E se o candidato for Fernando Haddad?
O plano A é Lula, claro. O atual presidente já conquistou três eleições presidenciais e tem plenas condições de vencer pela quarta vez. Seu governo apresenta índices econômicos sólidos que justificariam sua reeleição. A oposição, embora ainda esteja um pouco desorientada em função da inelegibilidade de Bolsonaro, tem um nome forte: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo. Se ele conseguir recosturar politicamente com astúcia, poderá formar uma frente ampla pela direita, dificultando a reeleição do presidente Lula. É preciso manter isso em mente.
Mas em um mundo cada vez mais instável e perigoso, é questão de responsabilidade pensar em estratégias alternativas. Não por falta de confiança no plano A, mas para não deixar a população mais vulnerável à deriva caso surja algum imprevisto. Esta é uma responsabilidade que cabe ao campo democrático, à mesma Frente Ampla que garantiu a vitória de Lula em 2022 e que poderá ser novamente decisiva em 2026.
Desde 7 de outubro de 2023, quando o Hamas atacou Israel e desencadeou uma resposta que a Anistia Internacional caracterizou como “um genocídio transmitido ao vivo”, o cenário internacional deteriorou-se rapidamente. Na Ucrânia, após anos de provocações e expansão da OTAN, os Estados Unidos finalmente conseguiram o que queriam: arrastar a Rússia para uma guerra na região, permitindo desovar seu estoque velho de armas e enriquecer sua indústria bélica decadente.
Neste contexto de incertezas globais, o PT precisa considerar alternativas. E se o candidato for Fernando Haddad? O atual ministro da Fazenda, que já disputou a presidência em 2018 ficando em segundo lugar, surge como o nome natural para substituir Lula caso o presidente decida não concorrer em 2026.
Fernando Haddad consolidou-se como um dos ministros mais influentes nos dois primeiros anos da gestão Lula 3, mas agora enfrenta sua fase mais delicada no cargo. Aos 62 anos, considerado o “pupilo 01” do presidente, tem na economia um trampolim para voos maiores, embora negue qualquer pretensão eleitoral.
Haddad procura oferecer uma imagem de administrador equilibrado para atender vários setores sociais, o que é uma tarefa complexa e tem um preço. Quem tenta agradar a todos acaba, muitas vezes, não agradando a ninguém. Sua atuação inclui um diálogo constante com o mercado financeiro e o setor empresarial, buscando evitar ataques especulativos e amenizar tensões.
Apesar de críticas levianas de que Haddad gostaria de cortar programas sociais, os números mostram o contrário. Ao mesmo tempo, ele busca atender as bases, mantendo verba para o aumento significativo desses programas nos quase dois anos e meio de governo Lula 3. O Orçamento de 2025 prevê R$ 158,6 bilhões para o Bolsa Família e R$ 112 bilhões para o BPC (Benefício de Prestação Continuada), segundo dados da CNN Brasil. Isso representa um crescimento expressivo em relação a 2023, quando os valores eram de R$ 142 bilhões e R$ 87 bilhões, respectivamente.
O investimento em saúde e educação também cresceu, com o Orçamento de 2025 prevendo R$ 245 bilhões para a saúde pública e R$ 226 bilhões para a educação, conforme dados do Senado Federal.
Para compreender o contexto em que Haddad opera, é importante analisar os fundamentos econômicos do Brasil. O país possui características que o diferenciam de outros emergentes: reservas internacionais de US$332,5 bilhões (março/2025), superávit comercial acumulado em 12 meses de US$74,6 bilhões (o segundo maior da história, atrás apenas do recorde de 2023) e um mercado interno robusto.
Enquanto alguns analistas do mercado financeiro criticam aspectos da política fiscal, deixam de reconhecer avanços sociais significativos: a redução histórica da desigualdade social, com a renda dos mais pobres crescendo 10,7% em 2024 – ritmo 50% maior que o verificado entre os 10% mais ricos (6,7%). O Índice de Gini, que mede a desigualdade, atingiu 0,506 em 2024, o menor nível da série histórica do IBGE.
“Vimos uma redução significativa na desigualdade em 2024. Esse efeito é perceptível na renda do trabalho”, destaca Monica de Bolle, economista independente e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics. O Brasil atingiu em 2024 a menor taxa média de desemprego já registrada, de 6,6%, enquanto a renda média mensal do brasileiro bateu recorde, chegando a R$ 3.057.
É importante contextualizar que, embora existam desafios fiscais, a situação vem apresentando melhoras mês a mês. O déficit em transações correntes nos doze meses encerrados em abril de 2025 somou US$68,5 bilhões (3,22% do PIB), segundo dados do Banco Central. Este número, embora significativo, está longe de representar uma crise quando comparado com outros países de tamanho similar.
Ao olharmos para além das fronteiras brasileiras, encontramos exemplos que ajudam a contextualizar nossa situação. A Argentina, por exemplo, apresenta números fiscais melhores, mas ao custo de indicadores sociais dramáticos – algo que Haddad nunca considerou implementar no Brasil.
Nos Estados Unidos, o cenário também é preocupante. O recente orçamento aprovado pelo governo Trump prevê, segundo Laura Carvalho, economista independente da Universidade de São Paulo, “uma transferência massiva de renda dos mais pobres para os mais ricos, aprofundando desigualdades já gritantes na sociedade americana”.
