A FT fez um artigo de polêmica com Moreno e a LIT (“Os dilemas da LIT-QI em sua autocrítica a Nahuel Moreno e a atualidade da revolução permanente), escrito por Danilo Paris.

Nesse artigo, se utiliza de um documento escrito por nós em 2020 (“Sobre as situações da luta de classes a nível nacional e internacional”), que faz críticas pontuais a Moreno, para chegar a conclusão equivocada de que Moreno foi “etapista”, por se utilizar do conceito de “revolução democrática”.

Realmente a LIT está fazendo todo um esforço de elaboração programática nos últimos anos, que está expressa em distintos artigos e documentos internos. Além desse artigo citado pelo FT, podemos lembrar “O marxismo e a luta contra a opressão nacional e colonial (2021), um Correio Internacional inteiramente dedicado à questão ambiental (2023), a revista Marxismo Vivo, cujo último número (21) traz artigos sobre o imperialismo chinês emergente e a consolidação do imperialismo russo, além de documentos sobre as opressões.

Nesse esforço de elaboração, fazemos críticas e autocríticas necessárias e absolutamente normais em correntes revolucionárias saudáveis.

Como veremos, Moreno nunca foi etapista. Ao contrário, foi pioneiro no combate a concepção estalinista etapista na América Latina com seu texto “Quatro Teses sobre a colonização espanhola e portuguesa na América” (1977), em que analisa o desenvolvimento desigual e combinado no continente.

Ele buscou entender a realidade concreta do pós-guerra tal qual se dava. E, a partir daí, buscou de forma sadia atualizar a teoria da revolução permanente. A nosso ver esse esforço foi e é válido. Nesse processo, Moreno cometeu alguns erros, como assinalamos nesse texto referido. Mas nunca apontou ou defendeu uma postura etapista.

Isso se comprova pelo próprio texto “Revoluções do século XX”, assim como nos programas defendidos por Moreno e por nossa corrente perante os grandes processos da luta de classes.

Essa acusação da FT é parte de uma metodologia equivocada, várias vezes usadas por essa corrente, de atribuir uma posição a um oponente que ela não defende, e a partir daí polemizar com essa posição fictícia. Isso sectariza e esteriliza os debates necessários, que poderiam se desenvolver com um método sadio entre as correntes.

Um dos temas de debate reais que existe entre a LIT e a FT é que, quando se vai traduzir os enfoques teóricos e programáticos sobre a revolução permanente nas provas das análises, caracterizações e programas concretos para a realidade, a FT não passa. Cometeu e está cometendo erros graves, no entendimento e na resposta programática e política aos principais fatos da luta de classes, em particular as que estão no centro das lutas das massas e envolvem questões democráticas como na Palestina e Ucrania.

A importância da autocrítica

Antes que nada, queremos reivindicar uma postura de Moreno que, a nosso ver, é um exemplo para os revolucionários sérios: ser autocrítico. Moreno prezava a ferramenta leninista da autocrítica, como método para corrigir os inevitáveis erros na política revolucionária. Ele corrigiu a si mesmo, por exemplo, nos primeiros momentos da revolução cubana. E se ria dos dirigentes trotsquistas que se julgavam novos Lenines e “nunca se equivocavam”.

Nós, da direção da LIT pós Moreno nos equivocamos, bem mais que Moreno. Por exemplo, na queda do governo Morsi no Egito. A FT faz uma dura crítica a nós por isso. E realmente houve um erro, mas não de Moreno, e sim de nós, a direção da LIT pós Moreno.

Naquele momento, ocorreu uma gigantesca mobilização de massas contra o governo Morsi. Antes que essa mobilização derrubasse o governo, as forças armadas o fizeram. Houve, portanto, dois elementos na queda de Morsi: a mobilização das massas e a ação do exército. E nós, erradamente, caracterizamos a queda de Morsi como essencialmente progressiva pela mobilização de massas. E não foi assim, o elemento determinante foi o golpe militar, que se aproveitou do enfraquecimento do governo da Irmandade Muçulmana, pela mobilização das massas.

O golpe militar acabou com o primeiro governo eleito no Egito em décadas. Mesmo que as massas não o entendessem, pela confiança que tinham nas FFAA, era o início de uma ditadura que se mantém até os dias de hoje.

Esse foi um erro importante de caracterização, apoiado em uma visão objetivista magnificando o peso das massas mobilizadas que, exatamente por sua confiança nas FFAA, foram manobradas e se impôs o golpe. Isso foi corrigido por uma decisão congressual da LIT.

É importante constatar que esse erro não tem nada a ver com a compreensão de Moreno sobre revolução democrática, como veremos a seguir.

Nesse terreno, a FT tem postura oposta. Nunca se autocritica de nada. Não admitem nenhum erro.

Moreno nunca foi “etapista”

Moreno tinha a postura correta de buscar entender a realidade tal qual se passava, aplicando a máxima leninista, segundo a qual “a análise concreta da situação concreta é a alma viva, a essência do marxismo”.

Analisava essa realidade com as ferramentas teóricas acumuladas do marxismo, buscando sempre as múltiplas determinações envolvidas que possibilitavam uma aproximação progressiva da realidade concreta. E, ao mesmo tempo, buscava corroborar ou reavaliar criticamente essas ferramentas teóricas. Essa é uma forma correta de enriquecer o marxismo.

Trotsky, por exemplo, no aniversário de noventa anos do Manifesto Comunista escreveu um texto no qual reivindica o mais famoso e importante documento programático do marxismo. Mas também o comparou com a evolução da realidade e fez observações críticas a algumas de suas conclusões. Por exemplo, corrigiu a apressada caracterização da tendencia a desaparição das classes intermediarias, apontando o surgimento da “nova classe média”.

Moreno fez uma avaliação crítica da afirmação de Trotsky no Programa de Transição:

“É possível a criação do governo operário e camponês pelas organizações operárias tradicionais? A experiência anterior mostra, como já dissemos, que isso é, pelo menos, pouco provável. No entanto, não é possível negar categoricamente a priori a possibilidade teórica de que, sob a influência de uma combinação muito excepcional (guerra, derrota, colapso financeiro, ofensiva revolucionária de massas, etc …), os partidos pequeno-burgueses, incluindo os stalinistas, possam ir mais longe do que gostariam no caminho para o rompimento com a burguesia. Em qualquer caso, uma coisa está fora de dúvida: mesmo que esta variante pouco provável ocorresse em algum lugar e em algum momento ocorresse e um ‘governo operário e camponês’ – no sentido indicado acima – fosse constituído, ele representaria apenas um breve episódio no caminho para a verdadeira ditadura do proletariado.”

Moreno constatou que no pós guerra, novos estados operários tinham surgido, como China, Cuba, Vietnã, assim como os da Glacis, e nenhuma dessas revoluções teve o proletariado como sujeito social e um partido revolucionário como sujeito político. Esse fato histórico necessitava ser avaliado.

Como afirmamos no texto citado: “Moreno teve um acerto importante ao constatar que as revoluções que expropriaram o capitalismo e geraram novos estados operários no pós-guerra não tinham o proletariado como sujeito social, nem partidos revolucionários como sujeitos políticos.

No entanto, parece-nos que foi errado projetar uma continuidade necessária desse processo para o futuro.” “O que a evolução posterior demonstrou foi que não se repetiram as revoluções socialistas vitoriosas dirigidas por partidos reformistas.”

O artigo da FT se apoia equivocadamente em nosso texto para afirmar que Moreno era “etapista”:  “Aqui reside uma das raízes do que, caso desenvolvido como concepção teórica, pode desembocar em uma lógica de separar por etapas as “revoluções no regime” (ou até revoluções no governo), sobretudo diante de regimes caracterizados como “contrarrevolucionários”.”

