Leva ao rebaixamento e à subestimação do Partido

O proletariado deve buscar fundar partidos políticos independentes, cujo objetivo fundamental seja a conquista do poder político pelo proletariado, com o fim de organizar a sociedade socialista.” (Lenin)

     Cresce entre os membros e quadros do PCdoB a percepção de que tem ocorrido um rebaixamento do espírito de partido e do compromisso revolucionário em parte da militância comunista.

     Isso se expressa em um baixo nível organizativo das fileiras partidárias; na prevalência da atuação em frentes atomizadas de luta, em detrimento da atuação através do PCdoB e no PCdoB; na hipertrofia da frente institucional, que proporciona cargos, recursos financeiros, visibilidade; na subestimação da luta de massas e da luta de ideias; na pressão pela autonomização de grupos de interesses no interior do Partido; na substituição dos dirigentes partidárias por “figuras públicas” do PCdoB que atuam na frente institucional; no descaso dos militantes com a sua preparação teórica e ideológica; no descompromisso com a sustentação financeira do Partido. Tudo isso temperado pelo pragmatismo e pelo imediatismo, muitas vezes contaminados pelo estrelismo e pelo carreirismo. Como outra face do mesmo fenômeno, observamos a apatia e o desânimo de muitos militantes.

     Várias razões têm sido apresentadas para explicar isso: o período prolongado de defensiva estratégica em que se encontra o movimento comunista, após a derrota do socialismo na União Soviética; o avanço do neofascismo no mundo e no Brasil, que tem como seu alvo central os comunistas; a perda de perspectiva estratégica por parte de militantes e quadros. Sem dúvida, essas são razões reais.

     Mas, quero trazer à discussão outra questão, a meu ver pouco tratada.

     Refiro-me ao rebaixamento, na ação partidária, dos objetivos estratégicos do Partido Comunista do Brasil, algo inaceitável, mesmo nas épocas de defensiva revolucionária.

     Se são rebaixados os objetivos revolucionários do PCdoB – a eliminação da dominação imperialista e da oligarquia financeira; a instauração de uma democracia popular, que supere os limites da democracia liberal; transformações estruturais que abram caminho para o socialismo –, questões impossíveis de alcançar nos marcos do atual regime e sem profundas rupturas, para o que, então, é necessário o partido comunista?

     Para negociar com as potências imperialistas condições mais suaves de dependência – sem romper com a sua dominação –, não faz falta o PCdoB. Para negociar como os grandes financistas taxas de juros um pouco mais baixas, tampouco. Para lutar por avanços democráticos nos limites da democracia liberal, não é indispensável o PCdoB. Para dirigir a luta por melhores salários, moradia, creches, saúde, lazer, educação, por mais direitos para as mulheres, negros e indígenas, e pela livre orientação sexual – por mais importantes e necessárias que sejam essas lutas –, não é indispensável o PCdoB. Movimentos, entidades de massas, partidos burgueses ou pequeno-burgueses são capazes de fazê-lo, dentro de seus limites. O Partido Comunista do Brasil só é imprescindível para a revolução!

     O PC do Brasil foi reorganizado em fevereiro de 1962 em acirrada luta contra o reformismo. No seu Manifesto Programa afirmou: “Impossível resolver os problemas fundamentais do povo nos marcos do atual regime […] Impõe-se a instauração de um novo regime, antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista […] as massas populares terão de recorrer a todas as formas de luta que se fizerem necessárias para conseguir seus propósitos. […] Todos os movimentos democráticos e patrióticos devem ajudar a alcançar a grande meta – a conquista de um novo poder político, principal objetivo do povo. Mas só a luta decidida e enérgica, as ações revolucionárias de envergadura, darão o poder ao povo.”

     Em 2009, quando aprovou o seu Programa Socialista para o Brasil, no 12º Congresso, o PCdoB afirmou: “O objetivo essencial deste Programa é a transição do capitalismo ao socialismo […] em qualquer situação, a transição ao socialismo deve ser o norte constante do PCdoB […] A questão essencial e o ponto de partida para a transição é a conquista do poder político estatal pelos trabalhadores da cidade e do campo. […] É, portanto, uma transição revolucionária, de rupturas profundas”.

     Assim, o nosso Programa – em consonância com a caráter socialista e revolucionário do PCdoB – coloca como objetivo central a transição ao socialismo, para o que é imprescindível a conquista do poder pelos trabalhadores, única forma de viabilizar “uma transição revolucionária, de rupturas profundas”.

     Lamentavelmente, nem o 12º, nem os Congressos posteriores, aprofundaram a discussão dos caminhos para a conquista do poder pelos trabalhadores e as formas de luta para enfrentar a resistência das classes dominantes, que certamente não abrirão mão do controle do poder estatal sem uma dura resistência.

     No quadro de repetidas vitórias dos governos populares e de avanços eleitorais, inclusive dos comunistas – que em 2013 chegaram a contar com dois senadores, 15 deputados federais, 25 deputados estaduais, mais de mil vereadores e 60 prefeitos –, passou a prevalecer em boa parte do coletivo partidário a ideia (nunca formalizada) de que uma progressiva acumulação eleitoral de forças viabilizaria, a médio e longo prazo, as necessárias reformas estruturais.

     Com isso, os objetivos revolucionários do PCdoB passaram a ser, de forma quase imperceptível, rebaixados e a luta institucional tornou-se prioritária – seja quanto aos esforços partidários, à alocação de quadros ou a disponibilidade de recursos –, colocando em segundo plano as lutas sociais, a luta de ideias e o próprio Partido.

     Enquanto a esquerda avançava, tudo correu às mil maravilhas e inclusive o PCdoB atraiu muitos pelo seu “glamour”. Bastou, porém, o golpe contra Dilma e em seguida a vitória da ultradireita, para que começassem as deserções e as perdas eleitorais e surgissem propostas de abandono dos símbolos e do nome do Partido, para torná-lo mais “palatável” nas disputas eleitorais.

     A colocação em segundo plano das lutas sociais, da luta de ideias e da construção partidária também foi fundamental nesses retrocessos, pois um partido comunista só acumula forças eleitoralmente se estiver estreitamente ligado às massas, influenciá-las ideologicamente e for forte organizativamente.

     Por tudo isso, é fundamental, como muitos camaradas já opinaram, revigorar a compreensão de que a acumulação revolucionária de forças – pois é disso que se trata – só se dá através da combinação da luta institucional com as lutas socias e a luta de ideias.

     Mas isso não basta.

     É preciso, também, retomar a discussão – há muitos anos ausente no nosso Partido – sobre os caminhos para a conquista de um novo poder para os trabalhadores, capaz de viabilizar a transição ao socialismo, o que não ocorrerá nos marcos do atual regime e não acontecerá sem profundas rupturas revolucionárias. Questões que, na maioria das vezes, estão fora dos horizontes de boa parte da militância partidária.

     Quando os duros caminhos para a conquista de um novo poder estiverem claros, ninguém conseguirá subestimar a necessidade de um Partido Comunista enraizado nas massas populares, estreitamente ligado às suas lutas, capaz de conquistar os seus corações e mentes, forte organicamente e com direções preparadas e prestigiadas.

     Espero que o nosso 16º Congresso caminhe nesse sentido!

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Last Update: 13/08/2025