Vale destacar que mesmo a China, frequentemente citada como exemplo de solidez fiscal, enfrenta desafios significativos. Segundo a agência Fitch Ratings, o déficit fiscal chinês está projetado para atingir 8,8% do PIB em 2025, acima dos 6,5% registrados em 2024. “O endividamento chinês se igualou ao dos EUA e cria problemas para o Brasil”, alerta Samuel Pessôa, economista independente da Fundação Getúlio Vargas.
A dívida pública brasileira, embora continue crescendo em relação ao PIB por alguns anos, já apresenta perspectivas de estabilização e posterior queda, graças às medidas graduais implementadas pelo Ministério da Fazenda. Vale lembrar que o Brasil não enfrenta problemas de financiamento externo que afligem outras economias emergentes.
No campo das relações internacionais, o Brasil vive um momento interessante. As relações Brasil-China alcançaram um fortalecimento sem precedentes. Em 2024, o comércio bilateral atingiu patamares históricos, com a China absorvendo 28% das exportações brasileiras (US$ 94,4 bilhões).
Mais importante que os números comerciais são os acordos estratégicos para o desenvolvimento tecnológico e industrial. “Os acordos com a China representam uma oportunidade única para o Brasil recuperar sua capacidade industrial”, avalia José Luis Oreiro, economista independente da Universidade de Brasília. A transferência de tecnologia e a formação de mão de obra são componentes essenciais desses acordos, que já começam a mostrar resultados concretos.
O plano Nova Indústria Brasil (NIB), lançado em janeiro de 2024, visa impulsionar a neoindustrialização do país até 2033, com a China como parceira estratégica. Essa cooperação representa uma proeza diplomática e econômica, em um cenário global marcado por tensões comerciais entre as grandes potências.
Voltando ao cenário político interno, a gestão de Haddad no Ministério da Fazenda revela um fenômeno curioso da política brasileira atual: sua interlocução com o mercado financeiro vem acompanhada de críticas de setores da esquerda. Este paradoxo ilustra as complexas tensões ideológicas que permeiam o atual governo e o desafio de conciliar diferentes visões sobre o desenvolvimento econômico do país.
Olhando para o futuro eleitoral, as pesquisas mostram um cenário desafiador, mas não impossível, para Haddad como potencial candidato presidencial em 2026. Segundo o Datafolha de abril de 2025, em um cenário sem Lula e Bolsonaro, Ciro Gomes (PDT) teria 19% das intenções de voto, Tarcísio de Freitas (Republicanos) 16%, e Fernando Haddad 15%.
A pesquisa revela fragilidades regionais importantes: no Nordeste, região em que a preferência por Lula é maior, Ciro tem 27% das intenções de voto, ante 18% de Haddad e 12% de Tarcísio. No Sudeste, onde está a maioria do eleitorado, Tarcísio lidera com 21%, seguido por Ciro (17%) e Haddad (16%).
Entre evangélicos, segmento crucial para qualquer candidatura presidencial, Haddad tem apenas 8%, contra 18% de Tarcísio e 13% de Ciro.
A Paraná Pesquisas de fevereiro de 2025 apresenta cenários similares: contra Tarcísio de Freitas, Haddad ficaria em segundo lugar, com 18,9% das intenções de voto, contra 23,9% de Tarcísio. Contra Michelle Bolsonaro, a diferença seria maior: 18,8% para Haddad contra 30,2% para a ex-primeira-dama.
Dentro do PT, Haddad também enfrenta resistências. Gleisi Hoffmann, presidente do partido, é crítica de aspectos da política fiscal do ministro e, em outubro de 2024, chegou a dizer que ele deveria concorrer ao Senado por São Paulo em 2026.
Por outro lado, dirigentes do PT avaliam que Haddad é o principal quadro da sigla em São Paulo e que seu nome “precisa” estar nas urnas em 2026, seja para o Senado ou para o governo estadual. O partido considera que os ministros políticos do governo devem ser candidatos, pela exposição e entregas realizadas durante os anos do governo Lula 3.
A amigos, o ministro já teria confessado que só sairia candidato à sucessão de Lula se tivesse chances reais. Dentro do governo, nega que seja candidato, mas mapeia entraves internos que precisaria superar no PT para avançar numa candidatura.
O desgaste de Haddad abre espaço para especulações em torno de outros nomes, como o vice-presidente Geraldo Alckmin, que teria a vantagem de ser visto como uma figura mais ao centro e de não ser o responsável direto pelas políticas econômicas que a oposição procura criticar.
A sucessão de Lula é hoje um dos maiores desafios do PT. A sigla não tem, neste momento, outros quadros com o mesmo capital político do presidente para apresentar como alternativa, caso ele não tente a reeleição para o quarto mandato.
O dilema da esquerda brasileira, da sua vanguarda mais intelectualizada, é pensar além do plano A. Ter um plano B não significa abandonar o plano A, mas sim garantir que, caso surjam imprevistos, o projeto político não fique à deriva.
Fernando Haddad, com todas suas contradições e desafios, representa esse plano B. Um ministro que atua na complexa interseção entre responsabilidade fiscal e compromisso social, em um contexto de redução da desigualdade e esforços para o fortalecimento da indústria nacional. Se será bem-sucedido, só o tempo dirá. Mas o debate sobre sua viabilidade como alternativa a Lula é não apenas legítimo, mas necessário para a maturidade política da esquerda brasileira.