O petróleo na Amazônia, a crise climática e os Franciscos

por Dora Incontri

“Milhares de anos construíram a tessitura delicada e forte da floresta. Bastarão algumas empreiteiras ávidas de dinheiro, para ferir a mata e atingir mais uma vez o pulmão do mundo, dizimando pássaros e peixes.

Centenas de povos e comunidades se alimentam há séculos da seiva fecunda do rio, tirando alimento pacífico da natureza e cuidando para que ela esteja lá, sempre bela e viva. Bastará um punhado de empresas nacionais e internacionais, sob a guarda de um governo (como todos os outros) rendido aos interesses econômicos desumanos, para desterrar as pessoas ribeirinhas e para acabar com o rio, que é fonte de vida.

Os donos antigos da terra, os indígenas, choram e clamam, ameaçam e lutam, vão para fora do Brasil e reivindicam, como o grande Raoni – mas nada acontece. Belo Monte avança, implacável. Filmes, documentários, entrevistas, estudos, militâncias de brasileiros e estrangeiros mostram a desgraça que se arma, o desrespeito à vida, à natureza, aos direitos fundamentais dos povos e das pessoas – mas o governo não escuta, os políticos da região, com faces boçais e frases de efeito, repetem discursos vazios de progresso para a região – como se essa noção de progresso, depredador da natureza e do ser humano já não estivesse sendo criticada, questionada e desqualificada há décadas, por ambientalistas, por pacifistas, por defensores dos direitos humanos!”

O trecho acima faz parte de um texto que escrevi em outubro de 2012, no meu blog pessoal, quando Dilma estava no governo. De nada adiantaram todas as considerações e militâncias. Belo Monte foi à frente e hoje, com toda a tragédia humana e ambiental que provocou, o Supremo, pelas mãos de Flávio Dino determina que os indígenas sejam indenizados com os lucros da usina. A mesma lógica capitalista: como se o dinheiro pudesse resolver todas as coisas. Não comemos nem respiramos dinheiro.

Enquanto isso, estamos fervendo no calor, que apenas aumenta. E agora, o governo Lula, – este mesmo que subiu a rampa do Planalto de braços dados com Raoni – continua com a mesma mentalidade ultrapassada e insiste na extração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Ao invés de investir em fontes de energia sustentável, preservar a todo custo o pulmão do mundo e dar exemplo ao resto do planeta, mais uma vez, o PT assume esse desenvolvimentismo predatório da natureza, num momento em que está claro que estamos quase num ponto de não retorno do aquecimento global. Hoje, há notícias de que o IBAMA está começando a ceder. Até agora, tinha se mantido firme na oposição ao projeto.

Nesta semana, dia 13 de março, o Papa Francisco (ainda internado em condição delicada de saúde), comemora 12 anos de pontificado. E lembramos que exatos 10 anos atrás, este papa, que não por acaso adotou o nome de Francisco, o padroeiro da ecologia, publicava a belíssima encíclica Laudato Si’- Louvado sejas – Sobre o cuidado da casa comum. Explica a encíclica:

“Acho que Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade. É o santo padroeiro de todos os que estudam e trabalham no campo da ecologia, amado também por muitos que não são cristãos. Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e abandonados. Amava e era amado pela sua alegria, a sua dedicação generosa, o seu coração universal. Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade e numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo. Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenho na sociedade e a paz interior.

…se nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe, então brotarão de modo espontâneo a sobriedade e a solicitude. A pobreza e a austeridade de São Francisco não eram simplesmente um ascetismo exterior, mas algo de mais radical: uma renúncia a fazer da realidade um mero objeto de uso e domínio.”

O que se mostra nesta encíclica é que preocupações ecológicas, sociais, políticas e espirituais se entrelaçam num todo necessário. A crise da nossa casa comum, como o Papa a chama, é uma crise em todas essas dimensões e é preciso uma mudança estrutural no planeta, com a abolição do capitalismo, que explora as pessoas, deteriora a natureza, exclui continentes e povos inteiros da partilha dos bens da Terra. É preciso para isso que o ser humano se conecte com esse todo de que fazemos parte integrante, como criaturas e criadores, como seres vivos, naturais, ligados uns aos outros como irmãos e irmãs. (A outra fantástica encíclica do Papa Francisco, foi a Fratelli Tutti – Todos irmãos).

Isso tudo pode ser demonstrado de forma racional, científica, filosófica. Argumentos e evidências não faltam: se não tomarmos providências rápidas, a própria vida humana está ameaçada. Mas isso não basta. É preciso sentirmos, aderirmos a essa urgência, com uma percepção para além da razão: uma percepção afetiva, espiritual, compassiva, numa ética que inclua o coração. Por isso, a figura de Francisco de Assis é tão eficaz para cristãos e não cristãos e é tão bem evocada e exemplificada pelo Papa.

Espanta-me que Lula, tão católico e tão admirador e amigo de Francisco, o papa, não se toque de que dará um passo para o abismo, se continuar nesta empreitada de achar que explorar o petróleo é um bom negócio. Devemos saber que o melhor negócio agora é salvar o planeta da extinção.

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

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Last Update: 12/03/2025