No entanto, a definição de Moreno de “revolução democrática” é explicitamente discutida como parte do processo da revolução permanente nesse mesmo texto. Ele caracteriza que na época imperialista, de revoluções e contrarrevoluções, existiram regimes fascistas e nazistas (Hitler, Mussolini, Franco) e existem regimes bonapartistas semifascistas que, para serem derrotados, por vezes se geram processos revolucionários. Como caracterizar a esses processos revolucionários que são partes do processo da revolução permanente?

“O que Trotsky não levantou, apesar de ter feito o paralelo entre o stalinismo e o fascismo, foi que também nos países capitalistas era necessário fazer uma revolução no regime político: destruir o fascismo para reconquistar as liberdades da democracia burguesa, mesmo que fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia, do Estado burguês. Concretamente, ele não levantou a necessidade de uma revolução democrática que liquidasse o regime totalitário fascista, como parte ou primeiro passo do processo rumo à revolução socialista, e deixou pendente esse grave problema teórico”.

Moreno partia da constatação de que os processos revolucionários que ocorreram, que se enfrentaram e alguns derrubaram ditaduras burguesas, deveriam ser entendidos no marco da revolução permanente. A crítica que ele fazia era que esses processos ainda não tinham sido identificados como um momento específico, determinado, dentro da concepção da revolução permanente.

Da mesma forma como uma guerra de liberação nacional, como a da Ucrania ou a da Palestina, deve ser entendida como um momento específico, concretos, como guerras de libertação nacional, dentro da revolução permanente, os processos revolucionários que ocorrem no enfrentamento de ditaduras burguesas podem ser entendidos como “revoluções democráticas”.

O que tem isso de “etapismo”? Nada. O livro “Revoluções do Século XX” era um texto que serviu de base para escolas de quadros em 1984 e pode conter imprecisões e deficiências. Mas a acusação de “etapismo” é absurda.

O conteúdo verdadeiro dessa polêmica

Na verdade, a polêmica da FT com essa definição de Moreno tem outro conteúdo, bem diferente do suposto “etapismo” de Moreno.

A FT tem uma enorme dificuldade de entender os processos revolucionários tais quais eles se dão, como se dão. Em particular quando os processos revolucionários incluem reivindicações democráticas centrais. E, a partir daí, cometem erros graves na formulação dos programas.

Não houve erros programáticos de Moreno nos processos revolucionários citados como “revoluções democráticas”.

O que existia e existe é uma necessidade de identificar esses processos tais quais se dão, e a partir daí definir um sistema de consignas, um programa, que se hierarquize ao redor da derrubada das ditaduras, mas que façam uma ponte para a revolução socialista.

Esse é, a nosso ver, o centro da polêmica real com o FT. Não existe a caracterização desses processos de revolução permanente incluindo as tarefas democráticas. E, como consequência, não existem programas hierarquizados pela tarefa política determinada na situação concreta da luta de classes ao redor dessas lutas democráticas, articulados com o programa geral da revolução socialista. Só existe um esquema de caracterização e o programa geral da revolução socialista.

Sobre o objetivismo…e o subjetivismo

No nosso documento citado pela FT, nós fazemos críticas a Moreno e a nós mesmos, da direção da LIT pós morte de Moreno, por avaliações objetivistas.

Não acreditamos que os processos objetivos avancem sem limites, apesar das direções. Não acreditamos em “revoluções socialistas inconscientes”. Ao contrário, opinamos que, mais do que nunca, a “crise da humanidade é a crise da direção revolucionária”.

O mundo hoje acumula elementos crescentes de barbárie. Barbárie na imposição de retrocessos brutais as condições de vida dos trabalhadores, anulando conquistas do século XX. Barbárie na ultrapassagem de pontos de ruptura meio ambientais, podendo comprometer não só o futuro socialista como a própria existência da humanidade. Barbárie nas opressões as mulheres, negros, LGBTQ, imigrantes, assim como nas imposições nacionais. O genocídio nazi-sionista em Gaza é o exemplo mais explicito dessa barbárie crescente.

As condições objetivas estão maduras e, como afirma o programa de Transição, correm o risco de apodrecer. Mas o fator subjetivo, longe de ser secundário, impõe a continuidade de derrotas mesmo com todos os processos revolucionários que vivemos no passado e no presente.

A avaliação da realidade, com a metodologia marxista, pressupõe a utilização das ferramentas básicas da dialética que incluem a totalidade e sua dinâmica. Não se pode separar de forma unilateral os processos objetivos de suas direções, ignorando essa totalidade, que interferem diretamente em sua dinâmica.

Mas, da mesma maneira como criticamos o objetivismo, rejeitamos o subjetivismo. A FT usa um critério subjetivista para avaliar os processos revolucionários. Segundo eles:

“O primeiro refere-se à unilateralização da defesa da consigna “República democrática” como eixo programático e político frente a regimes ditatoriais, levando a organização a interpretar como vitórias a queda de governos ou mobilizações de quaisquer tipos, independente do setor que a impulsiona, da intervenção burguesa e imperialista e dos resultados que alcançam estrategicamente. Essa formulação decorre de uma leitura equivocada realizada por Moreno da obra de Trótski, leitura que a LIT não apenas mantém, como aprofunda. Essa concepção tem conduzido à incorreta caracterização de “revoluções democráticas” mesmo em contextos de regimes burgueses.”

“O que queremos sublinhar está em considerar um triunfo de uma “revolução democrática” a queda de ditaduras em si mesmo, independente do sujeito histórico e a forma como cai essa ditadura, mesmo que seja substituída por um regime burguês de contenção e desvio das massas, em alguns casos por intervenções imperialistas que conformam regimes tão ou mais repressivos (como vimos no caso do Egito durante a primavera árabe e vamos analisar adiante).”

A FT não reconhece a existências de processos revolucionários se não têm a classe operária como sujeito social e uma direção revolucionária a sua frente. Isso significa que essa corrente não identifica a maioria ou a quase totalidade das revoluções que acontecem na realidade.

Não por acaso, a FT chama os processos revolucionários que sacudiram o Oriente Médio e Norte de África entre 2010 e 2012 de “primavera árabe”. Esse é um termo jornalístico que pode ser utilizado, mas que não caracteriza em termos marxistas o que ocorreu. Houve um processo revolucionário, com várias revoluções derrotadas. Um processo vivo, contraditório, riquíssimo.

A FT nunca reconheceu sua existência e depois utilizou suas derrotas para “comprovar” a inexistência dessas revoluções. Nada a ver com a necessidade da avaliação concreta da realidade, que caracteriza o leninismo como um guia para a ação revolucionária. Nada a ver com as análises de Lenin e Trotsky dos processos reais de suas épocas.

O que é uma revolução? Como dizemos nesse texto citado:

“Comecemos pela definição básica do que é a revolução. Essa não é uma tarefa pouco importante. Tomemos a interpretação mais precisa, que nos parece ser a de Trotsky:
“A característica mais indiscutível das revoluções é a intervenção direta das massas nos acontecimentos históricos (…) nos momentos decisivos, quando a ordem estabelecida torna-se insuportável para as massas, elas rompem as barreiras que as separam da arena política, varrem seus representantes tradicionais e, com sua intervenção, criam um ponto de partida para o novo regime (…) A história das revoluções é, para nós, antes de tudo, a história da violenta irrupção das massas no governo de seus próprios destinos.” (Trotsky , História da Revolução Russa)

As revoluções, na etapa imperialista, podem se dar contra ditaduras ou democracias burguesas. Podem ter como sujeito social o proletariado, o campesinato ou as massas populares. Podem derrubar governos, regimes ou estados, ou ainda não derrubar nada. Podem ser vitoriosas ou derrotadas. Mas têm essa característica básica da intervenção direta e violenta das massas, tomando o destino em suas próprias mãos.”

