O Papa torcedor do San Lorenzo deixou algo grandioso ao mundo 

por Maíra Vasconcelos

Quando foi eleito Papa, naquele então, eu já vivia em Buenos Aires. Lembro-me de ter saído a caminhar, nas vésperas do anúncio. Na avenida Paseo Colón alguns cartazes davam as boas vindas ao Papa Francisco. Em alguns desses, já tinham colorido com canetinha, ou algo assim, o famoso bigode do nazismo bem na cara de Bergoglio. Anos depois, sabemos que o Papa criticou Javier Milei. Hoje, sabemos que surgiu um líder inquestionável. E querido até por aqueles que nos sentimos distantes das religiões. Não me lembro de ter sentido simpatia por nenhum outro Papa.

No primeiro domingo, após o anúncio, de pura curiosidade e mania jornalística, fui até a igreja mais próxima, apenas para ver o movimento dos fieis. Na ”Parroquia San Pedro Telmo”, em San Telmo, cumprimentei o padre que estava do lado de fora e perguntei se ele diria algo durante a missa. “Sim, farei uma menção ao Papa”. Esse último detalhe, recuperei de um antigo blog. Nisso, já se falava das posições questionáveis do Papa, o que defendeu e o que não defendeu nos anos da ditadura argentina. Mas, de novo, quem imaginaria que Francisco se posicionaria em favor da diversidade sexual.

Também correu muito rápido a notícia de que o Papa era torcedor do San Lorenzo, time do bairro de Almagro, em Buenos Aires. Claro que um Papa torcedor foi algo que me gerou simpatia. O primeiro Papa argentino e latino-americano se fazia popular também pelo lado do futebol. Sempre o futebol.

Mas talvez por não ser religiosa, acompanhei muito pouco tudo o que diz respeito ao Papa. A lista de suas brigas para trazer mudanças dentro da Igreja, é bastante considerável. A mídia tem reproduzido com fidelidade os seus feitos. Me dava a impressão de ser um Papa que sabia ponderar, ser minimamente sensato frente a essa instituição milenar. Mas sempre pensei, claro, o Papa é argentino. Alguma briga ele vai comprar. 

Como dizem, foi um Papa mais humano. Ele conseguiu ser querido até por ateus e agnósticos, que, às vezes, podemos ser bastante arrogantes. O Papa Francisco me trouxe alguma compreensão diferente em relação à fé alheia. Talvez, hoje, seja um pouco mais tolerante e entenda melhor os fieis. Não sei se foi por causa do Francisco, não sei se, justamente, porque moro na Argentina e o Papa foi argentino. Mas fato é que, hoje, entendo melhor a dor dos fieis e a sua comoção. Algo grandioso o Papa Francisco deixou ao mundo.

Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina (Paraguai, Chile, Venezuela, Uruguai). Escreve crônicas para o GGN, desde 2014. Tem publicado um livro de poemas, “Um quarto que fala” (Urutau, 2018) e também a plaquete, “O livro dos outros – poemas dedicados à leitura” (Oficios Terrestres, 2021).

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Last Update: 23/04/2025