Desenvolvimento financeiro é do bem e financeirização é do mal?
por Luís Carlos da Silva
– ‘fessô, desenvolvimento financeiro é do bem e financeirização é do mal?
– A diferença entre desenvolvimento financeiro e financeirização é necessária por refletir diferentes aspectos da evolução e do impacto do sistema financeiro na economia. Desenvolvimento financeiro refere-se ao crescimento e à melhoria dos sistemas financeiros em termos de abrangência, eficiência e acesso.
– Mas a financeirização, por sua vez, não é apresentada pelo senhor como o aumento da influência do setor financeiro sobre a economia real, provocador de efeitos negativos sobre a produção? Ela não é criticada com argumentos de autoridades pelos pressupostos impactos adversos em quase todas as dimensões da economia e da sociedade? Não tem gente capaz de a responsabilizar até pela pandemia de covid-19?
– De fato, eu acuso o setor financeiro de crescer desproporcionalmente em relação à economia real, influenciando políticas e decisões empresariais. Recursos possíveis de ser usados para investimento produtivo na economia real são desviados para atividades financeiras especulativas.
– Mas os investidores, inclusive Pessoas Físicas, não detêm o livre-arbitrário pelo destino de seu dinheiro obtido seja pelo trabalho seja por outras formas de renda?
– É verdade. Mas acho um absurdo as empresas não financeiras focarem mais em atividades financeiras (como recompra de ações) em vez de fazerem investimento produtivo e inovação.
– ‘fessô, o senhor ensinou em fase de desalavancagem financeira as empresas não-financeiras necessitam fazer reservas para novo ciclo de alavancagem…
– Inverta o ditado: “façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço!” Critique a financeirização por exacerbar a desigualdade de renda e riqueza, beneficiando desproporcionalmente os proprietários de ativos financeiros. Ela aumenta a instabilidade financeira devido à proliferação de produtos financeiros complexos e especulativos. Incentiva a decisões de curto prazo em detrimento de estratégias de longo prazo, tanto no nível corporativo, quanto no de políticas públicas!
– Li sobre o dualismo religioso sincretista, amplamente difundido no Império Romano, adotava essa doutrina de existir um conflito cósmico entre o reino da luz (o Bem) e o das sombras (o Mal). Para os maniqueístas, ao homem se impunha o dever de ajudar à vitória do Bem por meio de práticas ascéticas…
– Ahn… Bem, sim, devemos evitar qualquer visão do mundo reducionista binária simplesmente o dividindo em poderes opostos e incompatíveis…
– Uma economia sem bancarização e financeirização não é pouco dinâmica e subdesenvolvida? Não é o caso argentino, onde se desconfia do sistema financeiro nacional e se pratica a fuga para o dólar com a consequente hiperinflação?
– De fato, tanto a bancarização quanto a financeirização desempenham papéis cruciais no desenvolvimento econômico e na dinamização das economias modernas, mas seu impacto varia conforme são implementadas e reguladas.
– Aprendi a bancarização ser o processo de incluir uma maior parte da população no sistema financeiro formal, proporcionando acesso a serviços financeiros como contas bancárias, crédito, poupança e seguros. Facilita o acesso ao crédito para consumidores e empresas, impulsionando investimentos e consumo. Oferece um lugar seguro para guardar dinheiro. A transferência de depósitos à vista via cartões ou PIX facilita transações econômicas. Permite a inclusão de segmentos marginalizados da população, promovendo igualdade de oportunidades econômicas. Bancos bem regulados não contribuem para a estabilidade, oferecendo um sistema de pagamentos eficiente e gerenciando riscos financeiros?
– Eu reafirmo minha denúncia do capitalismo! A financeirização refere-se ao aumento da importância dos mercados financeiros, instituições financeiras e motivos financeiros na economia, muitas vezes à custa de atividades produtivas. Seu foco excessivo em ganhos de curto prazo desvia recursos de investimentos produtivos de longo prazo. Exacerba a desigualdade econômica, beneficiando desproporcionalmente os detentores de ativos financeiros. Aumenta a vulnerabilidade a crises financeiras devido à interconectividade dos mercados.