Essa definição de Trotsky nos parece necessária para essa discussão. Porque define um processo objetivo (as mobilizações) e subjetivo (a superação em sua consciência, dos limites das direções que as impediam antes). Isso pode ocorrer com distintos sujeitos sociais, distintos tipos de direção e ter os mais diversos resultados.

Evidentemente o peso das direções vai influenciar cada passo dessas lutas e definir afinal o alcance e os resultados desses processos, levando a inúmeras derrotas.

A realidade comprovou que não se repetiram e é extremamente improvável que se repitam revoluções socialistas vitoriosas sem o proletariado como sujeito social e um partido revolucionário em sua direção.

A metodologia de Lenin da avaliação concreta da realidade concreta não deve ser entendida como uma apologia do empirismo. Ao contrário, é a expressão de uma análise sofisticada e precisa, a partir do acúmulo teórico das ferramentas marxistas e a incorporação das múltiplas determinações que relacionam o específico da realidade com a totalidade nacional e internacional, o momento determinado com sua gênese histórica, a relação dessa totalidade com sua dinâmica. Só assim se pode chegar à “realidade concreta”, a partir de suas múltiplas determinações.

A força do leninismo parte do entendimento preciso dessa realidade para extrair daí as tarefas imediatas e históricas, a política e o programa para a realidade, para disputar a consciência da vanguarda e das massas em uma ação revolucionária.

Existiram e existem processos revolucionários importantíssimos e sua análise concreta deve servir para nos localizar programaticamente (e, se pudermos também física e concretamente) como se estivéssemos dentro deles e não fazendo comentários arrogantes e prepotentes desde um escritório a distância.

A FT busca encaixar a realidade em um esquema, que dispensa essa análise concreta, semelhante ao que ocorreu na revolução russa de fevereiro a outubro de 1917. O que não segue esse esquema não é uma revolução.

Realmente, a revolução russa é a nossa referência histórica, por ter sido a única revolução socialista vitoriosa, com o proletariado como sujeito social e o partido revolucionário a sua frente. E temos de ter a ambição, a estratégia, de avançar nesse caminho. Mas outra coisa, bem diferente, é achar que se a realidade não repete aquele momento, a realidade não existe.

O momento histórico da revolução russa reuniu condições particulares, específicas, que até hoje não se repetiram. Em primeiro lugar, os efeitos brutais de uma guerra mundial sobre o país, acelerando e agravando todos os problemas econômicos, sociais e políticos da Rússia. Em segundo, um proletariado concentrado, organizado em sovietes, em um duplo poder clássico. Em terceiro lugar, o elemento decisivo, um partido revolucionário construído por décadas, com uma direção à altura da tarefa.

Essa combinação permitiu que a combinação das tarefas democráticas com a revolução socialista fosse vitoriosa. Mas essa realidade, daquela maneira, nunca mais se repetiu há mais de um século. No entanto, ocorreram dezenas e dezenas de processos revolucionários posteriores a esses, que exigem de nossa parte bem mais que esquemas para serem entendidos.

Os processos revolucionários seguem existindo, ainda que sem o proletariado como sujeito social e uma direção revolucionária. Isso significa que essas revoluções não chegarão até uma revolução socialista vitoriosa.

Como parte desses processos, podem ocorrer vitórias parciais, no terreno democrático em geral (como derrubada de ditaduras) ou no terreno nacional (como foram as libertações das colônias na África. Como sabemos, essas conquistas retrocedem posteriormente, a partir dessas mesmas direções reformistas ou contrarrevolucionárias.

Recentemente tivemos uma vitória parcial com a queda de Assad na Síria, que não foi apenas produto da ação militar do HTS, mas também da ação das massas ao redor de Damasco. A política da direção do HTS conteve e, de certa forma sequestrou, o conjunto do processo e está conduzindo a reconstrução de um estado burguês e um projeto de convivência pacífica os imperialismos, assim como com as potencias regionais como Turquia, Arábia Saudita e Israel.

A FT não entendeu como uma vitória da queda de Assad, assim como ignorou a existência de revoluções durante a “primavera árabe”. Essa postura dificulta o entendimento da realidade, assim como a necessária luta contra a direção contrarrevolucionária do HTS.

O mesmo programa para todas as situações?

Isso nos leva a segunda grande diferença com a FT, na formulação do programa.

Observemos o que diz a FT: “E por que Moreno aponta, de forma clara, nesse sentido de modificar as teses centrais da teoria da revolução permanente? Pois é conhecido o fato de que, na Revolução Russa, a linha teórica de Leon Trótski sobre a revolução não separava, diante de uma ditadura tzarista repressiva, as etapas da revolução democrático-burguesa das tarefas socialistas e do sujeito social dessas tarefas, o proletariado, conforme diz nas Teses da revolução permanente: “No decurso de seu desenvolvimento, a revolução democrática transforma-se diretamente em revolução socialista e torna-se assim uma revolução permanente” [10]. Com esse ponto, Lênin coincidiu na prática da própria revolução, perspectiva expressas em suas Teses de Abril.”

Ou seja, para a FT o entendimento do processo da revolução permanente não inclui a definição dos momentos concretos do processo e a partir daí a definição dos programas. Como “a revolução democrática transforma-se diretamente em revolução socialista e torna-se assim uma revolução permanente”, não é necessário ter um programa definido para os distintos momentos da luta.

Mas, não existia a necessidade de um programa revolucionário contra o tzarismo e outro posterior a revolução de fevereiro? Ou isso era produto das limitações teóricas de Lenin anteriores as Teses de abril?

A FT parte de um esquema que não tem nada a ver com a metodologia leninista, nem tampouco com a revolução permanente.

Uma coisa é entender os processos como encadeados pela dominação imperialista mundial, pelas múltiplas relações de dominação de classes, como parte da revolução permanente. Outra coisa é a análise concreta da realidade concreta que na revolução russa, assim como nas demais, necessariamente se diferenciava o programa de um momento para outro, todos entrelaçados na estratégia teórica e programática da revolução permanente.

A compreensão de um programa como um sistema de consignas, uma ponte que ajude as massas a partir de suas lutas imediatas em direção a luta pelo poder exige a análise e caracterização da realidade. Não se trata do mesmo programa em todas as situações da luta de classes. Essa visão esteriliza o marxismo e o transforma em um dogma, um esquema que se aplica em todos os lugares e situações da mesma forma.

Um exemplo muito preciso disso é que não se pode entender as Teses de abril de Lenin antes da derrubada do tzarismo. E isso não tem a ver com as limitações teóricas anteriores de Lenin. Tem a ver com a mudança da realidade exigindo não só um avanço na compreensão teórica como também uma mudança no programa.

Evidentemente as lutas pela derrubada das ditaduras devem estar articuladas com a estratégia da revolução socialista. Tanto um programa perante um processo revolucionário contra uma ditadura como um programa após sua derrubada têm de estar encadeados pela estratégia da revolução socialista. Mas ignorar esses momentos na elaboração dos programas é típico de uma visão unilateral, dogmática e esquematista, que nada tem a ver com um “guia para a ação” típica do leninismo.

Pode servir para comentar a distância, de forma arrogante, a realidade. Depois das derrotas vão afirmar que o sistema capitalista teve continuidade e que as direções são traidoras. Mas isso não basta para a intervenção concreta na realidade dos processos revolucionários, e menos ainda para a luta contra as direções reformistas desses mesmos processos.

