O nosso gênio do Recife *

por Urariano Mota

Domingo que vem, a civilização em todo o mundo lembra a vida de um homem que foi um gênio em sua própria forma. Eu me refiro a Antonio Luis da Silva Filho, que todos os amigos chamavam de “O Gordo”. Com estatura em torno de 1,70m, ele pesava muito acima de 100 quilos, mas parecia nem se importar com o próprio vulto e peso. O título destas linhas faz referência não só à sua aparência física, mas também à presença de gênio de espírito que deixou algumas vítimas, entre as quais me inscrevo sem mágoa, e com admiração.

Havia outra coincidência entre O Gordo e um outro gênio, Honoré de Balzac. Tarcizo de Lira, intelectual que foi seu amigo mais próximo, me informou que O Gordo nasceu em 20 de Maio de 1949, dia e mês iguais aos de Balzac. E que faleceu em 1989, antes de completar 40 anos. O Gordo viveu pouco e de modo intenso. Trágico e amoroso, gênio e mulato que conhecia frevo e cultura popular como ninguém vi até hoje.

O Gordo era um homem de esquerda, socialista de amor extremado pelo povo do Recife, amigo de todos os deserdados e humilhados. Funcionário do Banco do Nordeste, numa terra de miséria e subemprego, nunca fez da sua posição uma diferença contra os amigos de infância, de lá do mangue na Rua da Lama, em Afogados, onde se criou.

Observo a injustiça que pessoas fundamentais, dotadas de gênio e cultura e ações, sejam esquecidas, e não fica sobre elas uma só linha, nem memória no túmulo, que é destruído ao fim como todos anônimos. Trata-se de uma crueldade feroz e bárbara! O apagamento de tais humanidades nem de longe imagina o valor das pessoas que jogam ao lixo e ao vento. Um homem como Antonio Luis da Silva Filho, além da cultura histórica e literária (na época, era o único de nós que havia lido todo o Dom Quixote), era dotado de um humor, de um gênio fino, que sorria de todo esquerdismo e sectarismo.

Por isso o Gordo nos convidava. Existe coisa melhor que uma solidão compartilhada, uma “solidão socializada”, como poderíamos então dizer? Mas naquela hora não dizíamos isso, nem isso queríamos ou mesmo conseguiríamos ver. Ele nos chamava para algo mais solar, dominical, feliz.

Urariano Mota é escritor e jornalista. Autor do “Dicionário Amoroso do Recife”, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude” (traduzido para o inglês como “Never-Ending Youth”). Colunista do Vermelho e do Brasil 247. Colaborador do Jornal GGN.

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Última Atualização: 16/08/2024