O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou — em um vídeo publicado nesta segunda-feira 30 — ter avisado ao governo Lula (PT) que “essa matéria do IOF teria muita dificuldade de ser aprovada”.
Trata-se de uma referência à votação da última quarta-feira 25 na qual a Câmara suspendeu os efeitos de três decretos do petista que reajustavam alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF.
A declaração de Motta é uma resposta a uma suposta pergunta de internautas sobre ter ou não traído o governo federal ao anunciar, por meio das redes sociais e no fim da noite da terça-feira 24, que o projeto para derrubar os decretos entraria em votação no dia seguinte.
Governistas do quilate do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), foram pegos de surpresa e entraram em parafuso. Por fim, os deputados sustaram as alterações no IOF por 383 votos a 98, desfecho chancelado logo em seguida pelo Senado — desta vez, em votação simbólica.
“Capitão que vê o barco indo em direção ao iceberg e não avisa não é leal, é cúmplice. E nós avisamos ao governo que essa matéria do IOF teria muita dificuldade de ser aprovada”, alegou Motta na gravação.
O que a mensagem não expõe, contudo, é que partiu dele, Motta, a decisão de pautar a toque de caixa o projeto de decreto legislativo. O presidente da Câmara não tinha obrigação de levar o PDL a voto naquele momento: ao contrário de uma medida provisória, que precisa do aval do Parlamento para não caducar, um decreto não carece de validação.
Deputados protocolaram 310 projetos de decretos legislativos apenas neste ano, dos quais só aprovaram aquele sobre o IOF. O primeiro PDL de 2025 data de 2 de fevereiro e segue emperrado em comissões.
Há, além disso, uma dúvida sobre a própria legalidade da decisão do Congresso Nacional na polêmica do IOF.
O artigo 153 da Constituição Federal lista como responsabilidade da União instituir impostos sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários”. A gestão federal também pode mudar as alíquotas. Na percepção de quem defende reclamar ao Supremo Tribunal Federal, portanto, o Legislativo invadiu uma atribuição de Lula.
Via de regra, o Congresso aprova uma lei e o Executivo a regulamenta. Se nesta regulamentação o governo federal ultrapassar os limites legais, o Legislativo tem o direito de suspender o ato. Fora isso, pode se caracterizar uma ingerência indevida de deputados e senadores sobre a autonomia do presidente da República.
O contexto também provocou estranhamento: no domingo 8 de junho, Motta havia classificado de “histórica” uma reunião entre ele, Haddad e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-PB), sobre os decretos do IOF. O ministro afirma não saber o que mudou nos 16 dias seguintes.
Como escreveu o colunista Daniel Camargos em artigo para CartaCapital, o Orçamento descentralizado, as emendas impositivas e o acesso facilitado a recursos do fundo eleitoral livram os congressistas da dependência do governo. Cobram cada vez mais caro pelo apoio (ocasional, não programático) ao Palácio do Planalto.
Ameaças de fechar o cerco sobre o pagamento das emendas e a repercussão de decisões do Congresso que podem encarecer contas de luz e que aumentam o número de deputados ajudaram a azedar o clima nas últimas semanas. Isso coincide com o período em que o governo passou a apostar na justiça tributária como mote publicitário, não raramente apontando o Legislativo como defensor de privilégios.
É possível que nos próximos dias a gestão Lula, por meio da Advocacia-Geral da União, acione o STF para reverter a derrota no caso do IOF. Já tramita na Corte, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, uma ação do PSOL sobre o mesmo tema. Mais uma vez, o Judiciário terá de se pronunciar sobre uma decisão emanada de deputados e senadores, com o potencial de embaralhar um recesso que se anunciava protocolar até Hugo Motta dobrar a aposta no confronto.