Após inúmeras declarações de Lula contra os bilionários, a desigualdade de renda e promessas de que não iria impor cortes contra os pobres, o governo anunciou um bloqueio de R$ 15 bilhões no Orçamento de 2024. A medida foi detalhada no dia 22 de julho e faz parte das ações para garantir a confiança do mercado no cumprimento das metas do Arcabouço Fiscal e a promessa de zerar o déficit (gastos menos receitas, excluindo os juros da dívida pública) este ano.

O arcabouço, proposto e aprovado pelo governo Lula, em acordo com Lira e o centrão, é uma remodelagem do antigo teto de gastos do governo Temer, e, tal qual seu antecessor, tem o objetivo de limitar os já escassos gastos sociais para priorizar o pagamento da dívida aos banqueiros. Ao contrário do que afirmam o governo e o conjunto da burguesia, esse arcabouço não é uma medida para sanear as contas públicas, mas para continuar despejando bilhões aos banqueiros, através da dívida, e outros bilhões para as grandes empresas e multinacionais, além do agronegócio, através de subsídios e isenções. E isso tudo às custas dos mais pobres e de quem depende dos serviços públicos.

Bilhões para o agro, mas o problema é o aposentado

Quer ver como esse discurso de que os cortes são para ajustar as contas públicas é uma mentira? A justificativa do governo para esse novo corte foi um suposto aumento nos gastos com o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos carentes e pessoas com deficiência, da ordem de R$ 6,4 bilhões. Já o pagamento das aposentadorias teria ficado R$ 4,9 bilhões acima do esperado devido à fila de espera do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Parece muito, não? Porém, só em junho, o governo lançou um Plano Safra para o agronegócio de R$ 400 bilhões em financiamento subsidiado, ou seja, mais de 26 vezes o montante do corte anunciado pelo governo.

Do discurso à prática

Mais do que isso, em junho o próprio governo havia divulgado que, apenas em 2023, foram gastos R$ 646 bilhões em renúncias e benefícios fiscais. Em entrevista à Rádio CNB, Lula afirmou que “são os ricos que se apoderam de uma parte do orçamento do país e eles se queixam do que está sendo gasto com o povo pobre. Por isso que eu disse que não me venham querer que se faça qualquer ajuste em cima das pessoas mais humildes do país”. Um mês depois, o governo anuncia uma tesourada justamente sobre as “pessoas mais humildes do país”. “Sempre que precisar bloquear, nós vamos bloquear”, diz agora.

Soma-se a essa verdadeira farra dos bilionários, os juros pagos a banqueiros através do mecanismo da dívida. Em 2023, pagamos R$ 780 bilhões em juros e amortizações da dívida a um exclusivo grupo de magnatas que lucram cada vez mais com um dos maiores juros do mundo.

Lula diz uma coisa e, na prática, faz outra. A leva de cortes anunciados pelo governo não representam só um ataque pontual aos aposentados e beneficiários do BPC. São uma amostra de um ataque mais estrutural que vem sendo gestado pela equipe econômica, com a pressão do conjunto da burguesia e a imprensa, e que coloca na mira não só as aposentadorias, mas os servidores, os serviços públicos e os direitos básicos da classe trabalhadora.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira Foto Agência Brasil

Bilionários querem mais

Educação, saúde, direitos sociais e aposentadorias são os vilões para o governo e o Congresso Nacional

As ações e discurso do governo preparam o terreno para ataques mais duros no próximo período, como a desvinculação das aposentadorias, e de benefícios como o auxílio-desemprego do salário mínimo, e o fim dos mínimos constitucionais da Saúde e da Educação.

Quando o governo elaborou o Arcabouço Fiscal, já se previa que, para ele funcionar, o próximo passo seria desvincular a Saúde e a Educação dos pisos constitucionais. Hoje, a União é obrigada a gastar 15% do orçamento com Saúde e 18% com Educação. Isso bate de frente com as regras do novo teto, que estipula um rígido limite para os gastos públicos. Ou seja, se o governo Lula e Haddad quisessem mesmo não cortar da Saúde e Educação era só ter revogado o teto de gastos do Temer, e não criado um “novo teto de gastos 2”.

Essa crise fiscal só existe porque o governo aceita as exigências do mercado: a manutenção do sistema da dívida pública, o Superávit Primário, o regime de câmbio flutuante e a meta de inflação. Coisas que o governo poderia alterar para resolver o problema fiscal sem atacar os trabalhadores, mas sim os bilionários. Mas não faz.

O pescoço do pobre na corda

Outra medida que vem sendo propagandeada por Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o mercado, é a desvinculação do BPC e benefícios como o seguro-desemprego e o auxílio-doença, do salário mínimo. Algo que afeta justamente os trabalhadores e setores mais pobres. Cogita-se, até mesmo, a desvinculação das próprias aposentadorias, e as aposentadorias rurais, ao salário mínimo, um retrocesso sem precedentes desde a Constituição de 1988.

Veja a perversidade dessa política que arrebenta com os direitos dos mais pobres para continuar garantindo os lucros e privilégios dos bilionários: cada ataque, seja a desvinculação da Saúde e Educação do orçamento, seja o fim do piso da aposentadoria, representa uma “economia” irrisória se comparado ao que vai todos os anos aos banqueiros e super-ricos (veja abaixo). Esses crescem todos os anos, sem qualquer teto. Isso significa que os cortes sociais sobre os mais pobres não vão parar, mas só anteceder novos ataques.

Saída

Derrotar o ajuste fiscal do governo e do Congresso

O governo Lula vem fazendo tudo que os bilionários capitalistas querem. Mas, mesmo assim, o Congresso Nacional, a imprensa, junto com a oposição de ultradireita, com parte da burguesia por trás, exigem do governo ainda mais cortes contra os trabalhadores.

Ao contrário do que apregoa grande parte da esquerda, a política econômica do governo não é a favor dos trabalhadores, nem progressiva e muito menos representa algo que vá contra os interesses dos bilionários capitalistas. Ambos defendem ajuste fiscal contra os pobres para manter e aumentar a parte do orçamento nas mãos de banqueiros e bilionários. Dentro dessa lógica de ajuste contra os pobres, há um estica-e-puxa por mal maior, ou muito maior. É um verdadeiro escândalo que, num país em que apenas 6 bilionários concentram o mesmo que 100 milhões de brasileiros, resolvam cortar benefícios de R$ 600 de pobres e doentes, para aumentar o pagamento de juros a bilionários capitalistas.

Projeto vem de dentro

O arcabouço fiscal, o ajuste, e todos esses ataques surgiram desde a sua concepção dentro do governo Lula e Haddad, gestado desde o início a favor dos bilionários capitalistas. O arcabouço é justamente a garantia de que, nos privilégios dos banqueiros e dos bilionários capitalistas, ninguém mexe. E a responsabilidade pela atual política econômica do governo é de Lula e do PT, tanto é que o próprio governo que comemora as aprovações do arcabouço fiscal, a reforma tributária e outras medidas como vitórias do governo no Congresso, em aliança com o centrão.

As propostas de desvinculação das aposentadorias do salário mínimo, ou o fim dos pisos constitucionais da Saúde e Educação, da mesma forma, partem do próprio governo, ainda que o mercado financeiro, o conjunto da burguesia, o Congresso Nacional, assim como a imprensa, façam coro por mais.

Munição para a ultradireita

Não tem cabimento, portanto, apoiar o governo, ou “pressioná-lo” à esquerda, nos limites do arcabouço fiscal. Porque não há

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Última Atualização: 25/07/2024