Nesse momento histórico em que estamos vivendo, temos visto vários processos revolucionários, desde a primavera árabe, passando pelas gigantescas mobilizações revolucionárias de Argentina em 2001, Chile, Equador, e Colômbia em 2019, Sri Lanka e Bangla Desh em 2023-24, que não tiveram o proletariado como sujeito social e sim as massas populares nas ruas. E não tiveram a sua frente direções revolucionárias, mas reformistas que, afinal, as levaram a derrotas ou a serem desviadas para a democracia burguesa. Deixar de reconhecer e apoiar esses processos revolucionários é ignorar a realidade e isso limita a nossa capacidade de enfrentar essas mesmas direções reformistas.

A FT usa a mesma metodologia unilateral do objetivismo, com os sinais invertidos. Com uma postura subjetivista ignora a análise concreta da situação concreta. Isso leva a erros programáticos e políticos muito importantes, como vamos a ver.

As polêmicas com a FT na questão palestina

As organizações ligadas a FT estão presentes nas mobilizações de apoio a Palestina, assim como nós da LIT e muitas outras organizações de esquerda. Nisso não temos nenhuma crítica a essa corrente.

No entanto, como se trata do mais importante centro da luta de classes do mundo hoje, a resposta política e programática a esse tema tem enorme importância como teste para cada uma das correntes.

A LIT tem uma vasta tradição nesse tema, com aportes diretos de Moreno, como no texto “Por uma Palestina laica, democrática e não racista” (1982). Ali, ele mostra a importância dessa palavra de ordem, que não tem em si um caráter classista: “além de ser a mais progressiva que levantou o movimento palestino, pode abrir passagem para a revolução operária.”

Citamos um texto recente nosso sobre a relação dessa consigna com a revolução permanente:

“A proposta original da OLP, de uma “Palestina laica, livre e não racista”, é a bandeira histórica dos palestinos. Mas a única possibilidade de viabilizar essa proposta é com a destruição do Estado de Israel, para voltar à situação anterior à sua criação, quando muçulmanos, judeus e cristãos coexistiam democraticamente na mesma região.

No entanto, trata-se de uma guerra muito difícil devido à desigualdade militar. Israel é a quarta potência militar do planeta. E conta com o apoio direto do imperialismo norte-americano, bem como dos imperialismos europeus. Se pensarmos apenas do ponto de vista militar, a derrota é quase certa, como tem acontecido até agora.

No entanto, a história ensina que é possível derrotar até mesmo a potência imperialista hegemônica quando a mobilização de massas e a luta armada se aliam.

Na revolução haitiana, os escravos insurgentes derrotaram o imperialismo espanhol e impuseram uma das primeiras derrotas militares ao imperialismo francês com Napoleão Bonaparte. Durante a Revolução Russa, o recém-criado Exército Vermelho derrotou a invasão militar contrarrevolucionária de 16 países imperialistas.

Para usar um exemplo mais recente, os Estados Unidos foram derrotados no Vietnã em 1975. Isso foi resultado da resistência heróica do Vietcongue combinada com mobilizações em todo o mundo e nos Estados Unidos em particular.

Para ser preciso, é necessário entender a guerra de libertação nacional palestina como parte do processo de revolução permanente. Nas palavras de Trotsky, no Programa de Transição:

“Isso é o que determina a política do proletariado dos países atrasados: ele é obrigado a combinar a luta pelas tarefas mais elementares da independência nacional e da democracia burguesa com a luta socialista contra o imperialismo mundial”.

“As demandas democráticas, as demandas transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas surgem imediatamente umas das outras”.

É possível derrotar Israel, mas para isso será necessário, além de manter e aprofundar a resistência militar em Gaza, algo semelhante à combinação de uma nova Intifada palestina, a retomada da Primavera Árabe nos países da região e mobilizações de massas em todos os países do mundo, particularmente nos países imperialistas.

Uma nova Intifada provocará confrontos massivos na Cisjordânia e nos territórios de 1948, tirando o foco único de Gaza.

Uma nova Primavera Árabe enfrentará os governos árabes da região, tanto aqueles que apoiam diretamente Israel quanto aqueles que lavam as mãos no “Eixo da Resistência”, para apoiar ativamente a luta palestina.

As mobilizações nos países imperialistas podem desempenhar o papel essencial das manifestações contra a guerra do Vietnã, que fraturou a burguesia norte-americana e ajudou enormemente à vitória da luta vietnamita.

Mas, para isso, será necessário superar as direções burguesas desse processo.” (Revolução permanente e guerra na Palestina)

Para nós, a consigna “Palestina livre, do rio ao mar” é fundamental por expressar um objetivo revolucionário -a destruição do estado de Israel-, e por ser de massas entre os palestinos. Ela deve ser entrelaçada com a perspectiva de uma revolução socialista na região, por uma Federação socialista das repúblicas do Oriente Médio e Norte de África.

a) A polemica com a FT sobre a palavra de ordem “Palestina livre, do rio ao mar”

A FT se nega a defender a palavra de ordem “Palestina livre, do rio ao mar”, como parte de sua incompreensão da incorporação das tarefas democráticas no processo da revolução permanente.

É importante entender a origem dessa consigna. Ela é parte do programa original OLP (Organização pela Libertação da Palestina), que foi abandonado por Arafat nos Acordos de Oslo. Mas essa palavra de ordem foi assumida pela Intifada Palestina em 1987, enfrentando o estado de Israel, sob a forma “A Palestina é Árabe, de Água à Água”. Os palestinos reafirmaram seu direito às terras de toda a Palestina histórica, com o fim do Estado racista. Desde então, “Palestina Livre, do Rio ao Mar” é uma das consignas mais populares no movimento de solidariedade à Palestina.

Essa consigna tem uma enorme importância por expressar o direito dos palestinos a que todo o território histórico da Palestina seja governado por um único estado. Ou seja, ela se enfrenta não só com o genocídio sionista atual, como também com a política equivocada dos “dois estados”, defendida por grande parte dos reformistas a nível mundial.

Fazemos nossas as palavras de Víctor Alay, sobre o rejeição da FT em defender o lema “Palestina laica, democrática e não racista, do rio ao mar”:

“A FT não se sente confortável com este lema histórico e central do trotskismo diante do conflito palestino e o substituiu por um “Palestina operária e socialista” (ou, na versão de Alcoy, uma “Palestina operária e socialista, laica, sobre o conjunto da Palestina histórica”). Esta substituição é um erro extremamente grave.

Os companheiros da FT pensam que defender o slogan “Palestina democrática, laica e não racista, do rio ao mar” equivale a defender uma “etapa democrática” e renunciar ao caráter socialista da revolução palestina. Mas eles estão completamente errados, porque esse slogan é atualmente a principal reivindicação do programa para a revolução socialista na Palestina e em toda a região. Em vez de integrar essa consigna em um programa de transição, combiná-la com demandas econômicas e sociais, transitórias e socialistas, e dar uma dimensão regional e internacional à revolução palestina (que culmina na luta por uma federação socialista do Oriente Médio e Norte da África), a FT a substitui pela consigna de uma “Palestina operária e socialista”.

Mas essa consigna representa um ultimato pretensioso e sectário que impede a construção da unidade da luta das massas palestinas e da região, a unidade destas com as massas pró-palestinas dos países imperialistas e também com a pequena e corajosa minoria judaica antissionista israelense. Equivale a impor-lhes como condição que concordem com uma Palestina “operária e socialista”, em vez de dar passos juntos e conduzi-los pelo caminho da revolução socialista a partir da luta comum por uma Palestina democrática, laica e não racista, do rio ao mar. Na verdade, a posição da FT reflete uma profunda incompreensão do que significa a revolução permanente.

