Tem sido muito raro, quase inexistente na mídia ocidental, ouvir um dos principais atores nesse novo e perigoso conflito no Oriente Médio: o Irã. O Dr. Foad Izadi, professor associado da Faculdade de Estudos Mundiais da Universidade de Teerã, é uma das fontes mais valiosas e por isso é importante ouvir o que ele tem a dizer. Sua análise sobre como o Irã tem visto os últimos movimentos dos Estados Unidos e de Israel em relação ao cessar-fogo, às ameaças e como o Irã deve reagir neste momento tão perigoso para o Oriente Médio e para o mundo oferece uma perspectiva crucial raramente apresentada nos meios de comunicação ocidentais.
Em entrevista ao jornalista Jeremy Scahill, do site de notícias independentes Drop Site News, o professor iraniano explica os principais pontos de sua crítica às lideranças políticas ocidentais e oferece uma visão detalhada da posição iraniana diante dos recentes desenvolvimentos.
O contexto do conflito: uma guerra imposta
O Dr. Izadi é categórico ao definir a natureza do conflito atual: “O Irã não começou esta guerra. O Irã é vítima de uma guerra imposta.” Segundo o professor, o Irã estava no meio de negociações quando “os israelenses atacaram dois dias antes” da sexta rodada que deveria ter acontecido. “Este foi um ataque surpresa”, explica Izadi, destacando que “poucas pessoas pensaram que, no meio das negociações, israelenses ou americanos poderiam atacar.”
O professor revela uma perspectiva preocupante sobre a coordenação entre Trump e Netanyahu: “Parece que pelo menos naquele momento Trump e Netanyahu estavam trabalhando em equipe.” Esta colaboração, segundo Izadi, incluiu o que ele descreve como uma “operação enganosa”, onde as negociações eram utilizadas “tentando fazer os iranianos pensarem que estavam realmente negociando, mas, na realidade, elas foram planejadas para evitar uma surpresa quando os israelenses atacassem.”
O custo humano e a recepção do cessar-fogo
O professor iraniano destaca o impacto devastador dos bombardeios: “Tivemos mais de 600 vítimas civis nos últimos 12 dias, a maioria mulheres e crianças. Essas são as pessoas que são identificadas. Tenho certeza de que esse número aumentará.” Diante deste cenário, Izadi explica que “os líderes iranianos acolheram bem o cessar-fogo” e que “a esperança é que o cessar-fogo se mantenha.”
Contudo, o professor expressa expectativas claras em relação aos próximos passos: “A esperança é que os israelenses percebam que atacar o Irã não é uma boa ideia. E a esperança é que Trump perceba que nos dar uma política externa para Netanyahu não é colocar a América em primeiro lugar, mas sim Israel em primeiro lugar.”
A crítica do Dr. Izadi a Trump é particularmente contundente quando se refere à relação entre os dois líderes: “A esperança é que Trump perceba que trabalhar com Netanyahu, ser um membro da equipe de Netanyahu, não é uma boa ideia.”
A posição oficial iraniana
Quando questionado sobre a posição oficial da República Islâmica do Irã sobre o cessar-fogo, o Dr. Izadi é direto: “A posição oficial é que o Irã não disparará enquanto os israelenses não atacarem o Irã.” Ele explica que “todos os diferentes níveis do governo iraniano, políticos e militares, estão reconhecendo o fato de que estamos em um cessar-fogo” e que “a esperança deles é que permaneçam em um cessar-fogo.”
O professor também aborda a natureza defensiva das operações iranianas: “O governo iraniano também indicou que sua posição é de que são operações defensivas contra Israel.” Segundo Izadi, os mísseis iranianos “foram capazes de penetrar em Israel de uma forma sem precedentes”, causando “o maior dano a Israel causado na história por mísseis iranianos.”
A escalada histórica do conflito
O Dr. Izadi oferece uma perspectiva histórica importante sobre a escalada do conflito, explicando que “todo esse processo começou no ano passado e os israelenses atacaram a embaixada iraniana em Damasco.” Ele detalha uma sequência de eventos que levaram à situação atual:
“Foi a primeira vez que o Irã respondeu a esse ataque atacando o Paquistão ocupado. E então os israelenses mataram o líder político do Hamas em Teerã quando ele estava aqui para uma visita oficial. Então ele foi morto, seus associados foram mortos. Essa foi a segunda vez que os israelenses atacaram dentro do Irã, e o Irã respondeu a isso.”
