O Pacote de Haddad: entre o Teto e o Tatame
André Moreira Cunha e Alessandro Donadio Miebach*
O governo federal ofereceu ao Congresso o seu pacote fiscal, com previsão de cortes da ordem de R$ 327 bilhões nos próximos cinco anos. Para 2025 e 2026, no horizonte do atual mandato presidencial, seriam R$ 71,9 bilhões. Os cortes previstos atingem fortemente a área social. A contenção nos ajustes do salário-mínimo (SM) é o seu componente principal, respondendo por 34% daquele montante. Se a isso acrescentarmos ações sobre o Bolsa-Família, BPC, Abono Salarial e Fundeb, a contribuição de áreas sociais voltadas para as camadas de menor renda atinge pelo menos 60% dos valores previstos.
O pacote de Haddad tem um inequívoco potencial regressivo na distribuição da renda. Até porque, a recuperação do poder de compra do SM e os diversos benefícios sociais a ele atrelado têm sido os principais responsáveis pelos momentos de queda na profunda desigualdade existente no Brasil.
O Congresso deverá apreciar os projetos de lei e emendas constitucionais associadas ao pacote. Alterações em seu conteúdo são esperadas. Há um projeto alternativo, de autoria de deputados da oposição, que prevê revisão de gastos da ordem de R$ 1,1 trilhão nos próximos dez anos e medidas ainda mais regressivas.
Há que se ressaltar o esforço do governo em distribuir o “bônus” e o “ônus” dos ajustes.
O orçamento público é uma expressão de diversos interesses dentro de uma sociedade, os quais podem ser considerados como legítimos ou não. As despesas sociais são difusas e atingem múltiplos grupos de distintas formas.
Já na área social, os sucessivos relatórios da OCDE demonstram que os gastos per capita em educação e saúde no Brasil são insuficientes e muito abaixo da média dos países que pertencem àquela instituição.
O desejo de cumprir todos os compromissos assumidos nos palanques confronta a dura realidade imposta pelo novo Teto de Gastos. A magnitude desse desafio está novamente explicitada com a reação do “mercado” ao pacote, insatisfeito com a ausência de cortes em áreas diretamente vinculadas ao bem-estar da população, como saúde e educação.
Lula e Haddad precisam navegar nas águas turbulentas da política real, pressionados pelo Teto e o Tatame, pelas legítimas demandas sociais, pelas pressões espúrias das elites e pela necessidade de reduzir os estragos dos setores da extrema-direita que tramam permanentemente contra o Estado Democrático de Direito.
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Pirão Pouco, Meu Prato Primeiro
Nunca é demais lembrar que, em 2023, a aprovação do “Teto do Haddad” foi comemorada no Planalto.
O Brasil é uma anomalia em termos dos níveis das taxas de juros reais (juros básicos, descontada a inflação) que alimentam os rentistas.
Já o ensurdecedor silêncio em relação a nova regra de correção do salário-mínimo sinaliza a aprovação da proposta de moderação do principal mecanismo da sociedade brasileira para inclusão social no século XXI.
Quando as urnas forem abertas no futuro, descobriremos se a população tem a mesma compreensão que o governo sobre a possibilidade de quadratura do círculo: produzir equilíbrio orçamentário com justiça social a um preço razoável para a maioria.
*André Moreira Cunha e Alessandro Donadio Miebach são Docentes do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.
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