Este grave erro da FT colide frontalmente com a metodologia com que os trotskistas abordamos esses problemas ao longo de nossa história. Trotsky escreve no “Programa de Transição” que nos “países atrasados” temos que “combinar a luta pelas tarefas mais elementares da independência nacional e da democracia burguesa com a luta socialista contra o imperialismo mundial”. E acrescenta: “as demandas democráticas, as demandas transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas surgem imediatamente umas das outras”

(A Fração Trotskista e sua posição na guerra de Gaza)

b) Sobre a tema da metodologia do Hamas

A LIT se colocou incondicionalmente ao lado da resistência palestina contra o estado genocida de Israel e defendeu sua ação de 7 de outubro de 2023. Nesse processo, não fazemos mais do que aplicar a tradição marxista de defesa das lutas de libertação nacional. Junto com isso, nós nos diferenciamos do programa do Hamas, de sua estratégia de construção de um estado burguês, das características repressivas e reacionárias de seu governo em Gaza. Sobre esse tema, existem vários artigos nossos, dos quais podemos citar como exemplo “Uma Perspectiva Revolucionária para a Libertação Palestina Hoje” e “Quais Devem Ser os Objetivos e Métodos da Luta do Povo Palestino?”, de Marxismo Vivo, nº 20.
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No entanto, nesse momento também nos enfrentamos com uma parte da esquerda que repudiou “os métodos do Hamas” na própria ação de 7 de outubro. Entre essas organizações, está infelizmente a FT.

Na verdade, a FT não defende a ação do 7 de outubro e se une a imprensa burguesa, que questiona sua legitimidade. Ignora que essa ação recolocou o tema da Palestina no centro da luta de classes mundial e impôs uma derrota a autoconfiança sionista invulnerabilidade de Israel.

Vejamos o que disse essa organização:

“Especificamente sobre a ação de 7 de outubro, uma parte dela foi dirigida contra alvos militares, como postos de controle, posições das Forças de Defesa de Israel, quartéis, captura de militares israelenses, etc., mas toda a outra parte da operação não, o que implicou a morte de centenas de jovens que estavam em uma festa, famílias que viviam em kibutz e muitas outras que não tinham nenhuma função militar…

“No entanto, a questão de fundo é qual seria a suposta justificativa, do ponto de vista da causa palestina, para ações como, por exemplo, o ataque a um festival de música como o que estava sendo realizado nas proximidades de Reim. Nenhuma. Pelo contrário, isso prejudica amplamente a causa, por isso é fundamental delimitar esses métodos que não têm nada a ver com os do proletariado.

Agora, Heller se apressa em justificar, advertindo que é preciso fazer uma abordagem concreta do que aconteceu. No entanto, é exatamente isso que ele não faz. Ele nos lembra que a tomada de reféns é um método usual que ocorreu historicamente em lutas revolucionárias, citando, entre outras, a Comuna de Paris e a Revolução Russa. Mas o que tem a ver a tomada como reféns do arcebispo de Paris, dos padres e dos gendarmes durante a Comuna com a tomada de reféns em um festival de música onde uma parte significativa dos participantes eram jovens pacifistas que não eram inimigos da causa palestina? Nada a ver. (Meios e fins. Um debate sobre a posição da esquerda diante da estratégia e dos métodos do Hamas, Matías Maiello)

Vejamos esses argumentos um a um. Em primeiro lugar, a sociedade israelense é completamente militarizada. A juventude israelense ou já está na ativa militar ou é reservista.

Mesmo que se tratasse apenas de “civis”, atacar a resistência palestina pela morte de civis é um equívoco completo. Trata-se de uma ação de guerra, de um povo oprimido em profunda desvantagem militar contra uma potência nuclear. Pior ainda, Myriam Bregman, candidata a presidência da república pela FIT, lamentou em um debate na tv ‘a morte de civis palestinos e israelenses”.

Em segundo lugar, sobre a tomada de “reféns”. Usamos aspas porque na verdade se trata de prisioneiros de guerra. Esse tipo de ação foi realmente usado pelos bolcheviques na revolução russa, assim como na Comuna de Paris. O que tem de errado? Ao contrário do que foi afirmado pelo FT, a tomada dos “reféns” se comprovou como correta, sendo até esse momento um elemento central que provoca crise interna em Israel, provocando a mobilização de milhares de suas famílias contra o governo Netanyahu, em defesa de um acordo que consiga sua libertação.

É muito difícil que um militante do FT convença qualquer ativista palestino de que a tomada de “reféns” foi um erro. Não por acaso, isso desapareceu de sua imprensa. Mas, como é típico dessa corrente, nenhuma autocrítica.

Voltando ao artigo de Víctor Alay:

“Entrando já nos métodos, pensamos que não se pode abstrair que o Hamas é uma resistência popular sem aviões, tanques ou navios, encerrada na maior prisão a céu aberto do mundo, submetida a um cerco criminoso e a ataques atrozes durante 17 anos. Nestas circunstâncias, não se pode exigir ao Hamas que se atenda a um suposto código moral de combate na sua luta, enormemente desigual, contra o exército ocupante.

Também não se pode esquecer que as colônias israelenses nos arredores de Gaza (e, em geral, todo o território de Israel, erguidas sobre a pilhagem de terras palestinas e a limpeza étnica) não são apenas colônias construídas sobre terras roubadas pela violência, mas também desempenham uma função militar de cerco à Faixa, conectadas a uma ampla rede de instalações militares, atacadas por milicianos e em grande parte destruídas. Da mesma forma, é preciso levar em conta que Israel é como uma base militar gigante onde, além das tropas em serviço, há 400 mil reservistas e um grande número de civis armados.

Também é preciso considerar que uma coisa é a propaganda sionista falaciosa, reproduzida de forma massiva e reiterada pelos governos e pela mídia ocidental, e outra são os fatos reais, parte dos quais foram revelados nas últimas semanas, embora tenham sido rapidamente silenciados. Sabemos que parte dos mortos no festival de música foi vítima de tiros indiscriminados de helicópteros militares israelenses e que – como menciona Maiello – parte dos mortos nas colônias vizinhas à Faixa de Gaza foi vítima das tropas israelenses que combatiam os milicianos palestinos.

Os companheiros da FT, longe de contextualizar as “mortes de civis” de 7 de outubro, conferem-lhes uma centralidade que só pode ser compreendida pela pressão brutal e sustentada da campanha dos meios de comunicação ocidentais. Alcoy chega a entrar em apreciações morais e a dizer que “rejeitar a qualificação de ‘terrorismo’ não é relativizar e muito menos justificar os crimes do Hamas contra civis palestinos[6] e israelenses”. Mas nunca devemos equiparar a violência do opressor à do oprimido. Não podemos qualificar de “crimes” as mortes de civis israelenses, vítimas da resposta militar do Hamas à barbárie de Israel, o verdadeiro responsável por suas mortes.”

