A posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, no último dia 20 de janeiro, trouxe à tona o debate sobre o futuro das mulheres e minorias sociais nos EUA. Seu discurso, marcado por uma retórica nacionalista e conservadora, sinalizou não só a falta de compromisso com a promoção da igualdade e a proteção de direitos, mas o retorno a uma agenda que deve ter efeitos bastante deletérios para estes grupos.
Trump fez referência à família tradicional; o que frequentemente é usado para justificar a marginalização de grupos LGBTQIA+; e indicou a intenção de pôr fim às políticas de igualdade de gênero e raça: ” Esta semana, também irei encerrar a política governamental de tentar fazer uma engenharia social de raça e gênero em todos os aspectos da vida pública e privada. (…). A partir de hoje, será política oficial do governo dos Estados Unidos que existam apenas dois gêneros, masculino e feminino.“, afirmou.
Entre os decretos e ordens executivas emitidos pelo recém empossado presidente, estão a revogação de políticas que promovem a igualdade de gênero e a valorização da diversidade em ambientes de trabalho; a descontinuação de programas federais de apoio a mulheres vítimas de violência; e o corte de financiamento a organizações que oferecem serviços de saúde reprodutiva.
Em texto divulgado pela Casa Branca, o novo governo justificou o fim dos programas de promoção de igualdade e inclusão: “A injeção de ‘diversidade, equidade e inclusão’ (DEI) em nossas instituições as corrompeu ao substituir trabalho duro, mérito e igualdade por uma hierarquia preferencial divisiva e perigosa”.
Na sexta-feira (24), o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciou o retorno do país como signatário da Declaração do Consenso de Genebra; aliança internacional que visa limitar o acesso ao aborto para milhões de mulheres e meninas ao redor do mundo.
A seguir, analisaremos como as novas diretrizes governamentais devem impactar as mulheres e minorias sociais, especialmente as mais vulneráveis, e como isso pode reverberar no Brasil.
A fim de facilitar a leitura optamos por dividir o artigo em três partes, na primeira abordaremos especificamente o fim das políticas de diversidade e inclusão. Na segunda, discutiremos as medidas sobre justiça reprodutiva e violência. Na última, trataremos dos efeitos desses ataques nas mulheres e demais setores oprimidos no Brasil.
Políticas de diversidade e inclusão na mira do governo
Um dos principais decretos emitidos pelo novo governo neste tema foi o que determina o fim dos programas federais de diversidade e inclusão. Além de revogá-los, Trump ainda colocou de licença remunerada todos os funcionários públicos que trabalhavam em tais programas. Há um temor que isso venha a significar a perda de emprego no serviço público, já que todos os departamentos e agências federais terão de definir um plano para fazer cortes nestas áreas até 31 de janeiro.
As políticas de inclusão – representados por três letras: “D”, de diversidade; “E”, de equidade; e “I”, de inclusão – tem como finalidade ampliar a oportunidade para que setores que tradicionalmente enfrentam barreiras para acessar o mercado de trabalho, possam fazê-lo. Nos últimos anos, essas políticas ganharam destaque no ambiente corporativo e governamental impulsionadas pelo aumento da pressão pública e por uma série de pesquisas apontando o vínculo entre elas e a performance financeira das empresas.
Nos Estados Unidos, as iniciativas de DEI cresceram principalmente a partir de 2020 após os protestos pela morte de George Floyd. As empresas, que já vinham admitindo a falta de diversidade em seus quadros, começaram a intensificar as políticas de inclusão com a abertura/ampliação de departamentos para supervisionar esses processos. Segundo dados da plataforma Indeed, nos meses que sucederam o assassinato de George Floyd, as ofertas de emprego com este perfil cresceram 123% nos Estados Unidos, evidenciando o impacto social dos protestos sobre as empresas.
Em 2021, após vencer as eleições presidenciais e sob a pressão dos movimentos de mulheres e outros setores oprimidos, Biden assinou uma série de ordens executivas privilegiando políticas de inclusão no âmbito público, incluindo o estabelecimento/fortalecimento de programas de DEI em grandes agências do Estado, como o Departamento de Saúde e Serviços Humanos e o Departamento de Defesa. Com o ascenso de Trump, essas e outras medidas serão descontinuadas.
