Mario Cruz
Nas últimas semanas, a expressão “terras raras” tem sido destaque em muitas manchetes, principalmente porque o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, exigiu que o governo da Ucrânia concedesse o direito de exploração de suas reservas de terras raras.
Neste artigo, buscamos demonstrar que, por trás das guerras, sempre existem interesses das grandes potências na divisão do mundo e de seus recursos naturais para atender seus negócios.
Como dizia Lênin:
“Os capitalistas não dividem o mundo por maldade, mas porque o nível de concentração alcançado os obriga a seguir por esse caminho para obter lucros; e eles o dividem ‘proporcionalmente ao capital’, ‘proporcionalmente à força’, porque outro método de divisão é impossível dentro do sistema de produção mercantil e do capitalismo.”1
Este artigo não tem como objetivo narrar detalhadamente a guerra na Ucrânia, nem a luta legítima do povo ucraniano para se livrar da opressão russa, assim como a hipocrisia das potências europeias e dos Estados Unidos. Agora que se completam três anos da invasão russa, convidamos você a ler o artigo Três anos de resistência heroica contra a invasão de Putin, publicado pela LIT-QI.
Nosso objetivo aqui é explicar a importância da disputa pelos recursos naturais dentro da política de guerras entre as diversas burguesias internacionais. Neste caso, destacamos o papel estratégico das terras raras.
Damos atenção especial ao tema dos recursos naturais porque eles são fundamentais para o desenvolvimento de um programa revolucionário em cada um de nossos países. Se não compreendermos a riqueza existente em nossos territórios e seu valor para o mercado mundial, o imperialismo sempre terá uma vantagem absoluta para continuar saqueando nossas riquezas.
O que são as terras raras?
As terras raras são um grupo de 17 elementos químicos – incluindo escândio, ítrio e 15 lantanídeos2 – que, embora não sejam extremamente escassos, encontram-se em baixas concentrações e quase sempre misturados com outros minerais. Isso torna sua extração e processamento complexos e caros, aumentando seu valor estratégico.
Esses elementos possuem propriedades únicas que os tornam indispensáveis para a indústria de alta tecnologia. Eles são usados na fabricação de fibras ópticas, supercondutores, baterias, chips e, em especial, ímãs de alta potência, essenciais para dispositivos como telas LCD, câmeras digitais, luzes LED e motores de veículos elétricos e híbridos.
No setor militar, a importância das terras raras é ainda maior. Elas são aplicadas em sistemas de mísseis, sensores de precisão, radares e equipamentos de visão noturna, entre outros. Elementos como disprósio e térbio aumentam a potência dos ímãs usados em motores de veículos de combate, enquanto ítrio e gadolínio são empregados em tecnologias a laser e dispositivos de detecção.
Devido ao seu alto valor, a segurança no fornecimento de terras raras é uma prioridade para muitos países. A China domina cerca de 80% da produção mundial, o que lhe permite influenciar preços e exportações. Enquanto isso, outras nações – como os Estados Unidos, Austrália, alguns países africanos e a Suécia – buscam diversificar suas fontes para reduzir essa dependência.
Por essas razões, as terras raras são consideradas o “petróleo do século XXI”. Seu papel é fundamental não apenas para a manutenção do avanço tecnológico da indústria eletrônica, mas também para o desenvolvimento militar e a transição para energias renováveis, como as utilizadas em turbinas eólicas e veículos elétricos. A complexidade da sua extração e o controle sobre seu fornecimento podem impactar tanto a competitividade industrial quanto a indústria militar.
“A Ucrânia abriga aproximadamente 5% das reservas mundiais de terras raras, segundo dados da ONU. Seu subsolo contém minerais como tântalo, berílio e nióbio, utilizados em indústrias de alta tecnologia. Além disso, o país possui importantes jazidas de titânio e lítio. No total, estima-se que suas reservas minerais possam superar 2,6 bilhões de toneladas, com um valor potencial de até 11,5 trilhões de dólares.”3
Maiores reservas de terras raras no mundo
De acordo com dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos atualizados em 20224, a concentração dessas reservas ocorre em um pequeno grupo de nações que, apesar do número reduzido, determinam significativamente a disponibilidade global desses recursos estratégicos.