Acreditamos que damos continuidade a tradição marxista de defender o direito dos povos oprimidos a se rebelar de todos os meios necessários. Nos colocamos no campo militar dos palestinos, ainda que não tenhamos acordo programático e político com a direção do Hamas.

c- Sobre a classe operária israelense

A FT justifica a crítica a tomada de reféns e a morte de civis pelo Hamas com esse argumento final:

“Nesses termos, nos diferenciamos dos métodos do Hamas, pois apostamos na confluência dos habitantes de Gaza com os milhares que se mobilizam desde o início do ano na Cisjordânia contra a ocupação israelense e contra a Autoridade Palestina, com os trabalhadores árabes de Israel e com os trabalhadores israelenses que rompem com o sionismo. Apostamos que essa unidade seja com os métodos da classe trabalhadora, como a greve geral combinada com a intifada e o desenvolvimento de organismos de autodefesa capazes de unir todos esses setores.” (Meios e fins. Um debate sobre a posição da esquerda diante da estratégia e dos métodos do Hamas, Matías Mayello)

Mais adiante, tenta justificar sua política com o exemplo da postura da III Internacional nos EUA para convencer a classe operária branca contra seus preconceitos racistas:

“Mas há um caso bastante gráfico com o qual poderíamos comparar a questão do sionismo dos trabalhadores israelenses, o profundo racismo dos operários norte-americanos com o qual Trotsky se deparou de perto em sua época. Como Trotsky respondia a esse problema? Ele sustentava que: “99,9% dos trabalhadores americanos são chauvinistas, em relação aos negros são carrascos e também o são em relação aos chineses. É preciso educar essas bestas americanas. É preciso fazê-las entender que o Estado americano não é o seu Estado e que elas não têm que ser as guardiãs desse Estado”.

No entanto, mais uma vez a FT deixa de lado a análise concreta da realidade concreta. Israel é um enclave imperialista, com um estado de caráter nazi fascista. O proletariado israelense judeu é distinto do proletariado branco norte americano em relação aos negros, por um problema material, econômico, que transcende e determina suas ideologias e políticas. Tem privilégios econômicos e políticos em relação aos palestinos desde o início da colonização sionista há mais de cem anos. A colonização sionista transformou o proletariado judeu em agentes e beneficiários do roubo de terras, casas e empregos do povo palestino.

Isso não significa que não exista luta de classes entre a burguesia e o proletariado israelenses. Mas estes conflitos estão subordinados à manutenção da ordem colonial contra os palestinos.

A mobilização de massas que existe hoje em Israel contra o governo Netanyahu, em defesa de uma trégua e uma negociação com o Hamas pelos reféns é extremamente progressiva, por levar crise a esse estado nazifascista. Mas não nos enganemos. A maioria absoluta do povo israelense, inclusive dos que estão nessas mobilizações, são a favor da exploração e opressão sobre os palestinos. Mas não estão a favor de que seus filhos e parentes continuem morrendo na guerra. Isso os leva a uma mobilização progressiva, embora limitada em seus objetivos.

É impossível uma aliança entre o proletariado israelense judeu e o palestino pelo fim do genocídio e pela libertação da Palestina, por essa diferença material, da exploração dos palestinos e seus benefícios também pelos trabalhadores israelenses. Só será possível uma convivência pacífica entre os palestinos e demais habitantes, muçulmanos e judeus na região depois da destruição do estado nazi fascista de Israel. Os palestinos que existiam na região, antes de 1948, falam da paz que existia então e que pode voltar a existir. Mas só depois da destruição do estado de Israel e não antes.

Sobre a polêmica em relação à Ucrânia

O outro centro da luta de classes mundial, além da Palestina, é a guerra da Ucrania. Sobre esse tema, mais uma vez, a FT tem um erro grave de caracterização, como uma “guerra interimperialista” e, a partir daí uma política abstencionista, “contra a guerra”, que termina por reforçar o lado mais forte, da agressão russa.

Diz a FT:

“Por fim, trazendo o debate para uma questão bastante atual, em uma situação de guerra, como a da Ucrânia, a LIT reproduz uma lógica semelhante e, ao não considerar em sua política concreta o papel da OTAN, caracterizam a guerra apenas do ponto de vista de uma “resistência contra a invasão” e subvalorizam mais uma vez o papel do imperialismo. Obviamente nos posicionamos contra a invasão russa na Ucrânia, mas isso não significa assinar um cheque em branco para o imperialismo, que se unificou por trás do governo pró-ocidental de Zelensky – inclusive, Trump não pôde deixar de seguir o armamento da Ucrânia, obrigando Kiev a entregar seus recursos minerais e os países da Europa a contribuírem com mais orçamento militar para a OTAN. A LIT apoia militarmente o campo de Zelensky, inclusive exigindo armas aos países imperialistas – o que, digno de nota, ocorre desde o começo do conflito [25].”

Qual é a realidade concreta dessa guerra? O imperialismo russo, a segunda potência nuclear do mundo, invadiu em fevereiro de 2022 a Ucrania, um país semicolonial com menos de um terço de habitantes que a Rússia. Putin pensava que se tratava de uma guerra fácil, e que em menos de três meses tomaria Kiev e imporia um governo fantoche. No entanto, desde então a Ucrania resiste há mais de três anos em uma guerra de libertação nacional em plena Europa.

Esse fato gigantesco e categórico- a invasão de uma país imperialista sobre um país semicolonial- é o elemento central da caracterização dessa realidade. A ela temos de agregar a existência de um governo burguês, Zelensky, na Ucrania, que defende o imperialismo europeu e norte americano, e ataca o proletariado ucraniano limitando sua capacidade defensiva.

O imperialismo europeu apoia a Ucrania, mantendo seu objetivo de semi-colonização do país, mas na realidade limita severamente o envio de armas. Os aumentos dos orçamentos armamentistas dos países imperialistas têm a ver com seus próprios objetivos contrarrevolucionários e não com o apoio a Ucrania, que só recebe a raspa do tacho.

O imperialismo norte americano tinha uma postura semelhante ao europeu, sob o governo Biden, mas o atual governo Trump mudou essa política, passando a apoiar a Putin para forçar a derrota da Ucrania, enquanto limita o apoio militar a esse país.

Qual é a posição da LIT? A tradicional do marxismo, perante esse tipo de guerra de libertação nacional. Apoiamos a luta do povo ucraniano, mantendo nossa total independência em relação ao governo Zelensky.

Tomemos essa citação de Trotsky sobre a guerra sino japonesa:

“Quero me deter nesta carta para discutir apenas a Guerra Sino-Japonesa. Em minha declaração à imprensa burguesa, afirmei que o dever de todas as organizações operárias da China era participar ativamente e na linha de frente da atual guerra contra o Japão, sem abandonar, por um único momento, seu próprio programa e atividade independente. Mas isso é “social-patriotismo!”, gritam os eiffelitas. É capitulação a Chiang Kai-shek! É o abandono do princípio da luta de classes! O bolchevismo pregou o derrotismo revolucionário na guerra imperialista. Ora, a guerra na Espanha e a Guerra Sino-Japonesa são ambas guerras imperialistas. “Nossa posição sobre a guerra na China é a mesma. A única salvação dos operários e camponeses da China é lutar independentemente contra os dois exércitos, contra o exército chinês, da mesma forma que contra o exército japonês.” Estas quatro linhas, retiradas de um documento eiffelita de 10 de setembro de 1937, bastam para dizermos: estamos aqui ou com verdadeiros traidores ou com imbecis completos. Mas imbecilidade, elevada a este grau, equivale a traição.

Não colocamos e nunca colocamos todas as guerras no mesmo plano. Marx e Engels apoiaram a luta revolucionária dos irlandeses contra a Grã-Bretanha, dos poloneses contra o czar, embora nessas duas guerras nacionalistas os líderes fossem, em sua maioria, membros da burguesia e até mesmo, em tempos, da aristocracia feudal… em todo caso, reacionários católicos. Quando Abdel-Krim se levantou contra a França, os democratas e os social-democratas falaram com ódio da luta de um “tirano selvagem” contra a “democracia”. O partido de Leon Blum apoiava esse ponto de vista. Mas nós, marxistas e bolcheviques, considerávamos a luta dos rifenhos contra a dominação imperialista como uma guerra progressista. Lênin escreveu centenas de páginas demonstrando a necessidade primordial de distinguir entre nações imperialistas e nações coloniais e semicoloniais que constituem a grande maioria da humanidade. Falar de “derrotismo revolucionário” em geral, sem distinguir entre países exploradores e explorados, é fazer uma caricatura miserável do bolchevismo e colocar essa caricatura a serviço dos imperialistas.

