Os últimos seis meses foram momentos de grandes perdas para aqueles que trabalham e estudam o diálogo inter-religioso. Em outubro de 2024, faleceu Fethullah Gülen, erudito muçulmano-turco que foi pioneiro do diálogo inter-religioso no seu país de origem, Turquia. Um mês depois, em novembro, faleceu o Cardeal Miguel Ángel Ayuso Guixot, prefeito do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso no Vaticano.

Já na última segunda-feira 21 amanhecemos com a notícia do falecimento do Papa Francisco. Francisco foi um Papa que surpreendeu o mundo, antes de mais nada, por ser o primeiro ocupante do vicariato de Pedro fora do continente europeu. Levou um modo de ser papa que era latino-americano, reformista e diferente em comparação com seus antecessores. Foi uma pessoa que sempre apontou na direção da misericórdia e graça de Deus. Lembrou aos seres humanos que não são os nossos congêneres, mas é o próprio Deus quem define o destino final das coisas.

Para mim, como um estudioso do diálogo inter-religioso e das relações entre as três religiões abraâmicas, Francisco foi o Papa do diálogo, amor ao próximo, proximidade e do abraço acolhedor. Francisco, em demasiadas ocasiões, combateu todo tipo de intolerância religiosa, em especial o antissemitismo e a islamofobia.

A frase mais icônica que me vem a mente quando falo do combate dele a islamofobia é uma fala que teve enquanto conversava com os jornalistas a bordo do avião na volta da Jornada Mundial da Juventude em 2016: “Não é justo associar o Islam a violência, não existe violência islâmica. Se não, temos que falar da violência católica. Temos na Itália um que mata a namorada, outro que mata a sogra. São católicos batizados.”

Esta foi uma das primeiras frases dele que me marcaram tanto. Não preciso nem citar o livro-entrevista do jornalista Andrea Tornielli, o Nome de Deus é misericórdia, pois o que consta neste livro é o que ele sempre falou: “Quem sou eu para julgar o outro!”

No espírito desta frase, ele sempre esteve aberto ao diálogo e a escuta. Por isso esteve sempre em diálogo constante com outras comunidades cristãs e não-cristãs. Esteve, em diferentes ocasiões, ao lado do Sheikh Ahmad Al-Tayeb, sheikh da maior universidade do mundo islâmico – Al-Azhar.

Em 2019, ambos assinaram um documento que ressuscitou o espírito franciscano de paz e diálogo. O Documento Sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da Convivência Comum – conhecido como Documento de Abu Dhabi também – foi um salto gigante nas relações católico-islâmicas que estavam enfraquecidas desde um pronunciamento do seu antecessor, Bento XVI, em 2006.

A simbolicidade do Documento de Abu Dhabi é enorme, pois aconteceu no ano em que se rememorava os 800 anos do encontro de São Francisco de Assis com Sultão Al-Malik Al-Kamil Al-Ayyoubi num ambiente de fraternidade em meio a horrores da Quinta Cruzada. Papa Francisco seguiu os passos do nome de quem o inspirou delicadamente e visou construir pontes, em vez de muros.

A carta encíclica Fratelli Tutti é um outro passo que marca o seu papado no diálogo inter-religioso. Francisco ampliou mais ainda a abordagem que constava no Documento de Abu Dhabi, deu o exemplo do Bom Samaritano, e nos lembrou da importância da amizade social para uma convivência pacífica. A maior lição que deu nessa carta encíclica foi a de acabar com as injustiças.

Francisco, para nós muçulmanos, foi quem implementou a Declaração Nostra Aetate passo a passo seguindo cada etapa mencionada no terceiro parágrafo deste documento do Concílio Vaticano II. Ao mesmo tempo que incentivou a fraternidade humana, pautou os pontos em comum que existem entre as duas religiões.

Ao partir aos 88 anos e depois de 12 anos de pontificado, Francisco deixou uma lição e uma tarefa para o seu sucessor, bem como às futuras gerações: o diálogo deve ser o caminho que devemos seguir para superar as adversidades que o ser humano enfrenta. Por isso, o diálogo e a amizade são imprescindíveis nas relações humanas atuais.

Expresso as minhas mais sinceras condolências àqueles são tocados pelos seus ensinamentos. Que ele descanse em paz e que o seu legado seja levado em diante pelas futuras gerações.

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Last Update: 27/04/2025