No topo da lista está a China, com reservas estimadas em 44 milhões de toneladas métricas (TM), o que a posiciona como a maior detentora desses minerais. Em seguida, aparece o Vietnã, com 22 milhões de TM, enquanto Brasil e Rússia, empatados, possuem reservas de 21 milhões de TM cada. Esses dados evidenciam uma forte concentração na Ásia e em alguns países com grande potencial geológico.
Outras nações que figuram entre as maiores reservas incluem a Índia, com 6,9 milhões de TM; a Austrália, com 4 milhões de TM; os Estados Unidos, com 1,8 milhão de TM; e a Groenlândia, com 1,5 milhão de TM. Embora o relatório se concentre nesses sete principais países, sabe-se que existem outros com depósitos relevantes, mas que ainda não atingiram a magnitude desses líderes.
O caso da Groenlândia nos ajuda a compreender melhor as ameaças de Donald Trump em anexar esse território.
América Latina e as terras raras
Na América Latina, até agora apenas o Brasil aparece com reservas devidamente identificadas. No entanto, estudos em andamento no Chile5 e na República Dominicana6 indicam que esses países podem ter reservas significativas desses recursos.
É fundamental que nossos países conheçam e compreendam a riqueza presente em seus solos, pois isso nos coloca, queiramos ou não, no radar dos interesses das grandes potências ligadas à produção de alta tecnologia. Elas farão de tudo para explorar essa riqueza e nos deixar apenas com as consequências ambientais de sua extração. No entanto, essa realidade também nos oferece a oportunidade de entender que nossos países possuem os recursos necessários para alcançar um desenvolvimento independente, capaz de nos tirar do atraso econômico, social e ambiental.
Interesses burgueses vs. o povo ucraniano
O interesse de Donald Trump nas reservas de terras raras da Ucrânia está ligado ao objetivo de fortalecer a posição dos Estados Unidos em relação à China e garantir um fornecimento estável desses minerais, que são cruciais para a indústria tecnológica e militar.
Parte dessas jazidas encontra-se em regiões do sudeste da Ucrânia, como Donbass, onde as forças russas ocuparam alguns territórios. Essa ocupação não apenas dificulta a exploração dos recursos, mas também concede aos oligarcas de Moscou uma vantagem no controle do comércio desses minerais.
Além disso, esse cenário expõe a hipocrisia do chamado direito internacional e das ações da ONU. Embora a Carta das Nações Unidas proíba anexações forçadas, potências como os EUA e a Rússia – que possuem poder de veto – utilizam sua influência para obter vantagens estratégicas, contrastando a retórica de paz com a disputa pelos recursos essenciais.
Por fim, quem realmente sofre as consequências dessa disputa por recursos naturais é a classe trabalhadora ucraniana, que há muito tempo luta pelo seu direito à autodeterminação.
1 Imperialismo fase superior del capitalismo, Archivo León Trotsky.
2 https://www.bbc.com/mundo/noticias-internacional-64554531
3https://www.ondacero.es/noticias/mundo/que-son-tierras-raras-ucrania-que-tanto-atraen-trump_2025022167b80be1417ec2000100dd84.html
4 https://enernews.com/nota/350649/tierras-raras-el-top-ten-de-paises-productores-y-las-mayores-reservas
5 https://www.mch.cl/negocios-industria/tierras-raras-estudio-revela-que-chile-podria-convertirse-en-lider-latinoamericano-en-la-produccion-de-este-material/
6https://www.diariolibre.com/planeta/medioambiente/2025/02/06/paises-con-tierras-raras/2991907