção dos ameaçados. Consequentemente, são tomadas as providências jurídicas para evitar qualquer violência, inclusive com a inclusão dessas pessoas no programa de proteção. A partir do monitoramento nas áreas de conflito, quando há uma ameaça a polícia é acionada. Nesse caso do Valdirzão, ele foi ameaçado às 5 horas e foi morto às 9 horas.
CC: No fim do ano passado, João Pedro Stedile, um dos fundadores do MST, fez duras críticas ao governo, por acreditar que a reforma agrária não é tratada como prioridade. Segundo o movimento, há cerca de 70 mil famílias acampadas. É possível atender a essa demanda?
PT: A reforma agrária e a titulação de terras quilombolas foram temas do golpe de Estado contra Dilma Rousseff. Isso significa que tudo estava paralisado desde 2016. O MDA foi extinto, o Incra acabou esvaziado. Foi ditada uma normativa impeditiva da reforma agrária. Recebemos o orçamento de 2023 sem um tostão para obtenção de terras. Lutamos e conseguimos aumentar esse orçamento para 2024, mas ainda assim foi modesto, e o recurso demorou a chegar. A adjudicação foi decidida em dezembro, e a aquisição de terras de bancos foi feita em janeiro deste ano. Todas as medidas demoraram. Agora está tudo pronto para as entregas. Isso permite retomar o programa de reforma agrária de maneira robusta, no entanto vamos lutar para o orçamento ser maior, porque achamos que ainda não é suficiente. Vamos lutar para aumentar o orçamento para a obtenção de terras e para créditos e assistência técnica desses assentamentos. •
Publicado na edição n° 1346 de CartaCapital, em 29 de janeiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O recurso chegou’