O PDT atual e a traição ao legado de Brizola
por Carlos Frederico Alverga
A decisão adotada pela bancada federal do PDT de rompimento com o Governo Lula marca o desfecho de um processo de abandono dos ideais que inspiraram a fundação do partido em 1980.
Brizola havia retornado de 15 anos de exílio em virtude da proscrição a ele e aos trabalhistas imposta pelos Atos Institucionais da ditadura civil-militar instaurada no país em abril de 1964. Brizola, que no início do seu desterro ainda chegou a tentar viabilizar uma resistência armada no Brasil ao regime discricionário desistiu da empreitada após o fracasso da guerrilha do Caparaó, na divisa entre MG e ES, em 1967. Depois disso foi decretado pelo Governo Uruguaio que ficasse confinado no balneário de Atlântida e após decorrido um tempo, Brizola retomou suas atividades como produtor rural criador de gado leiteiro.
Inesperadamente, em setembro de 1977, Brizola foi expulso do Uruguai depois de 13 anos de exílio, provavelmente a pedido do então Ministro do Exército Sílvio Frota, que pretendia dar um golpe de Estado em Geisel e, com a expulsão de Brizola do Uruguai e sua presença em território brasileiro, utilizar esse fato como pretexto para tentar depor Geisel, tendo em vista a resistência de Brizola que evitou o golpe militar em agosto de 1961, ele que era considerado pelos militares seu maior inimigo. Brizola então pediu asilo político aos Estados Unidos e o então Presidente Carter concedeu, e ele foi relançado na política.
Daí residiu 4 meses em Nova York, foi acolhido em Portugal por Mário Soares em 1978, obtendo o passaporte português e iniciou sua campanha para retomar a sigla do PTB promovendo, em junho de 1979, o “Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio”, do qual resultou a Carta de Lisboa, documento fundamental para a refundação do trabalhismo autêntico, e que seria a inspiração do ideário do PDT. No referido encontro, Brizola enfatizou dois pontos: a socialização das estruturas da economia e a prioridade do trabalho sobre o capital. Este último tópico foi adotado pela Constituição de 88.
Nessa Carta estão contidos todos os ideais do trabalhismo democrático, da verdadeira social-democracia brasileira, tendo sido o PDT o representante oficial do Brasil na Internacional Socialista durante muitos anos, e Brizola um de seus Vice-Presidentes, posição conquistada após contatos e entendimentos feitos com os principais expoentes da social-democracia da Europa Ocidental no final da década de 70. Mário Soares em Portugal, Felipe Gonzalez na Espanha, Miterrand na França, o chanceler Helmut Schimdt na Alemanha, o Primeiro-Ministro da Suécia Olof Palme entre outros.
Na Carta de Lisboa constam os principais itens do ideário do PDT e do trabalhismo brasileiro: a opção pelos oprimidos e marginalizados, a ênfase no caráter coletivo, comunitário e não individualista da visão Trabalhista, a defesa das minorias, dos negros, dos indígenas e das mulheres, o fim da censura, a defesa das reformas de base de João Goulart, da Lei da Remessa de Lucros, o combate ao racismo, a defesa intransigente da democracia, da soberania nacional, da distribuição da renda, dos direitos sociais à saúde, alimentação, educação, habitação, vestuário, da elevação real dos salários dos trabalhadores, da salvação das crianças pobres e da descentralização do poder, o fortalecimento da economia e do mercado interno nacionais, a defesa dos direitos sociais e trabalhistas e de uma relação justa entre os fatores de produção trabalho e capital, a defesa da seguridade social e da realização da reforma agrária.
Todo o programa convergindo para os ideais do socialismo democrático, batizado por Brizola como o socialismo moreno. Inclusive Brizola, no seu segundo Governo do RJ, pela 1ª vez no Brasil, criou uma Secretaria de Estado para defender e valorizar as pessoas negras, a Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Negras (Sedepron), que foi comandada por Abdias Nascimento, exemplo seguido depois por Lula quando adotou o Ministério da Igualdade Racial.
A Justiça Eleitoral em 1980, infelizmente, decidiu entregar a sigla do antigo PTB para uma amiga de Golbery, Ivete Vargas, num jogo de cartas marcadas. Brizola chorou, mas não desanimou, e fundou o PDT reunindo o autêntico trabalhismo ideológico, tributário de Vargas, Jango e Pasqualini. Eleito em 82, apesar da tentativa de fraude da Proconsult patrocinada pelo complexo/consórcio Militares-SNI-Globo, conseguiu se eleger num episódio épico. A equipe de Arcádio Vieira havia programado a totalização dos votos introduzindo o diferencial Delta, que convertia votos brancos e nulos para votos em Moreira Franco. Isso além dos votos do interior, onde Moreira era mais votado, serem computados e totalizados mais rapidamente do que os votos da Região Metropolitana e da Baixada Fluminense, onde Brizola ganhava disparado. Na época, o irmão do então ditador de plantão disse: “O Brizola é um sapo que a gente engole, e depois expele”, declarou o então General Euclides Figueiredo Filho.
Mas Brizola venceu e aplicou no RJ o mesmo programa que havia desenvolvido no RS entre 1959 e 1963. Prioridade absoluta para a educação da população pobre, investimentos em saúde, educação, transporte público, habitação pública, em infraestrutura urbana nas áreas carentes com o “Favela Bairro” etc. Seu bom desempenho administrativo foi reconhecido no 1º turno da eleição presidencial de 89, quando, no RS, teve mais de 60% dos votos válidos, e no RJ mais de 50%. No ano seguinte, Brizola foi eleito novamente Governador do RJ no 1º turno com mais de 60% dos votos, comprovação irrefutável da aprovação popular ao seu governo e à sua administração anterior.
O PDT, depois do falecimento de Brizola, vinha numa tortuosa trajetória de vilipêndio dos seus ideais fundadores. O rompimento com o Governo Lula é o desfecho de um processo que já tem no mínimo 10 anos de afastamento do legado trabalhista e social-democrata da agremiação. Atualmente o partido se encontra infiltrado pela extrema-direita do grupo Nova Resistência, por indivíduos como Aldo Rebelo, também convertido ao neofascismo castrense de Bolsonaro, além da figura sombria e sinistra de Ciro Gomes, que também dá sinais de convergência com o extremismo da direita fascista. Triste ver a situação atual do PDT renegando os ideais sagrados da agremiação, a defesa da soberania nacional, dos direitos sociais e trabalhistas, do fortalecimento do mercado interno, dos sindicatos e da economia nacional, o combate ao racismo e à intolerância política entre outros. A esperança fica por conta da recuperação da sigla do PTB pelo brizolista autêntico Vivaldo Barbosa.
Carlos Frederico Alverga: economista graduado na UFRJ, especialista em administração pública pelo Cipad/FGV e em Direito do Trabalho e Crise Econômica pela Universidade de Castilla La Mancha (Espanha) e mestre em Ciência Política pela UnB. E-mail: [email protected]
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