O professor enfatiza que “em ambos os casos, a resposta do Irã foi bastante limitada” e que após um terceiro ataque israelense, “o Irã decidiu não responder.” Contudo, após o ataque surpresa de 12 dias atrás, “os iranianos perceberam que, a menos que haja um custo para atacar o Irã, isso continuará. Então, desta vez, a resposta do Irã foi muito mais séria.”
Os três erros de cálculo israelenses
Uma das análises mais contundentes do Dr. Izadi refere-se aos que ele identifica como três erros fundamentais de cálculo por parte de Israel. O primeiro erro relaciona-se à superioridade tecnológica: “A tecnologia americana era boa, mas a tecnologia iraniana era melhor porque os mísseis iranianos penetrariam esses sistemas de defesa. Não sempre, mas o suficiente.” Segundo o professor, “Israel não esperava isso. Eles esperavam ter um sistema de defesa de melhor qualidade. Eles estavam confiando demais na tecnologia americana.”
O segundo erro de cálculo, conforme explica Izadi, relaciona-se aos assassinatos cometidos na primeira noite de ataque: “Eles mataram muitos líderes militares iranianos. Eles mataram um bom número de cientistas iranianos, suas famílias e vizinhos.” Israel esperava que “levaria algumas semanas ou pelo menos alguns dias para que os militares iranianos conseguissem restabelecer o controle. Levou apenas algumas horas.” O professor destaca que “os militares iranianos conseguiram nomear novos oficiais e a máquina militar começou a funcionar muito rápido.”
O terceiro erro, talvez o mais significativo, refere-se às expectativas de mudança de regime: “No segundo dia de ataques, Netanyahu deu a mensagem ao povo iraniano: ele pediu que eles fossem às ruas e se unissem.” Contudo, o resultado foi o oposto do esperado: “E houve essa manifestação em torno do efeito bandeira. E o povo iraniano está mais unido hoje do que em qualquer outro momento da minha vida, graças a Netanyahu e Trump.”
A diferença entre Gaza e Irã
O Dr. Izadi oferece uma análise particularmente crítica sobre a diferença no tratamento dado por Israel aos conflitos em Gaza e com o Irã. Quando questionado sobre por que Israel aceitaria um cessar-fogo com o Irã mas não com Gaza, sua resposta é direta: “Acho que a diferença são essas medidas balísticas. Infelizmente, o povo de Gaza está indefeso.”
O professor apresenta dados alarmantes: “Uma média de 20 crianças são mortas em Gaza diariamente nos últimos 19 meses. E como elas são indefesas, não há custo algum em matar mulheres e crianças em Gaza.” Em contraste, “atacar o Irã tem um custo. E acho que é por isso que eles estão fazendo um cessar-fogo com o Irã.”
Esta análise revela uma perspectiva iraniana sobre a lógica por trás das decisões israelenses: a disposição para aceitar um cessar-fogo está diretamente relacionada à capacidade de resposta militar do adversário.
Trump e Netanyahu: uma parceria questionável
O Dr. Izadi não poupa críticas à relação entre Trump e Netanyahu, sugerindo que “um dos motivos pelos quais Trump está chateado com Netanyahu é porque os cálculos de Netanyahu não estão realmente funcionando.” O professor acredita que Netanyahu “vendeu esse plano para Trump há muitos meses” e que “Trump percebeu que as coisas que os israelenses estavam lhe dizendo realmente não eram verdade.”
Segundo a análise de Izadi, Trump “quer vencer” e “afirma que destruiu o programa nuclear do Irã e que é isso que ele quer fazer.” Contudo, “essa crise que ele começou, que ele criou enquanto estava vencendo” pode não estar produzindo os resultados esperados.
