O Caminho da Desigualdade
por Leonardo Silva
A extrema direita encontrou nas redes sociais um caminho para sua pregação a favor do status quo, cultivando preconceitos de classe social, raça e gênero. Paradoxalmente, trata-se de uma busca de igualdade que pode ser alcançada por uma estrada vicinal, desviando da questão crucial da luta da esquerda que é a desigualdade social, econômica e política. Ela é conseguida não pela luta social e política para transcende-la ou, ao menos, minora-la, mas através do sucesso pessoal que, segundo sua pregação, está ao alcance de todos. Isso está representado no sucesso político de tipos como Milei, Bolsonaro e Trump que chegaram lá pensando iguais a eles em várias, senão em todas as questões relativas a costumes e tradição. Como disse alguém, todos têm o mesmo cérebro podre, isto é, são consumidores de futilidades e besteiras, principalmente, nas redes sociais, em escala industrial, se caracterizando, por seguir irrefletidamente o pregado por celebridades, picaretas políticos e religiosos e jornalistas formadores de opinião alinhados ao pensamento único neoliberal.
Como disse premonitoriamente Theodor Adorno, no livro Mínima Moralia, aforisma 124, “Imagem Enigmática”, no patamar tecnológico em que estamos – como demonstra a eleição de desclassificados como Trump, Milei e Bolsonaro, digo eu – “pertencer a elite está ao alcance de qualquer um. Só se espera pela cooptação. Ou por ganhar milhões nos zilhões de canais de apostas (bet), acrescento. “Certamente os eleitos continuam a ser uma minoria ínfima, mas a possibilidade estrutural basta para manter com êxito a aparência de chance igual sob o sistema que eliminou a livre concorrência, a qual vivia dessa aparência. ” Não é por incompetência que se cai, mas conforme um arranjo hierárquico opaco, no qual ninguém, nem mesmo quem está no ápice, tem como se garantir: igualdade da ameaça… A injustiça extrema torna-se ilusão de justiça, a desqualificação dos homens converte-se em sua igualdade. ”
A luta política desloca-se do binômio capital/trabalho para uma nova clivagem constituída pelo binômio conservadores e reacionários/progressistas nos costumes que convém a extrema direita dado que a tradição e os costumes cultivados pela maioria, “joga água para o moinho” deles. Neste particular, não se tem novidades. Mussolini, era um intelectual, que migrou da esquerda para a direita, e adotou um discurso tosco adequado à sua nova ideologia por pura conveniência. A diferença é que, a julgar o perfil dos novos personagens da extrema direita atual, como Bolsonaro e Trump, o discurso deles é compatível com a sua indigência cultural.
Esta abordagem adorniana vai em outro sentido do dado pela esquerda que denuncia a armadilha da adoção do caminho do empreendedorismo como no excelente artigo, “Uma Era de Crise Psíquica, de Vladimir Safatle, publicado na revista Cult de Nov/24 que diz, com propriedade, “as exigência de iniciativa, de responsabilização individual, de fazer seu “corre”, que a precarização social absoluta e a implosão de relações elementares de solidariedade produziram no neoliberalismo, geraram, na verdade, aprofundamento da desagregação psíquica”. Diz mais, “Empreendedorismo não é uma forma de liberdade, mas de violência, de eliminação ainda maior que qualquer enraizamento. Não se trata de um modo de produzir riquezas, mas da violência de reduzir toda relação social a figura da concorrência e da competição. Redução de todo o outro à condição de um concorrente a ser eliminado”. Enquanto esta análise demonstra o sofrimento decorrente do neoliberalismo, Adorno aponta o contrário, isto é, a sociedade validando e aderindo ao “Canto de Sereia” da extrema direita. Uma espécie de reedição da moral da fábula “A Raposa e as Uvas” onde a raposa se resignando por nunca poder alcançar as uvas, aceita a situação não sem antes pronunciar uma frase de consolo “Elas estão verdes”. O mesmo desprezo negacionista a busca de igualdade e justiça real considerado uma quimera, algo inalcançável, presente em uma parcela significativa da sociedade que envereda impensadamente pela satisfação enganosa, fadada ao fracasso, do empreendedorismo. Abordagens diferentes que, no entanto, não se excluem. São complementares. Ambas buscam desvelar a sutileza e brutalidade da dominação neoliberal.
Retomando, cabe dizer que o binômio capital/trabalho não deixou de ter um papel importante na cena política. Apenas divide o palco hoje com o fortalecimento do tema costumes. Fortalecimento que, em alguns casos, se revelou bem-sucedido como demonstram as eleições de candidatos de extrema direita, com agenda centrada na defesa ideológica de costumes conservadores e/ou reacionários em vários países.Tema que se beneficia do empoderamento do pensamento raso nas redes sociais e, no caso do Brasil, da ascensão de pastores das igrejas evangélicas para a política, partindo da ideia de que o devoto deve depositar o voto em membros da comunidade religiosa que pensam iguais na questão costumes, como demonstra a polêmica do aborto, mais do que em líderes preocupados em defender avanços nas lutas contra as desigualdades sociais, econômicas e políticas.
Leonardo Silva é engenheiro e escritor.
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