O filme Vitória, nova produção da Globo, estreou no topo das bilheterias brasileiras, atraindo 215 mil espectadores e arrecadando R$4,6 milhões entre 13 e 16 de março. Dirigido por Andrucha Waddington, o longa traz Fernanda Montenegro como protagonista e funciona como uma peça de propaganda da polícia, exaltando sua atuação como solução para a segurança pública, enquanto promove a cultura da delação como um dever exemplar. Inspirado na história real de Joana da Paz, falecida em 2023, o enredo transforma uma aposentada carioca em símbolo de colaboração com as forças repressivas.
A trama acompanha uma idosa que, da janela de seu apartamento no Rio de Janeiro, decide gravar atividades de traficantes na vizinhança e entregá-las às autoridades. Com a ajuda do jornalista Flávio Godoy, vivido por Alan Rocha, as imagens ganham repercussão na imprensa. Baseado no livro Dona Vitória da Paz, de Fábio Gusmão, o filme retrata a personagem como uma espécie de heroína cívica, mas, na prática, endossa a ideia de que denunciar vizinhos ao Estado é o caminho para resolver problemas sociais. A verdadeira Joana, que desmascarou traficantes e policiais corruptos na Ladeira dos Tabajaras em 2004, viveu sob sigilo por 17 anos e precisou do Serviço de Proteção à Testemunha.
Fernanda Montenegro descreveu sua personagem como “uma mulher que nos comove por sua coragem e amor”. A fala, contudo, soa como um caso de romantização da delação, já que o suposto “amor” se traduz em denunciar conhecidos e confiar cegamente na polícia, sem qualquer reflexão sobre as consequências, a razão do comércio de drogas ser proibido ou o motivo de milhares de pessoas se entregarem a esse ramo de atividade. O roteiro reforça a figura do “cidadão de bem” que, aliado às autoridades, entrega outros à repressão estatal, enquanto o tráfico é apontado como único vilão, isentando o poder público de responsabilidade sobre a violência do Estado contra a população.
A produção, longe de ser neutra, alinha-se a uma visão que glorifica a polícia como salvadora e simplifica a crise da segurança ao incentivo à delação. Na história, a brutalidade policial e a presença de milícias paramilitares, comuns no Rio, são convenientemente ignoradas. A inclusão de Joana no programa de proteção, em vez de servir como crítica à insegurança do modelo, é tratada como ato de abnegação, sem abalar a mensagem central de que o cidadão deve se submeter e colaborar.