O colunista Roberto Ponciano publicou no sítio Brasil 247 um tratado, sob o pretexto de se apresentar como marxista, em defesa das posições pequeno-burguesas e reformistas mais absurdas da esquerda. Como o espaço aqui é pequeno, não será possível realizar uma polêmica com todos os problemas por ele levantados, mas serão levantadas as questões da primeira parte de seu texto.
Ponciano quer provar para o leitor que Marx, Lênin, e os marxistas, não seriam defensores do fim da democracia burguesa, mas de seu aprofundamento: “No aspecto conceitual teórico, partindo de como ela foi vista por Marx, Lênin, Gramsci e Althusser, seu papel estratégico e inerente a uma dinâmica de uma ampliação da democracia e não de seu aviltamento”.
Pouco importa o que dizem Gramsci e Althusser, que não são verdadeiros marxistas. No entanto, no que diz respeito à teoria marxista verdadeira, a ideia é uma distorção do método de luta dos revolucionários dentro do Estado burguês. O autor menciona que Marx e Engels defendiam que a democracia burguesa é o melhor cenário para que a classe operária possa lutar por seus direitos. Isso não quer dizer, no entanto, que não se deva promover uma luta revolucionária para destruí-la.
Lênin, que era também um gigantesco marxista e criou o que se pode considerar toda a teoria da revolução e da insurreição. Sob sua liderança, o governo revolucionário russo foi tudo menos democrático. Promovendo que os bolcheviques chamavam de “terror vermelho”, os revolucionários reprimiram duramente a reação da burguesia, promovendo a chamada “ditadura do proletariado”.
O autor também pretende demonstrar que a democracia burguesa teria uma “importância na luta de classes, no movimento social e de massas, na perspectiva de uma estratégia global-mundial de luta pelo socialismo”. A ideia é absurda. O próprio autor concorda que a democracia burguesa é a ditadura da burguesia sobre a classe operária. Portanto, não é possível defender que essa ditadura seja fundamental para a luta mundial pelo socialismo.
Uma das posições-chave defendidas por Ponciano em seu texto se encontra logo abaixo. Ele quer justificar por que razão não se deve apoiar governos nacionalistas que combatem o imperialismo através de sua montanha de citações:
“Este debate antropomorfizado e manquetola, sejamos justos, não é invenção dos ‘geopolíticos’ – eu chamo de geopolíticos aqueles que fazem este debate rebaixado, que substituiu a disputa que existia no debate teórico entre Bloco Socialista x Bloco Socialista por uma disputa entre um suposto Bloco Chinês, dos Brics, ou do Sul Global contra o Bloco Unipolar hegemonizado pelos Estados Unidos –, mas sim, foi continuado por eles, de maneira que, em lugar de se demorar na análise de cada país e de cada arranjo interno de classes, frações de classe, disputas, partidos, formas próprias de governo; tudo é substituído por uma ideia de “nós e eles”, que cai facilmente em armadilhas do tipo, festejar governo Talibã, ou defender fundamentalismo islâmico no Irã, pelo simples fato de o Irã ter um governo antiestadounidense”.
É típico dessa espécie de marxista acadêmico a incapacidade de enxergar no planeta à sua volta os acontecimentos que o marxismo deveria servir de ferramenta para analisar e intervir. O autor fala muito em “luta de classes”, mas não consegue compreender uma das lutas de classes mais fundamentais dos nossos tempos, que é a da burguesia imperialista contra a burguesia dos países atrasados. Sem querer entrar no problema da luta de classes, ele já dispensa o apoio ao governo revolucionário do Irã, que trava uma dura luta contra o imperialismo e contra os sionistas, por eles serem, supostamente “fundamentalistas”, termo esse que carece de maior explicação e que poderia estar facilmente na coluna de algum sionista que escreve para o jornal Estado de São Paulo.
Além disso, ele se queixa (como faz muitas vezes ao longo de seu texto) de uma falta de aprofundamento na análise do funcionamento de determinados países, o que leva os marxistas ou a esquerda a apoiar governos que não deveriam apoiar. Embora Ponciano não diga abertamente, ele claramente entende que nesta luta de classes, deve-se estar ao lado do imperialismo “democrático”, já que ele se mostra como um grande apologista da democracia burguesa. Nesse sentido, China, Irã ou o Talibã deveriam ser condenados pelos marxistas, do jeito que deseja o imperialismo mundial.
Para explicar por que essas democracias devem ser defendidas com todas as forças, ele comete uma distorção grotesca do que dizia Marx a respeito do tema:
“(…) para Marx a democracia não tinha valor universal (não existem valores universais no marxismo. É uma forma pré-marxista, pré-hegeliana, reacionária e idealista a ideia de ‘democracia como valor universal’), mas tinha valor de classe e estratégico. O que eu quero dizer com isto, o proletariado, como classe universal, como portador de uma possibilidade de emancipação, só pode realizar sua possível missão histórica ampliando as formas democráticas de participação e luta. Revolução não é diminuição da democracia, é sua ampliação a formas contínuas de participação popular efetivas”.
Tirando todo o pedantismo, é preciso destacar a ideia totalmente falsa de revolução defendida por Ponciano. Para ele, o problema seria fornecer mais direitos democráticos para a população, quando isso seria uma consequência do processo revolucionário. No entanto, a revolução é a tomada do poder de forma violenta pela classe operária. Em um primeiro momento, se trata do processo menos democrático possível. O que ocorre depois, com o fim da sociedade de classes, é a ampliação de todos os direitos da população.
Ponciano realiza uma distorção do marxismo para adaptá-lo ao reformismo da esquerda pequeno-burguesa e à subserviência ao imperialismo. É interessante notar, inclusive, que em sua gigantesca coluna, a palavra “imperialismo” não é dita uma só vez, embora esse seja o principal fenômeno a ser discutido pelos marxistas nos dias de hoje. O marxista acadêmico não é de fato um marxista, e sua atuação é apenas no sentido de distorcer o marxismo para os interesses da esquerda pequeno-burguesa, desfigurando assim o socialismo científico.