Vamos entender, primeiro, como é o funcionamento de um sistema federativo brasileiro. A partir dele, o papel do Conselho Nacional do Ministério Público. E, a partir daí, a gravidade do enfrentamento do CNMP pela Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo no caso Nelson O`Really, o promotor de São João da Boa Vista acusado – em relatório do CNMP – de práticas abusivas, perseguição a adversários.
A corregedoria do Ministério Público Estadual ignorou quase uma dezena de denúncias contra o promotor. O caso chegou ao CNMP que preparou uma correição na cidade, comprovando todas as denúncias contra O`Really. O corregedor recomendou seu afastamento do cargo por 90 dias.
A reação da PGF do MPSP foi ignorar a ordem, mantendo o promotor no cargo. Inúmeras vítimas, que haviam ganhado coragem para novas denúncias, voltaram atrás. A Polícia Civil que, finalmente, atuou contra aliados do promotor – blindados por ele – foi alvo de correições punitivas por parte dele. E o regime de terror voltou a imperar na cidade, sobre os adversários políticos e pessoais.
Onde entra o princípio federativo?
Por ele, diferentes níveis de governo (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) possuem autonomia política, administrativa e financeira, competência para elaborar suas próprias leis, administrar seus próprios recursos e tomar decisões independentes dentro de suas respectivas esferas de atuação, conforme estabelecido na Constituição Federal.
No Brasil, essa autonomia está consagrada na Constituição de 1988, que assegura a independência dos entes federados, garantindo-lhes competências exclusivas e concorrentes, e permitindo a auto-organização através de suas próprias constituições estaduais (para os Estados) e leis orgânicas (para os Municípios).
O poder central, geralmente representado pelo governo federal ou a União, desempenha vários papéis essenciais para garantir a coesão, a unidade e o funcionamento eficaz do Estado. Além da defesa nacional, política externa, regulação econômica e monetária, entre outras, está bem definido a garantia de direitos fundamentais.
No caso dos ministérios públicos, o papel de autoridade central é do CNMP.
As principais funções e responsabilidades do CNMP incluem o controle administrativo e financeiro do MP da União e dos Ministérios Públicos dos estados, Distrito Federal e Territórios.
Não apenas isso.
Entre suas atribuições está a Promoção da Transparência, a Fiscalização Disciplinar, podendo receber denúncias, instaurar processos administrativos e aplicar sanções quando necessário, e Atuação em Defesa dos Direitos Fundamentais.
A conspiração do impeachment, a Lava Jato e sua consequência direta – a eleição da Jair Bolsonaro – promoveram um caos institucional sem precedentes na história republicana. Agora, tenta-se arduamente colar os pedaços e reestabelecer a ordem democrática.
De sua parte, o Conselho Nacional de Justiça está atuando contra a rebelião do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4a Região), mas o CNMP assiste inerte a rebelião do MPSP. E isso em um momento em que o crime organizado avança sobre as prefeituras e os promotores estaduais – lotados em cada município – deveriam se constituir na frente avançada de resistência.
O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) estadual identificou o avanço do crime organizado em organizações sociais que prestam serviços terceirizados a municípios. A prefeitura de São João da Boa Vista tem contratado várias OSs com histórico de golpes em outras cidades. Contratou para a saúde uma das OSs suspeitas, incluídas nas listas de observação do próprio GAECO. E a esposa do promotor é fornecedora de insumos para OSs de lixos de má fama, contratadas também pela prefeitura.
Em um de seus rompantes, Eduardo Bolsonaro assegurou que, para fechar o Supremo Tribunal Federal, bastaria um sargento e um soldado. Há enormes dúvidas sobre a representatividade do CNMP, com uma composição considerada excessivamente corporativista.
Mas, não reagir contra a desobediência explícita da PGJ do Ministério Público de São Paulo, seguindo o exemplo do CNJ, significará a desmoralização final do CNMP e um liberou geral para todos os promotores estaduais – de todos os estados – imiscuir-se cada vez mais na política local, seguindo os exemplos lamentáveis deixados pela Lava Jato.
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