No Extremo Oriente, temos um exemplo clássico. A China é um país semicolonial que o Japão está transformando, sob nossos olhos, em um país colonial. A luta do Japão é imperialista e reacionária. A luta da China é emancipatória e progressista.

Mas Chiang Kai-shek? Não precisamos ter ilusões sobre Chiang Kai-shek, seu partido ou toda a classe dominante da China, assim como Marx e Engels não tinham ilusões sobre as classes dominantes da Irlanda e da Polônia. Chiang Kai-shek é o carrasco dos trabalhadores e camponeses chineses. Mas hoje ele é forçado, apesar de si mesmo, a lutar contra o Japão pelo que resta da independência da China. Amanhã ele pode trair novamente. É possível. É provável. É até inevitável. Mas hoje ele está lutando. Somente covardes, canalhas ou completos imbecis podem se recusar a participar dessa luta.

Usemos o exemplo de uma greve para esclarecer a questão. Não apoiamos todas as greves. Se, por exemplo, uma greve for convocada para a exclusão de trabalhadores negros, chineses ou japoneses de uma fábrica, nos opomos a essa greve. Mas se uma greve visa melhorar — na medida do possível — as condições dos trabalhadores, somos os primeiros a participar dela, independentemente da liderança. Na grande maioria das greves, os líderes são reformistas, traidores de profissão, agentes do capital. Eles se opõem a todas as greves. Mas, de tempos em tempos, a pressão das massas ou da situação objetiva os força a seguir o caminho da luta.

Imaginemos, por um instante, um trabalhador dizendo a si mesmo: “Não quero participar da greve porque os líderes são agentes do capital”. Essa doutrina desse imbecil ultraesquerdista serviria para marcá-lo pelo seu verdadeiro nome: um fura-greve . O caso da Guerra Sino-Japonesa é, desse ponto de vista, inteiramente análogo. Se o Japão é um país imperialista e se a China é vítima do imperialismo, nós favorecemos a China. O patriotismo japonês é a máscara hedionda do roubo mundial. O patriotismo chinês é legítimo e progressista. Colocar os dois no mesmo plano e falar de “patriotismo social” só pode ser feito por aqueles que nada leram de Lênin, que nada entenderam da atitude dos bolcheviques durante a guerra imperialista e que só podem comprometer e prostituir os ensinamentos do marxismo.

(Sobre a Guerra Sino-Japonesa, Setembro de 1937)

Podemos citar ainda a posição de Trotsky sobre a guerra Itália- Etiópia:

“Maxton e os outros opinam que a guerra ítalo-etíope é “um conflito entre dois ditadores rivais”. Para esses políticos, esse fato parece isentar o proletariado do dever de escolher entre dois ditadores. Assim, eles definem o caráter da guerra pela forma política do Estado, no curso da qual eles próprios consideram essa forma política de maneira bastante superficial e puramente descritiva, sem levar em consideração os fundamentos sociais de ambas as “ditaduras”. Um ditador também pode desempenhar um papel muito progressista na história; por exemplo, Oliver Cromwell, Robespierre, etc. Por outro lado, em plena democracia inglesa, Lloyd George exerceu uma ditadura altamente reacionária durante a guerra. Caso um ditador se colocasse à frente da próxima revolta do povo indiano para esmagar o jugo britânico, Maxton recusaria então o seu apoio a esse ditador? Sim ou não? Se não, por que ele recusa seu apoio ao “ditador” etíope que está tentando se livrar do jugo italiano?

Se Mussolini triunfar, isso significará o reforço do fascismo, o fortalecimento do imperialismo e o desencorajamento dos povos coloniais na África e em outros lugares. A vitória do Negus, no entanto, significaria um golpe poderoso não apenas contra o imperialismo italiano, mas contra o imperialismo como um todo, e daria um poderoso impulso às forças rebeldes dos povos oprimidos. É preciso ser completamente cego para não ver isso.” (Sobre ditadores e as alturas de Oslo, 1936)

A FT argumenta com a intervenção dos imperialismos norte americano e europeu para afirmar que se trata de uma “guerra proxy” ou seja, uma guerra por procuração, um conflito armado onde duas potências utilizam terceiros como intermediários, evitando o confronto direto entre si.

Evidentemente essa é uma caracterização completamente equivocada. Ignora o fato central da guerra: a invasão russa sobre Ucrania. Não houve “uma procuração” de ninguém para Putin. O imperialismo russo decidiu invadir a Ucrania. Não houve procuração de nenhum imperialismo para o povo ucraniano resistir a essa invasão. De forma heroica, as massas ucranianas estão lutando contra a invasão russa, apesar de todas as manobras do governo burguês de Zelensky. Ignorar isso, é uma expressão da cegueira citada por Trotsky.

O segundo argumento central do FT é que quem dirige a luta não é o proletariado e uma direção revolucionária, mas o governo burguês de Zelesnky. Sobre esse tema, basta lembrar o exemplo citado por Trotsky da postura de um trabalhador perante uma greve dirigida por direções sindicais burocráticas, para ver a gravidade de seu erro.

Resgatamos o artigo de Víctor Alay sobre o tema:

“Aqui entramos em um clássico dos companheiros da FT, pois, segundo eles, se não há uma “força política independente”, revolucionária ou claramente classista, na direção ou, pelo menos, desempenhando um papel relevante em um movimento popular, não se pode apoiar tal movimento nem se colocar em seu campo militar em caso de conflito armado. Este não é apenas o caso da Ucrânia. Foi também o caso do poderoso movimento democrático contra a ditadura de Bashar al-Assad na Síria, onde a FT manteve uma postura abstentionista e se recusou a apoiar a rebelião popular, tanto durante as grandes mobilizações de massas contra o regime como durante todo o período inicial da guerra civil, antes que o movimento popular fosse sufocado pelas facções militares financiadas e dirigidas pelos regimes reacionários da região.

Os revolucionários devem, portanto, estar incondicionalmente no campo militar da Ucrânia e lutar pela vitória militar da nação oprimida e invadida, sem que isso implique qualquer tipo de apoio político a Zelensky ou à OTAN. Pelo contrário, é preciso denunciar seus planos e manobras e trabalhar pela organização independente do proletariado ucraniano contra Zelensky, a OTAN, a UE e o FMI.

É preciso se opor e denunciar sem meias palavras a OTAN (e pedir sua dissolução) e o rearmamento imperialista, se opor a todos os orçamentos militares de Biden, Macron, Sánchez etc., e denunciar abertamente Zelensky como o homem de Biden e da UE na Ucrânia. Mas esse confronto político com Zelensky deve ser feito sendo, em todos os momentos, “os melhores soldados contra Putin”. Da mesma forma que só podíamos denunciar o governo republicano de Madri, que desmantelava as conquistas revolucionárias do início da guerra civil espanhola de 1936-1939, sendo “os melhores soldados contra Franco”.

Não se pode desmascarar a OTAN nem Zelensky fora das trincheiras ucranianas ou com uma postura “nem uma coisa nem outra”, na “terra de ninguém”, no meio do fogo cruzado. O que diz o FT aos trabalhadores ucranianos, muitos dos quais estão na linha de frente? Que não se deve apoiar nenhum campo militar porque ambos são reacionários e que só se poderá apoiar o lado ucraniano quando houver um governo anti-imperialista e socialista?