A questão nuclear: fatos vs. propaganda
Uma das contribuições mais importantes da entrevista do Dr. Izadi refere-se ao esclarecimento sobre o programa nuclear iraniano, frequentemente distorcido na mídia ocidental. O professor cita diretamente relatórios oficiais americanos: “O Comitê de Inteligência dos EUA publicou o relatório em março, ele ainda está disponível online. dni.gov. O Diretor de Inteligência Nacional tem esse site.”
Segundo Izadi, este relatório da comunidade de inteligência americana afirma três pontos cruciais sobre o programa nuclear iraniano: “A primeira coisa que disseram é que o Irã não tem energia nuclear. A segunda coisa que eles disseram, muito importante, é que o Irã não tem um programa de armas nucleares. E a terceira coisa que eles disseram é que o Irã não decidiu ter um programa de armas nucleares.”
O professor também cita Rafael Grossi, diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA): “Tem dado muitas entrevistas nos últimos dois dias e tem repetido em todas elas a frase de que, apesar de todas as inspeções que a AIEA fez, eles nunca encontraram um programa de armas nucleares no Irã.”
Izadi revela dados impressionantes sobre o escrutínio internacional: “O orçamento da AIEA, a Agência Internacional de Energia Atômica, é de US$ 39 milhões anuais. E eles gastaram US$ 25 milhões desses US$ 39 milhões observando e inspecionando o Irã.” Ele enfatiza que “os três locais que foram bombardeados estavam sob inspeção. Eles faziam visitas aos locais regularmente.”
O impacto dos bombardeios nos locais nucleares
O professor iraniano critica duramente os bombardeios aos locais nucleares: “Atacar os locais é ilegal segundo o direito internacional devido ao terrível desastre ambiental e humano que pode proporcionar.” Segundo Izadi, estes ataques ocorreram apesar do fato de que tanto a inteligência americana quanto a AIEA confirmam que “o Irã não tem um programa de armas nucleares.”
O Dr. Izadi também aborda a questão da fatwa religiosa contra armas nucleares: quando questionado sobre como os eventos recentes podem mudar o cálculo iraniano em relação à busca por uma arma nuclear, ele reconhece que “há algumas pessoas no Irã que estão fazendo a mesma pergunta” diante do fato de que “dois estados com armas nucleares atacam um estado sem armas nucleares. Esta é a primeira vez na história que isso acontece.”
A unidade nacional iraniana
Um dos aspectos mais surpreendentes da análise do Dr. Izadi refere-se ao efeito contrário dos ataques israelenses na sociedade iraniana. Contrariando as expectativas de Netanyahu de provocar uma mudança de regime, o professor afirma que “o povo iraniano está mais unido hoje do que em qualquer outro momento da minha vida, graças a Netanyahu e Trump.”
Izadi explica a lógica por trás desta unidade: “Os iranianos gostam do Irã, gostam dos americanos, gostam da América, e eles não querem que a infraestrutura seja atacada. Eles não querem que civis sejam atacados. Algumas pessoas aqui não gostam do governo, mas isso não significa que não gostem de Netanyahu, criminosos de guerra ou Trump.”
O professor ilustra esta resistência com o exemplo do ataque à emissora de televisão iraniana: “Quando eles atacaram a emissora de televisão iraniana, por que você atacaria uma emissora de televisão, especialmente quando você sabe que ela tem transmissão ao vivo? Você viu aquela corajosa senhora ouvindo os mísseis se aproximando, mas não percebeu que ela se levantou depois que o míssil foi atingido.”
Perspectivas para o futuro
Concluindo sua análise, o Dr. Izadi mantém uma posição cautelosamente otimista sobre o cessar-fogo: “O Irã não quer lutar contra Israel ou os Estados Unidos. Ele simplesmente seguirá o cessar-fogo enquanto o outro lado estiver.” Esta declaração resume a posição iraniana atual: uma disposição para a paz, condicionada ao comportamento das outras partes.
A entrevista do Dr. Foad Izadi ao Drop Site News oferece uma perspectiva raramente ouvida na mídia ocidental sobre um dos conflitos mais perigosos da atualidade. Suas análises revelam não apenas a posição oficial iraniana, mas também as complexidades geopolíticas que envolvem as relações entre Irã, Israel e Estados Unidos neste momento crítico para a estabilidade do Oriente Médio.