Cruzada conservadora e pragmatismo capitalista
Mas as medidas não se limitam somente ao setor público. Trump determinou que órgãos federais examinem também as práticas de diversidade em grandes organizações e fundações sem fins lucrativos; bem como em universidades com fundos patrimoniais superiores a US$ 1 bilhão, para possíveis investigações de conformidade civil; além de tomar providências para acabar com programas de diversidade no setor privado. O decreto não detalha como isso será realizado, mas ao que parece a nova política governamental não enfrentará resistência por parte dos capitalistas.
Nos últimos meses, ao menos uma dúzia de grandes empresas, como a Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp); Amazon; Walmart; Mc Donalds; Ford; John Deere; Harley-Davidson, Boeing, Molson Coors, Lowes, Jack Daniels e Microsoft abandonaram/afrouxaram seus programas de diversidade e inclusão em meio à pressão conservadora. Também sinalizaram deixar de lado estas questões, os seis maiores bancos do mundo – JP Morgan, Citigroup, Bank of America, Morgan Stanley, Wells Fargo e Goldman Sachs.
Esse mesmo comportamento vem sendo observado entre os investidores de varejo americanos, conforme estudo realizado pela Universidade de Stanford sobre o apoio às políticas de ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance, que significa Ambiental, Social e Governança), o qual evidenciou que para estes investidores, as questões de ESG são muito mais um artigo de luxo em que se pode gastar desde que não comprometa seu patrimônio, do que uma preocupação real.
Desde 2022 pesquisadores da Stanford Graduate School of Business investigam a atitude desse setor em relação às políticas de ESG. Se bem na primeira pesquisa, os investidores das gerações Y e Z estavam muito mais dispostos a sacrificar retornos pessoais com questões ambientais e sociais, inclusive em relação aos seus colegas da geração X e dos baby boomers, essa tendência diminuiu na segunda pesquisa e despencou na última, realizada em 2024.
O percentual de jovens investidores que defendem o uso do prestígio e poder de voto das corporações de investimento para influenciar práticas sociais nas empresas de seu portfólio, assim como os que estavam dispostos a perder mais de 1/10 de seu patrimônio na promoção de medidas para a eliminação da desigualdade salarial entre gêneros e concessão de benefícios, como licença-maternidade e creche no local de trabalho, caiu de 47% e 33%, respectivamente, em 2022, para apenas 10% em 2024. Uma confirmação inequívoca do pragmatismo burguês.
Impacto sobre as mulheres
Mas como essas medidas do novo governo Trump deve impactar as mulheres? Antes de responder a esta pergunta, uma breve explicação.
As últimas décadas foram marcadas por uma expansão do mercado de trabalho feminino. Entre 1970 e 2020, ele aumentou progressivamente, sendo que entre 2015 e 2020, a taxa de crescimento da participação feminina em idade ativa na força de trabalho estadunidense foi três vezes superior à taxa de crescimento da participação masculina.
Quando a Covid-19 atingiu o mundo, o trabalho feminino foi duramente atingido e muitos pensaram que isso seria uma tendência de longo prazo. Mas com a retomada econômica, o emprego de mulheres nos EUA não apenas superou os patamares pré-pandemia, como a taxa de participação dessa força de trabalho na faixa de 25 a 54 anos atingiu o recorde histórico de 77,8%.
Mas isso não significa que as condições de trabalho para as mulheres sejam favoráveis ou igual a dos homens. Elas estão muito mais sujeitas ao trabalho parcial e precário e sofrem com a falta de direitos, como licença maternidade, e o assédio no local de trabalho. A diferença salarial entre mulheres e homens é de 17,3% sendo que a média salarial da mulher negra é 30% menor. As mulheres ganham menos mesmo quando fazem o mesmo trabalho e, embora superem os homens em escolaridade, elas continuam sub-representadas nas carreiras e cargos mais bem pagos.