A FT denuncia a guerra na Ucrânia como uma guerra reacionária e aposta em um movimento pela paz, como se estivéssemos em uma guerra entre potências imperialistas pela divisão do mundo e não diante de uma guerra justa de libertação nacional.

Mas a FT foi muito longe nessa linha, pois tem sido beligerante contra a entrega de armas à Ucrânia por parte das potências imperialistas. Em lugares como o Estado espanhol ou a Alemanha, ela fez campanhas de agitação em defesa de “nem um tanque para a Ucrânia” (A Fração Trotskista, o contraste entre Gaza e a Ucrânia).

Existe uma campanha internacional da ampla maioria das organizações estalinistas em todo o mundo em apoio a Putin na guerra da Ucrania, com o argumento que se trata de um governo progressivo (Putin) contra a um governo apoiado pela OTAN. E existe todo um setor, também estalinista, que defende uma política muito próxima da FT, “contra a guerra”, contra os dois lados.

A política da FT para a Ucrania, portanto, tem um conteúdo abstencionista, que termina levando água ao moinho do setor mais forte, o imperialismo russo, hoje apoiado também por Trump.

Sobre a polêmica em relação a Cristina Kirchner

Tanto na polêmica ao redor da queda do governo de Dilma Rousseff como da prisão de Cristina Kirchner se expressam a necessidade da independência de classe perante uma polarização entre dois blocos burgueses: um projeto de colaboração de classes e outro da ultra direita. Essa polarização está presente de um ou outra forma em vários países da América Latina e do mundo.

Sobre o tema de Dilma Rousseff não vamos desenvolver, deixando para outro artigo, dos camaradas do PSTU.

Vejamos o que diz a FT sobre o tema Cristina Kirchner:

“Não suficiente, por não tirar nenhuma lição desse processo, repetem o mesmo erro atualmente na Argentina, não só não se opondo à prisão da Cristina Kirchner, como também defendendo abertamente que ela seja presa, se localizando com a mesma política que hoje é sustentada pela extrema direita de Milei, Macri e Trump.”

Na verdade, mais uma vez, perante a polarização entre dois blocos burgueses, a FT se atrela a um deles. Uma delegação parlamentar do FT chegou a visitar a casa de Kirchner para demonstrar sua solidariedade a ela.

Sobre o tema, resgatamos uma declaração conjunta de várias organizações de esquerda, incluindo o PSTU argentino:

“Cristina Fernández de Kirchner (CFK) estará presa a partir desta quarta-feira. Este fato polarizou todo o país, impactou o processo eleitoral e obrigou todas as organizações políticas e sindicais a se posicionarem.

Os partidos de esquerda mais conhecidos – os que fazem parte da FITU, o Nuevo MAS, Política Obrera – e seus líderes mais conhecidos (de Bregman e Del Caño a Belliboni e Solano, de Altamira a Castañeira, etc.) se posicionaram ao lado de Cristina, denunciando, junto com o aparato peronista, uma “perseguição antidemocrática”.

Consideramos um grave erro essa postura, que é oportunista, guiada por um cálculo eleitoral e representa uma reivindicação a Cristina. Respeitamos o sentimento de muitos trabalhadores que lamentam a situação de sua líder, mas não o compartilhamos. E nos vemos obrigados a dizer a verdade: Cristina colhe o que plantou.

A direita política e a maior parte da mídia comemoram o que apresentam como “uma vitória contra a corrupção”. É pura hipocrisia. A Justiça é parte do que há de mais corrupto no regime político que nos vendem como “democracia”. E a Corte é sua máxima expressão. Nenhum deles se preocupou com os negócios de Menem, Macri ou Milei, semelhantes aos dos Kirchner. Repudiamos essa Justiça, assim como o conjunto das instituições da “democracia”, que só servem para perpetuar a exploração, a submissão ao Fundo Monetário e aos capitais estrangeiros e nacionais. Não temos nada a ver com isso e rejeitamos suas sentenças. Neste caso, uma sentença guiada por um cálculo eleitoral. Mas isso não nos leva a defender Cristina.

O aparato peronista denuncia uma “perseguição” e um “ataque à democracia”. Nada disso é verdade. CFK não estará presa por enfrentar os poderosos, mas sim vítima de seus próprios atos. Os dirigentes sindicais, incapazes de mover um dedo em defesa da classe trabalhadora e que, como todo o peronismo, foram cúmplices do ajuste brutal de Milei, agora ameaçam com mobilizações. Os governos peronistas, como os outros, perseguiram os lutadores.

Na realidade, trata-se de uma disputa entre setores patronais pelo poder e pelo dinheiro. Não há um setor “progressista” nessa questão. É mais um passo da “divisão” que serve para impedir que a classe trabalhadora e o povo pobre rompam com todas as variantes patronais e avancem em sua luta por uma nova direção política e por uma saída oposta a todos eles. Por isso, é duplamente errada a defesa do peronismo e de sua “chefe” por parte da esquerda que se diz revolucionária. Pelo contrário, em tempos em que milhões de trabalhadores se mostram cansados do peronismo, mais do que nunca precisamos nos distanciar de todos eles, apresentar uma alternativa completamente independente, oposta a todas as variantes patronais, diante de cada fato da realidade.

Uma conclusão inicial

Não fazemos essa resposta como uma mera disputa polêmica, como uma defesa da LIT perante um ataque descabido da FT. Nos parece que um real debate entre revolucionários pode ser frutífero, mas pressupõe um entendimento profundo das críticas. Sinceramente acreditamos que, ao contrário do “erro etapista de Moreno”, é a FT que se equivoca profundamente em elementos muito importantes explicados aqui:

a- o subjetivismo como metodologia de interpretação da realidade, tão equivocado como o objetivismo

b- a necessidade da análise concreta da realidade concreta dos processos da revolução permanente que envolvam tarefas democráticas

c- a necessidade de programas diferentes para momentos antes e depois de derrubadas das ditaduras, articulados no programa geral de transição

d- o erro grave em relação a Palestina, por negar a consigna da “Palestina livre, do rio ao mar” , articulada como parte de um programa de transição para a revolução socialista”

e- erros não menos graves pela negação da ação de 7 de outubro da resistência palestina, atacando a toma de reféns e a morte de civis. Associada a isso vem sua idealização da classe operária israelense, desconhecendo a base material do sionismo.

f- sua postura de neutralidade perante a guerra da Ucrania, que a leva a uma capitulação ao setor mais forte, o imperialismo russo.

g- seus erros em relação a democracia burguesa, concretizados na defesa de Cristina Kirchner e o governo Dilma

Por último, mas não menos importante, a FT nunca se autocritica de nada. Nesse sentido, também se choca com a metologia de Lenin e de Moreno.

A FT nunca se autocriticou do atraso na caracterização da restauração do capitalismo na China. Até o dia de hoje não chegou à conclusão de que a China é imperialista. Segue sem caracterizar que em Cuba já houve uma restauração do capitalismo, o que os levou a recusar a defender os trabalhadores reprimidos pela ditadura burguesa castrista no 11J de 2021. Quando vão fazer autocrítica de terem criticado dura e severamente o Hamas por ter feito reféns na ação de 7 de outubro de 2023?

Ou seja, também o terreno da autocrítica, o leninismo passa longe dessa corrente.

Estamos dispostos a debater esses e outros problemas chaves do programa e da política trotsquista tanto através de artigos como em qualquer fórum de discussão que se possa definir. Consideramos que o debate franco, aberto e público, se feito com uma metodologia sadia de argumentos e não amálgamas e caricaturas, pode ajudar os ativistas a se posicionarem sobre esses temas.

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Last Update: 27/08/2025