Wagner Gomes 

O Brasil real não cabe nas análises e sobrevive fora do script — improvisando, adaptando-se e pagando a conta das decisões tomadas em nome de um progresso que raramente alcança. Ele escapa das planilhas e ri dos editoriais. É um país subterrâneo, que funciona apesar do Estado, que negocia à margem da lei, que sobrevive em silêncio enquanto Brasília ensaia grandiloquências para um teatro esvaziado. O Brasil assiste ao mundo se reorganizar com a perplexidade de quem perdeu o timing, e a vocação. A política externa fala em multipolaridade, mas o cidadão comum não sabe o nome do chanceler. Fala-se em soberania com a convicção de quem não entendeu o próprio isolamento. Na economia, o jogo é outro: ela gira em torno de metas que ninguém entende e juros que todos sentem. A lógica econômica não é oferta e demanda, é blindagem e influência. As relações público-privadas geram lucros com CPF alheio. Este não é um país ingovernável, é apenas mal interpretado. Inclusive aos ditames da Constituição, por quem dela deveria cuidar. E a mídia transmite o país como se ainda fosse possível marrá-lo de cima para baixo. Quem escreve sobre o Brasil, muitas vezes, se recusa a escutar o que o Brasil sussurra. Os jornais até redigem o espetáculo com os termos corretos, mas nunca os suficientes. Editam, selecionam, narram com autoridade aquilo que entendem de forma parcial. A verdade jornalística, cada vez mais, é menos descoberta e mais construída: produto de linha editorial, de contratos, de algoritmos e de conveniências que ninguém mais finge esconder. Há mais lucidez no desabafo de um caixa de supermercado ou na análise de um motorista de táxi do que em dez reuniões do conselho monetário. Há mais política em uma fila de hospital do que em qualquer sabatina do Senado. O verdadeiro Brasil está na margem, no improviso, no desvio institucionalizado, na gambiarra tributária, na conivência silenciosa, na diplomacia de bastidores e nas alianças que jamais serão fotografadas. E talvez por isso seja tão difícil interpretá-lo: porque o país que funciona de fato é aquele que o discurso oficial finge não existir. Mas é justamente ali — nesse intervalo entre o que é dito e o que é vivido — que mora o sentido da crítica. Não para reformar o discurso, mas para desenterrá-lo. Não para suavizar o caos, mas para denunciá-lo com lucidez. Porque escrever, nesse contexto, é um ato de revelação — e, quando necessário, de insubordinação. 

Wagner Santos – articulista 

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 19/07/2025