– Mas o senhor não vê os benefícios da financeirização? Facilita o acesso a grandes volumes de capital para investimentos, inovação e crescimento empresarial. Mercados financeiros direcionam capital para onde ele é mais produtivo. Oferece instrumentos para a diversificação e gestão de riscos financeiros, enriquecendo tanto pessoas jurídicas quanto pessoas físicas pela taxa de capitalização com juros compostos superar a taxa de crescimento da renda gerada na produção…
– Reconheço economias sem bancarização enfrentarem dificuldades no desenvolvimento econômico. A ausência de acesso a serviços financeiros básicos limita a capacidade de crescer a renda dos consumidores e das empresas.
– Uma economia não deve ser financeirizada o suficiente para promover o crescimento e a inovação, mas não a ponto de comprometer a estabilidade econômica e o desenvolvimento sustentável? Sem a financeirização, há menos inovação financeira e menor acesso a capital para investimentos, em grande escala, restringindo o potencial de crescimento econômico…
– A financeirização deve ser gerida, cuidadosamente, para evitar excessos causadores de instabilidades e desigualdade.
– Mas não temos uma economia de comando, né? Cabe a crítica dos denunciantes da “financeirização” dela inibir o setor produtivo? A capitalização das sobras da renda do trabalho no mercado financeiro, inclusive por meio de investidores institucionais como os fundos de pensão, de fato, não desempenha um papel positivo no financiamento do setor produtivo em toda a economia globalizada?
– Não vou brigar contra os fatos. Tenho de reconhecer: fundos de pensão acumulam grandes quantidades de capital ao longo do tempo, investidos para gerar retornos para os futuros aposentados. Uma parte substancial dos recursos dos fundos de pensão é investida em ações e títulos de empresas, financiando diretamente o setor produtivo. Diversificam suas carteiras de ativos ao investir em infraestrutura, imóveis e outros projetos produtivos…
– Sim, inclusive fundos de pensão investem em projetos de infraestrutura, como estradas, pontes e energia, essenciais para o desenvolvimento econômico. Fazem também investimentos em empresas inovadoras e startups de modo a fomentar o progresso tecnológico e a criação de empregos de alta qualidade. Aliás, diante a globalização, não é uma acusação inconsistente a financeirização ter prejudicado o setor produtivo nacional se ele optou por se transferir para outros países?
– Embora a globalização permita a transferência de produção para regiões de menor custo, ela e a financeirização contribuem para a desindustrialização, menor investimento produtivo e aumento da desigualdade econômica no Ocidente!
– Diante a quarta revolução tecnológica, não é uma acusação inconsistente a financeirização ter prejudicado o P&D e a inovação, no processo produtivo, se este adotou a automação e/ou a robótica?
– É inegável a Indústria 4.0 integrar tecnologias avançadas como automação, robótica, inteligência artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), big data e impressão 3D nos processos produtivos. Impulsionam a inovação em produtos, processos e modelos de negócios. Empresas com adoção dessas tecnologias se tornam mais competitivas no mercado global.
– A financeirização não forneceu o capital necessário para esses investimentos em tecnologias avançadas e inovação? Empresas não levantaram recursos por meio de mercados financeiros para financiar P&D e adotar novas tecnologias?
– Reconheço: grandes empresas tecnológicas e industriais adotam automação e robótica porque têm acesso a recursos financeiros substanciais, permitindo-lhes equilibrar financeirização com investimentos em P&D. Mas as empresas menores não conseguem balancear as pressões de curto prazo dos mercados financeiros com a necessidade de investir em inovação de longo prazo!
– ‘fessô, o senhor não ensinou a lei de movimento do capitalismo ter levado à concentração e centralização do capital em oligopólios? Não foi antes e independentemente da financeirização?
– Ah, chega! A aula acabou!
(Um diálogo entre aluno e professor como resposta ao comentário do artigo do Jornal GGN)
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Economia de Mercado de capitais à Brasileira” (agosto de 2021). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
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