O que ocorrerá no mundo depois da posse de Donald Trump na presidência dos EUA?
20 de janeiro de 2025 promete ser uma data marcante. Donald Trump tomará posse, pela segunda vez, como presidente dos Estados Unidos da América. Voltará à Casa Branca depois de ter sido derrotado pelo democrata Joe Biden nas eleições anteriores.
Normalmente, os presidentes dos EUA engatam um segundo mandato após o primeiro. Não foi o caso dele, que, quando foi derrotado há quatro anos, insinuando desvio de votos, incentivou uma turba a invadir o Capitólio, onde o Senado proclamaria a vitória de seu sucessor, Biden, produzindo cenas de violência até então inimagináveis na capital estadunidense.
Desta vez, ninguém tentou impugnar sua vitória, consagrada tanto na votação popular quanto no Colégio Eleitoral. E espera-se que, na posse, por tudo que já anda dizendo, Trump venha a repetir algo semelhante ao slogan que destacou no seu discurso ao assumir o primeiro governo: “America first”.
Trump e seu lema darão partida em seu governo num momento em que vários e importantes países do mundo estão às voltas com sérias questões políticas. A Alemanha, principal economia da União Europeia, promoverá eleições depois que o atual chanceler Olaf Scholz perdeu um voto de confiança do Parlamento. Na França, o presidente Emmanuel Macron tenta sobreviver diante de um parlamento em que três forças partidárias, de esquerda, centro e direita se equilibram politicamente. Na Inglaterra, o governo trabalhista que voltou ao poder depois de um longo período de domínio dos conservadores já está com baixa popularidade.
Trump vai tentar parar a guerra na Ucrânia?
São governos que, em parceria com os EUA, estão ajudando a Ucrânia a se defender da invasão russa, conflito que se arrasta, até agora, sem solução à vista, mas que Trump promete resolver. Tudo indica que o futuro mandatário dos EUA vai sugerir uma paralisação do conflito no estágio em que está, in the ground, ou seja, com os russos mantendo as porções de território que tomaram dos ucranianos. Se essa possibilidade se confirmar, será um desafio à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que reúne militarmente os países da Europa e o EUA desde o fim da Segunda Guerra Mundial e que acolheu quase todas as nações do Leste Europeu após o afundamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), então comandada pela Rússia.
Farpas voam contra os vizinhos dos EUA, como o México, caminho por onde se deslocam os imigrantes da América Central e do Sul que tentam ultrapassar o muro fronteiriço que Trump começou a construir no mandato anterior. E contra o Canadá, que Trump teve a indelicadeza diplomática de dizer que deveria ser o 51º Estado norte-americano, desrespeitando séculos de história do país vizinho.
Quando escrevo, nosso Brasil já havia levado indiretamente uma reprimenda como membro do Brics, entidade que reúne China, Rússia, África do Sul, Brasil e mais alguns países, à qual Trump destinou o aviso de que as nações do organismo não deveriam deixar de usar o dólar como moeda em suas relações comerciais. Uma preocupação com uma possível perda de espaço do dólar na economia mundial? O ultraliberal Javier Millei, presidente da Argentina, cujo governo recusou-se a participar do Brics por motivos ideológicos, foi o primeiro da América do Sul a demonstrar regozijo com a eleição de Trump, fazendo questão de demonstrá-lo pessoalmente em viagem aos EUA, em que foi muito bem recebido pelo futuro presidente.
Pelo que proclamou nos comícios da campanha, o slogan “America first” mostra que Trump quer alterar as atuais relações de comércio do mundo com os EUA e vice-versa. Vai enfrentar a questão do desemprego na indústria norte-americana, discurso que atraiu milhares de votos que, tradicionalmente, iriam para o partido democrata. Para garantir o mercado interno para as indústrias do EUA, acena com aumentos significativos para as tarifas de importação para produtos europeus e, principalmente, e bota principalmente nisso, da China. E mesmo que isso implique em mais inflação no seu país.
A COP 30, em Belém, no caminho
E qual será agora sua posição frente ao Acordo de Paris, criado para estimular o combate à crescente poluição ambiental em todo o globo, da qual retirou os EUA, que foram reintegrados após a eleição de seu sucessor Joe Biden? Trump considera que o acordo é prejudicial à indústria do petróleo norte-americana, entre outras razões domésticas. O que ele fará nesta nova gestão, pois já anunciou que retomará a produção de petróleo nos EUA? “Drill, drill, cave, cave“, proclamou em seus comícios de campanha nestas eleições, como lembrei em artigo anterior. O que leva a pensar em qual será a posição norte-americana na COP 30, que se realizará em Belém, em 2025. Será hostil?
E há, ainda, a questão do Oriente Médio, na qual tudo indica que Trump manterá o apoio dos EUA à Israel em sua guerra contra o terrorismo, mas que implica em milhares de mortes de palestinos, enquanto não se vislumbra claramente as consequências da queda do regime de Bashar Al Assad na Síria e seus reflexos no Irã e demais países que contavam com apoio da Rússia, que hoje se concentra mais no confronto com a Ucrânia.
Mais do que nunca, a China será o grande contendor dos Estados Unidos trumpeanos. “Os Estados Unidos continuam sendo a principal economia do mundo e devem fechar 2024 com PIB real de US$ 29,16 trilhões, segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI). A China aparece logo em seguida, com PIB real de US$ 18,27 trilhões”, informa o jornal Valor Econômico. Outra possível comparação usa a Paridade do Poder de Compra (PCC), que busca equalizar o poder de compra das moedas em diferentes nações, levando em conta as diferenças de preços. Números de 2022, usando-se esse critério, já indicavam que a economia chinesa era 23% maior do que a norte-americana na época.
O fato é que a China aumentou brutalmente sua capacidade econômica e produtiva desde a primeira gestão de Donald Trump nos EUA. Em reportagem na China para o New York Times, o jornalista Thomas L. Friedman, um dos mais prestigiados da publicação, com longa experiência internacional, transcreve uma análise de Jim McGregor, um consultor norte-americano que vive há 30 anos no país: “A China teve seu momento Sputnik*. Ele os acordou para o fato de que precisavam de um esforço geral para elevar o nível de suas capacidades científica, inovativa e de manufatura avançada”.
De acordo com ele, “a China que Trump vai encontrar vai ter um regime exportador mais formidável, seus músculos manufatureiros explodiram em tamanho, sofisticação e quantidade nos últimos oito anos”. Em outras palavras, será um contendor econômico mais poderoso do que no mandato anterior de Trump e que, ainda, lançou para várias partes do mundo a Iniciativa do Cinturão e Rota, por intermédio da qual objetiva incrementar suas relações comerciais com o globo. Trump, por seu turno, promete aumentar as tarifas alfandegárias para as exportações do país do Sol Nascente para os EUA.
Tempos turbulentos vêm por aí, a partir de 20 de janeiro de 2025. Trump tomará posse com mais experiência nacional e internacional do que no primeiro mandato e, com um secretariado afinado com seu discurso e seus objetivos, ao contrário do que ocorreu em seu primeiro mandato. Quase todos os discursos e entrevistas até a data em que este texto foi escrito (19 de dezembro) prenunciavam confrontos com o atual status quo mundial.
*O primeiro satélite lançado à órbita terrestre pela então União Soviética no fim dos anos 1950
Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP
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