“Enquanto os esquerdistas prometiam libertar os trabalhadores de seus patrões, os cidadãos das ditaduras, os países do colonialismo, Klein prometia ‘liberdade individual’, um projeto que elevava os cidadãos atomizados acima de qualquer empreitada coletiva e liberava-os para expressarem sua mais completa vontade por meio de suas escolhas de consumo” (A Doutrina do Choque – A Ascensão do Capitalismo do Desastre, Klein, 2007, página 69).
O trecho do livro de Klein faz referência à implementação dos ideais do neoliberalismo nas universidades de Economia norte-americanas pelo seu grande guru, o professor da Escola de Economia da Universidade de Chicago, Friedman.
Friedman e os professores da Escola de Chicago foram os responsáveis por difundir para o mundo a ideia de que a economia capitalista precisava se livrar de toda e qualquer forma de regulamentação estatal.
O ano era 1947, período pós-Segunda Guerra Mundial, em que os países desenvolvidos se viram obrigados a recorrer a uma política de bem-estar social, o chamado New Deal, e países atrasados como aqueles pertencentes ao chamado Cone Sul, da América do Sul, levavam adiante uma política desenvolvimentista, para, dessa forma, evitar que os trabalhadores se levantassem em uma verdadeira revolução contra o sistema capitalista.
Friedman era visto inicialmente como um pária dentre os economistas da época, suas ideias, entretanto, acabaram sendo encampadas pelas grandes empresas multinacionais que já não desejavam mais continuar com a política de bem-estar social e que viram nos plano de Friedman um meio formidável de expandir os seus lucros.
A grande contribuição de Friedman para as empresas foi menos as suas ideias em si do que a forma como ele as apresentava ao mundo. Longe de defender abertamente a abolição do salário mínimo e dos impostos sobre as corporações, Friedman, como um grande debatedor, apresentava suas ideias com uma aura de imparcialidade científica que as faziam parecer a escolha mais racional possível diante das adversidades.
Começou a partir dali uma verdadeira guerra contra o “estado de bem-estar social” dos países ricos e o desenvolvimento dos países atrasados.
Na esteira desses acontecimentos, foi criada, nos Estados Unidos, em 1947, a Agência Central de Inteligência (CIA), uma agência de estado destinada a monitorar e agir em defesa dos interesses do imperialismo, encarregada de funções obscuras tanto contra a própria população norte-americana, quanto contra o resto do mundo.
A CIA foi responsável por monitorar e desmantelar, através de ações de espionagem, as revoltas populares decorrentes dos ataques aos direitos da população que começaram a tomar uma maior ofensiva.
Dentro do território dos Estados Unidos, a agência realizou ataques brutais e sufocou diversos movimentos populares como, por exemplo, o famoso partido dos Panteras Negras. Fora dos Estados Unidos, financiou diversos golpes de Estado na América Latina e em outras partes do mundo ao longo de todo o século XX e início do XXI.
Atualmente, essa mesma CIA é uma das maiores responsáveis pela difusão da política identitária no mundo. Isso porque tal como a oratória de Friedman, que, em determinado momento, cumpriu o papel de cobertura para a implementação da economia neoliberal, a política identitária cumpre hoje essa mesma tarefa.
Na medida em que se intensifica o processo de retirada de direitos econômicos, sociais e políticos/democráticos, a política identitária atua como uma mola amortecedora para a camada mais privilegiada daqueles que, de conjunto, são os mais atingidos pela destruição neoliberal, tais como as mulheres e os negros.
Por meio do identitarismo, o sistema neoliberal faz concessões às chamadas “minorias”, desde que o próprio sistema não precise ser alterado. Dessa forma, é possível demitir milhares de trabalhadores que são mulheres, negros etc. e, ainda assim, aparecer na imprensa como grande defensor dos oprimidos simplesmente prometendo uma vaga, uma cota na direção da empresa para algumas mulheres ou negros que, na maioria das vezes, serão aqueles mais escolarizados e vindos da classe média, que têm uma educação mais refinada. Em troca, essa camada mais privilegiada desse setor abdica da luta por sua libertação.
O identitarismo é, nesse sentido, uma maneira de cooptar esses elementos pequeno-burgueses que aceitam abdicar da luta contra o sistema em troca de um lugar ao sol dentro dele.
Como uma política estabelecida para manter o sistema capitalista respirando, podemos encontrar a defesa dessa política nas posições mais reacionárias possíveis. Como aconteceu, por exemplo, na exaltação da vice-presidente do “Senhor da Guerra” Joe Biden, uma mulher negra que durante toda a campanha eleitoral utilizou a sua “identidade” para fazer um verdadeiro genocida parecer um candidato esquerdista.
A política identitária também é a base fundamental sobre a qual se apoia o Estado artificial, supremacista, colonial e genocida de “Israel”, que possui até mesmo um “Ministério da Emancipação Feminina”. Um engodo liberal que serve para dar sustentação à propaganda enganosa de que “Israel” seria uma democracia mesmo enquanto mata da forma mais animalesca possível dezenas de milhares de crianças e mulheres palestinas.
É necessário romper definitivamente com as bases de sustentação do terror neoliberal e organizar a população para uma luta verdadeira de libertação que só possui um meio possível: a luta de classes.