O papel dos procedimentos de licenciamento

por Luís Antônio Waack Bambace

            Tendo trabalhado vários anos em elaboração de normas técnicas no setor espacial, lembro o importante papel de procedimentos. Quando se faz qualquer coisa, muitas vezes um fornecedor tem dúvidas sobre como fazer da melhor forma. Aí entra o papel do comprador em testar vários processos, aprovar alguns e detalhar o que é bom, para ajudar seus fornecedores. Tendo trabalhado no suporte aos ministérios públicos estadual e federal em questões de licenciamento ambiental, vi tanto tentativas de aprovar coisas erradas por meio de dados falaciosos, como relatórios ruins feitos por gente de boa fé, face a estas pessoas não terem conhecimento técnico adequado a fazer relatórios de impacto ambiental. Quando alguém de boa fé faz um relatório ruim por falta de conhecimento, tem-se uma sobrecarga no trabalho do pessoal de licenciamento ambiental. Afinal o agente licenciador terá de analisar no mínimo mais um segundo relatório.

            No caso de termelétricas o que mais se usa são modelos de propagação gaussiana dos efluentes gasosos, modelo simples quando se supõe terreno plano, e claro se coloca na altura de cálculo de concentrações de gases perigosos diferenças de cota entre a chaminé da usina e o local de cálculo. Claro que esta altura é a diferença entre a cota do terreno do local da chaminé e a altura da cota de um terreno onde se tem um arranha-céu mais a altura do arranha-céu, e mais a altura de uma pessoa, para se ter proteção efetiva. Claro também que para se levar em conta os direitos de proprietários de terrenos, isto deve ser feito para qualquer construção permitida pelas leis de zoneamento no momento de entrada do pedido de licenciamento. Também tem que se considerar níveis de fundo atuais e futuros, relativo a aprisionamento de efluentes gasosos em caso de inversões térmicas. E mais ainda, alinhamento entre fontes de emissões e potenciais locais com potencial presença de pessoas, e mesmo vegetação. Alinhamentos em um penhasco de pedra nua, não vai causar dano, mas numa encosta, caso mate a vegetação, ou tenha turistas em trilhas, serão problemas. Vegetação morta, e tem-se mais chance de deslizamento de terra.

            Nossa legislação é praticamente inexistente, e tenho dúvidas se a questão de alinhamento de fontes foi analisada no caso de Macaé, onde se tem uma profusão de termelétricas. Afinal, nossa legislação não obriga a se analisar tal alinhamento, algo que junto com a questão de uso de altura máxima permitida pela lei de zoneamento local está na legislação do estado de Nova Iorque nos Estados Unidos. Nossa lei só define limites máximos de concentração nos locais, mas não define metodologia de cálculo. Aí a empresa tenta usar uma metodologia frouxa, e a população para garantir sua saúde quer uma metodologia mais rigorosa. O coitado do analista do IBAMA, pressionado por todos os lados, sabe que qualquer decisão que tomar será contestada por um lado ou por outro. Sabe que a melhor maneira de não ter problemas é adiar sua decisão, afinal, com isto vê quem tem mais força, e sabe que apoiando o lado mais forte terá menos problemas. Mesmo uma pessoa extremamente legalista e pão, pão, queijo, queijo, que numa primeira vez siga a cartilha vaga, numa segunda vez vai ficar perdida e temerosa quanto ao que fazer. E isto vale para todos os aspectos de licenciamento: uso excessivo de água, efluentes líquidos e por aí vai.

            No Vale do Paraíba há lençóis freáticos superficiais contaminados por fossas sépticas malfeitas, água de rios poluídos e tudo o mais. Usa num resfriamento tal água, e ela fica livre de microrganismos perigosos. Se ela tiver de ser tratada para uso em resfriamento, pode ser direcionada para uso como água potável. Mas propostas de uso conjugado desta água nunca aparecerem no vale. As empresas querem água limpa, mais barata de tratar, não olham para a chance de parcerias, e compartilhamento de custos.

            Locais muito íngremes se usado em agricultura tem mais erosão, tem de se fazer terraços e outras obras para minimizar o problema. Uma questão é proibir, outra condicionar o uso a execução de tudo o que é necessário a seu uso. O terraço Inca, permitiu aproveitar-se as encostas extremamente íngremes da região de Macho Picho, e deu segurança a cidadela, de que seus defensores teriam o que comer. Séculos depois, apesar de abandonados não deram problema, e a região não é seca.

            O paz na terra aos homens de boa vontade, exige que todos busquem solução com espírito desarmado. São Paulo, ainda Saulo, perseguia os Cristãos por ter crenças erradas, alcançado por Deus, reviu suas crenças e passou a agir diferente. Quem tem boa vontade e amor ao próximo, deve copiar este comportamento, questionar seu pensar, seus valores e buscar o que é bom para todos, o que quando feito com criatividade ajuda a melhorar tudo até para si. Sem olhar a dificuldade de pessoas de empresas de festa em encher balões, um metalúrgico desempregado, não teria feito um sistema de pequeno porte de encher balões que lhe permitiu ter um negócio próprio estável, perene e lucrativo. Tinha o lema do SBT, quem procura acha. O maior problema da polarização é que a maioria das pessoas deixa de procurar soluções, e temerosas vão para seu modo reptiliano de matar ou correr, aí o debate deixa de ser produtivo.

            Hoje se faz necessário a proposição, como base para despolarizar a questão ambiental, de um arcabouço de procedimentos base para licenciamentos. Assim o dono de uma pizzaria que quer usar um forno a lenha, vai simplesmente preencher um formulário eletrônico, e descobrir o que ele pode fazer com segurança. O agente licenciador vai simplesmente verificar se o que ele colocou no formulário corresponde a realidade dos fatos, usando por exemplo o Google para ver se tem algo próximo que ele esqueceu de considerar. Aí ele pode ter de usar filtros, mais de uma chaminé, para reduzir a carga na direção mais desfavorável do vento com relação a um alvo crítico e por aí vai. Mas todos terão mais segurança, a começar pelo coitado do analista que hoje fica entre a cruz e a caldeirinha.

            Acredito, que um debate em torno da melhoria da regulamentação, acabará com a demora de licenciamento, tirando de quem quer a liberação geral, ruim para o grosso da população, um argumento hoje muito em uso. Vai expor esta turma, que terá de mostrar que é contra o interesse geral se tentar evitar que normas adequadas passem. Pena que nosso debate seja muito pobre, e fique muito próximo do tudo ou nada. Aliás estimular o tudo ou nada, aproveitando-se do desconhecimento de muitos, é uma boa estratégia para quem quer impedir avanços. Se o debate ficar entre destruir o ambiente e ter “progresso” ou manter o ambiente e impedir o “progresso”, a situação tende a ser a favor de grandes grupos econômicos, que ao fazer unidades a custos menores, lucrarão mais. O  “progresso” é entre aspas, afinal no passado usinas que despejaram vinhoto em rios, deram duas dezenas de empregos perenes no empreendimento e  destruíram o sustento de centenas de famílias de pescadores ao matar rios pelo mundo afora.

Luís Antônio Waack Bambace – Engenheiro Mecânico. PhD em Aerodinâmica Propulsão e Energia.

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Last Update: 28/05/2025