Saí do cinema com uma certeza: faltou à diretora Petra Costa não apenas domínio do tema, mas, sobretudo, compreensão real do problema.
Não sei se a intenção era entender ou explicar a fusão entre evangélicos e a extrema-direita, ou simplesmente narrar capítulos da história política recente do Brasil. Nenhuma dessas propostas, no entanto, foi plenamente realizada em “Apocalipse nos Trópicos”.
Ao tentar abordar o papel social das igrejas nas periferias, o documentário dedica 30 segundos ao tema e se limita a afirmar que, onde faltam ruas asfaltadas, há igrejas. Petra admite, nesse ponto, que até o início do projeto não conhecia o universo evangélico — mas conhecia Marx.
O filme, que estreia na segunda (14) na Netflix, é dividido em “atos”, apresentados como capítulos. No primeiro, “O Influenciador”, o pastor Silas Malafaia é retratado como uma figura comum. Petra anda de carro com ele, registra o sujeito xingando motociclistas e o entrevista em casa, ao lado do deputado Sóstenes Cavalcante — que é apresentado apenas como “líder da bancada evangélica”, sem qualquer contextualização.
Sóstenes nem participa da conversa. A Bancada Evangélica não é explorada como força de capitalização política nem como estrutura de poder. A sensação é de que Petra entrevista um autor sem nunca ter lido um livro dele.
No segundo ato, “Deus nos Tempos do Cólera”, há cenas de orações em espaços públicos e no Planalto durante a pandemia. Se a proposta era abordar o papel dos evangélicos na crise sanitária, o filme falha ao ignorar cultos que continuaram a ocorrer, pastores que vendiam produtos “ungidos” e teorias negacionistas. Tudo isso ficou de fora — revelando, novamente, o desconhecimento do mundo evangélico.
O terceiro ato, “Domínio”, evita citar explicitamente a Teologia do Domínio. Mostra Malafaia pedindo votos e condicionando apoio à pauta moral, mas sem abordar como manipula a Bíblia. Bolsonaro aparece como alguém raptado pela promessa de nomear um ministro evangélico ao STF. Falar em domínio sem abordar a ocupação sistemática de espaços de poder — como ANAJURE, ADHONEP ou Médicos de Cristo — é ignorar o essencial. O filme não compreende o que é, de fato, essa teologia.
O quarto ato, “Gênesis”, falha em entregar qualquer explicação de origem. Mostra a prisão de Lula, sua libertação, Malafaia prevendo sua derrota e Alexandre de Moraes discutindo liberdade de expressão. O título do ato é irônico: o roteiro se perde, sem apresentar a formação da Bancada Evangélica, o império de Edir Macedo ou a ascensão dos neopentecostais.
No quinto ato, “Terra Santa”, Petra entrevista Lula, que compara a retórica evangélica com a católica e a sindical. Ele acaba se tornando, ali, o principal crítico — ou inimigo — dos evangélicos. O encerramento é previsível: uma senhora diz votar em Bolsonaro por orientação do evangelho, e fiéis choram pela derrota do “escolhido de Deus”.
O epílogo, “Revelação”, trata do pós-eleição com imagens do 8 de janeiro e do clima golpista. É a parte menos problemática do filme — mas acaba abruptamente.
O documentário ignora figuras como Nikolas Ferreira, Marco Feliciano, Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Não aborda redes sociais nem o uso de fake news nas igrejas. Malafaia aparece sem ser confrontado. O espectador que não conhece o personagem sai do filme sem saber por que ele é perigoso.
Faltou aprofundamento, confronto, curadoria teológica e política. Dizer que pastores são ricos só reforça a lógica da Teologia da Prosperidade. Dizer que elegem aliados só legitima a Teologia do Domínio. Faltou muito — principalmente, consultoria.