Junto com a ampliação da força de trabalho feminina o país vive também o aumento da participação das mulheres nas lutas por melhores condições de trabalho e salários e o engajamento mais ativo nos sindicatos e movimentos laborais, em especial entre as mulheres negras e latinas. Isso tem levado ao aumento da preocupação com a incorporação de reivindicações como licença-maternidade, cobertura de assistência médica familiar e proteções contra assédio sexual nas mesas de negociação com as empresas.
Segundo dados do departamento de estatística do Ministério do Trabalho dos Estados Unidos, dois terços dos trabalhadores cobertos por um contrato sindical são mulheres e/ou negros e cerca de metade dos filiados sindicais são mulheres. Muitas destas trabalhadoras estão começando a conquistar cargos de destaque em alguns dos maiores sindicatos, sendo que o ímpeto de trabalhadoras negras e latinas ascendendo à liderança sindical deu um salto nos últimos cinco anos.
Em 2021, Liz Shuler, (54). tornou-se a primeira mulher na história a liderar a AFL-CIO, uma federação de 61 sindicatos nacionais e internacionais que representam quase 15 milhões de trabalhadores. Em setembro do ano passado, mais de 12.000 trabalhadores de hotéis, cassinos e serviços de alimentação, majoritariamente composto por mulheres e negros, em seis estados, entraram em greve por aumentos salariais, cargas de trabalho justas e assistência médica mais acessível, sob a liderança de Gwen Mills (39), que em junho se tornou a primeira mulher a presidir o sindicato da categoria em seus 130 anos de história.
Mulheres negras e latinas, especialmente as jovens, estão impulsionando o crescimento dos sindicatos nos EUA em meio a um declínio de décadas na filiação. Em 2023, a taxa de filiação sindical de mulheres negras registrou um ligeiro aumento de 10,3% para 10,5%, enquanto as latinas aumentaram de 8,5% para 8,8%. Parece pouco, mas não é, se comparado à taxa de sindicalização de homens e mulheres brancas e mulheres asiáticas, que diminuiu no mesmo período.
Contudo, na medida em que as políticas de promoção da igualdade e oportunidades para mulheres e minorias sociais terão menos espaço nas agendas pública e privadas, com a interrupção dos programas de diversidade e inclusão, a tendência é que essa dinâmica e as lutas dela derivada seja interrompida. A restrição de direitos já consolidados, contribuirá para um mercado de trabalho e ambientes laborais mais hostis e ampliação da desigualdade para as mulheres trabalhadoras, especialmente as jovens e não brancas.
Conclusão
Mais do que uma simples mudança de diretriz governamental em relação às políticas para os setores oprimidos, as medidas apresentadas por Trump são parte da ofensiva dos capitalistas contra o setor mais dinâmico da classe trabalhadora estadunidense, que é feminina, jovem e não branca. Um reação às lutas por melhores condições de vida e trabalho, cujas mulheres e demais setores oprimidos tem sido vanguarda.
A virulência e os ataques aos direitos democráticos desses setores, visa disputar ideologicamente uma parcela de trabalhadores – nativos, brancos e mais bem remunerados – e aprofundar a divisão existente no interior da classe, de modo a derrotar a classe de conjunto, desmoralizando seus oprimidos colocando-os em piores condições de existência.
A única maneira de barrar esse processo e derrotar esse governo é por meio da luta de classe, o que por sua vez, requer da classe e seus setores oprimidos, além da capacidade de organização; independência política; e solidariedade internacional; saber articular as diversas lutas sociais, por reivindicações econômicas ou democráticas, sob um único programa de superação do capitalismo e a construção do socialismo.
Resta saber se as trabalhadoras e trabalhadores estadunidenses estão à altura de realizar essa tarefa, forjando uma nova direção que possa conduzi-la por esse caminho, já que as velhas lideranças e sua política capitulacionista já demostraram que a colaboração de classes e o apoio aos setores burgueses “progressistas”, só servem para aplainar o terreno para a ascensão da ultradireita e de governos como Trump dispostos a tudo para nos derrotar.