O parlamento é o que é: uma pocilga

No artigo Defesa do Parlamento, publicado pelo Brasil 247, o historiador piauiense Manuel Domingos Neto aproveita a comoção gerada entre a esquerda pequeno-burguesa em torno da aprovação da cassação de Glauber Braga (PSOL-RJ) no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados para contrabandear uma série de concepções equivocadas acerca do regime político.

Antes de qualquer coisa, digamos com clareza: a esquerda precisa se colocar contra a cassação de Glauber Braga. E isso se dá por um motivo muito simples. A cassação do deputado é um ataque aos seus direitos democráticos e aos direitos democráticos de 78 mil eleitores que votaram nele. Na medida em que um ataque como este ocorre, os direitos democráticos de todos os brasileiros ficam mais ameaçados, pois o regime evolui para uma ditadura.

Ser contra a cassação de Glauber Braga para impedir o avanço de uma ditadura no País é uma coisa. Fazer apologia da pocilga que é o Congresso Nacional é outra completamente diferente. Mas é o que faz o articulista do Brasil 247, quando diz:

“Não se trata apenas de solidariedade a um valente parlamentar perseguido. Trata-se de manter a dignidade mínima do Legislativo.”

Ora, por que o Legislativo se tornaria mais ou menos digno? Se o Congresso Nacional não cassar o deputado do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), apagará o crime que foi a votação do impeachment de Dilma Rousseff em 2016? Teria alguma “dignidade” um parlamento que votou a favor da reforma trabalhista, da reforma da Previdência e do Teto de Gastos?

A declaração é um escárnio com a cara da população brasileira. É como se dissesse: enquanto os cargos de nossos deputados estiverem garantidos, que se explodam as necessidades do povo.

Manuel Domingos Neto nem mesmo poderia afirmar que a cassação de Glauber Braga tornaria o Congresso menos “digno” por inaugurar um novo tipo de ataque aos direitos democráticos. Desde o golpe de Estado de 2016, vários deputados já foram cassados. A maioria, pela Justiça Eleitoral, consistindo em uma aberração do ponto de vista da separação dos poderes, contando com o silêncio ou comemoração da esquerda. Uma minoria foi aprovada pelo parlamento, e contou com o apoio da esquerda parlamentar.

O articulista segue dizendo:

“A degradação dos Parlamentos, que não controlam aparelhos repressivos, antecede golpes de Estado.”

De fato. A degradação dos parlamentos é um sintoma agudo de crise do regime político. Isto é, um sintoma de que a classe dominante não consegue mais exercer a sua dominação por meio de uma “democracia”. E, portanto, prepara uma ditadura.

Fica a questão: o único sinal de ditadura seria a cassação de Glauber Braga? Manuel Domingos Neto, Glauber Braga, o PSOL e o governo Lula continuarão aplaudindo as medidas autoritárias do Supremo Tribunal Federal (STF) contra os políticos e os cidadãos comuns?

O que vem a seguir é ainda mais cretino:

“Durante a ditadura militar, os governantes dominavam o Congresso silenciando opositores, censurando e concedendo aos seus apoiadores o papel de negociantes de obras e serviços que lhes beneficiassem eleitoralmente. Os generais exigiam do político fidelidade e habilidade no agenciamento de verbas. Tal prática garantiu-lhes maioria parlamentar confortável. A luta pela democracia permitiu que reformistas sociais abrissem cancha nas casas legislativas. Assim começou a desintegração do regime. As mudanças nas regras eleitorais não bastaram para sustentar o arbítrio castrense.”

O fato é que, se dependesse da atividade parlamentar, a ditadura militar ainda estava de pé. Os parlamentares que se diziam representantes dos interesses populares nunca trabalharam para derrubar o regime. Pelo contrário, seu trabalho consistia em canalizar a revolta popular, com características revolucionárias, em acordos que permitiam a sustentação daquele regime criminoso.

A ideia de que a ditadura caiu por causa de sucessivas reformas dentro do parlamento é absurda. É um ultraje à vida de milhares de brasileiros que enfrentaram nas ruas a repressão da ditadura militar – muitos, inclusive, sendo presos, mortos ou torturados.

A ideia, no entanto, resume a mentalidade mesquinha e oportunista da esquerda pequeno-burguesa. O parlamento é o centro de sua atividade política. Mais que os interesses do povo, interessa se haverá ou não um cargo para defender. Mais do que princípios democráticos, interessa se o deputado que está sendo perseguido é de um campo, e não de outro.

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