No momento em que se comemoram os 80 anos da derrota histórica do nazismo pelas forças do povo soviético e do Exército Vermelho, é preciso estabelecer as origens e heranças históricas que permitiram que a “besta sanguinária” ressurgisse e se tornasse praticamente dominante no continente europeu.
O processo de punição dos crimes de guerra dos chefes nazistas alemães e a chamada desnazificação promovida pelos novos governos europeus serviu apenas para ocultar a estratégia de manutenção de vários deles nas estruturas de poder e dominação do imperialismo europeu.
Muitos desses nazistas, alemães e europeus em geral, escaparam da punição e assumiram posições relevantes nas estruturas políticas, tendo papel muito importante em transformar a luta antifascista europeia em luta anticomunista, voltada para o combate permanente à União Soviética pela Europa Ocidental. Com o fim da União Soviética, esses agentes nazistas ocultos puderam novamente se revelar política e ideologicamente e defender abertamente sua ideologia como um componente “normal” do espectro político ocidental.
Depois do término da Segunda Guerra Mundial, milhares de criminosos de guerra nazistas escaparam dos rigores da condenação judicial através das chamadas, curiosamente, Ratlines (literalmente, “trajetórias dos ratos”), roteiros sigilosos que foram organizados pela cúpula do catolicismo, liderada pelo papa Pio XII. Isso se explica pelo fato de que, antes de se tornar papa, Eugenio Pacelli foi núncio apostólico na Alemanha e, depois, secretário de Estado do Vaticano. Ele teve um papel central na negociação de acordos com diversos países, em especial o Reichskonkordat com a Alemanha nazista, em 1933 — um tratado que garantia direitos à Igreja Católica em troca de uma relação amistosa com o regime de Hitler. O papa nunca denunciou veementemente os crimes evidentes, como o genocídio de judeus, comunistas e ciganos, e nunca fez críticas diretas ao regime nazista. Não houve, portanto, uma desnazificação da Igreja. Também é muito claro o apoio dado a essas Ratlines pela CIA, pelo MI6, pelos demais serviços de inteligência ocidentais e pelas redes da extrema-direita europeia.
Essas rotas secretas permitiram que altos funcionários nazistas, incluindo membros da SS e gerentes de campos de concentração, fugissem para o continente americano, inclusive para o Brasil. Houve, no entanto, nazistas que permaneceram na Europa e passaram a integrar a fileira dos instrumentos do imperialismo ocidental no combate à União Soviética.
A própria OTAN, fundada em 1949, absorveu ex-oficiais de alto escalão do exército alemão (Wehrmacht) e até membros da SS, como Reinhard Gehlen, que liderou uma rede de espionagem alemã contra a União Soviética, posteriormente incorporada pelos Estados Unidos. Outro exemplo é o caso do general Hans Speidel, chefe do Comando Supremo Aliado na Europa (SACEUR), que lutou ao lado de Erwin Rommel na África e foi reabilitado pelo imperialismo ocidental.
Todo um processo de integração desse pessoal nas estruturas de poder propiciou uma normalização tácita do passado nazista dentro das instituições europeias, com o principal apoio dos Estados Unidos, autodeclarados vitoriosos na Segunda Guerra Mundial.
O CAPITAL É NAZISTA
A grande integração da burguesia alemã com o nazismo mostra que o capital é, por excelência, nazista. O ideal de uma raça pura e a eliminação de qualquer oposição aos seus “negócios” está presente em toda organização capitalista. Isso explica por que, na década de 1930, grandes conglomerados industriais como Krupp, Thyssen, IG Farben e Siemens despejaram dinheiro no financiamento do nazismo, o que possibilitou a ascensão de Hitler ao poder. A consolidação do regime nazista possibilitou um aumento enorme dos lucros dessas e de outras empresas alemãs, inclusive com a exploração do trabalho escravo e o aumento da produção da indústria bélica.
Essas empresas não só não sucumbiram junto com a derrota do nazismo como se tornaram a base de sustentação do chamado “milagre econômico” alemão do pós-guerra. No desenvolvimento do capitalismo europeu contemporâneo, foram incorporadas sem qualquer problema — empresas que se alimentaram do ambiente nazista, sendo cúmplices estruturais dos crimes contra a humanidade desse regime injusto e cruel. A atual burguesia alemã é a herança pura da burguesia que se integrou totalmente com o regime, chegando alguns a fazerem parte do próprio Estado nazista.
EUROPA: O PASSADO CONDENA O PRESENTE
Não há qualquer dúvida sobre as heranças pessoais dos componentes atuais do poder na Europa em relação ao regime nazista. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cujos crimes de corrupção nunca são investigados, é filha de Ernst Albrecht, que teve grandes vínculos com o governo nazista que ocupava a Holanda. Apesar disso, ele se livrou desses vínculos, a ponto de se tornar presidente regional do estado federal da Baixa Saxônia, funcionário da União Europeia e mentor de Angela Merkel. Escapou das denúncias por crimes de guerra e obteve um perdão oficial das autoridades britânicas devido às suas supostas “contribuições para a reconstrução europeia”. Foi direta e indiretamente responsável pelo massacre de civis holandeses, tendo participado de decisões que levaram a execuções sumárias. Este é apenas um caso entre milhares de ex-nazistas que se integraram ao poder na Europa e implantaram o modus operandi desse novo sistema, servindo de inspiração para as gerações posteriores de líderes europeus.
Também o novo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, tem um ancestral direto que fazia parte do Partido Nazista. Seu avô, Josef Paul Sauvigny, era membro da Schutzabteilung, a força paramilitar nazista de camisa marrom, em julho de 1933, apenas seis meses depois que Hitler se tornou chanceler. Ele também foi prefeito de Brilon durante o Terceiro Reich, quando teve uma artéria central da cidade rebatizada como Adolf-Hitler-Strasse.
A UNIÃO EUROPEIA: UM PROJETO NAZISTA
A denominada Nova Ordem Europeia (Neuordnung), imaginada por Hitler e seus assessores, queria reestruturar o continente sob princípios de hierarquia racial, dominação econômica e centralização política. O plano original da UE foi inspirado em grande parte por ideias desenvolvidas por burocratas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
O Neuordnung era uma tentativa de criação de um organismo econômico comum, dominado pela Alemanha, com instituições centrais que imporiam regras uniformes aos países conquistados. Hoje, a UE também opera com instituições supranacionais — como a Comissão Europeia ou o Banco Central Europeu — que impõem os interesses do imperialismo europeu sobre toda a comunidade, sem nenhuma forma de participação dos trabalhadores desses países. Não é à toa que a Alemanha seja o centro econômico da Europa, hegemonizando a tomada de decisões do capitalismo europeu. Tanto as ideias de Hitler como a União Europeia atual têm o mesmo objetivo: garantir a hegemonia do capital alemão sobre as demais burguesias europeias, impondo uma verdadeira ditadura sob a capa da integração continental. Essa característica se acentuou ainda mais após a crise financeira de 2008, quando as ordens emanadas da Comissão Europeia passaram a não ter qualquer relação com as decisões do Parlamento Europeu.
Até a atual gestão do governo americano, predominou uma atuação da União Europeia completamente submissa aos interesses e posições do imperialismo norte-americano. A União Europeia adotou a farsa do governo autoproclamado de Juan Guaidó na Venezuela, uma decisão do 1º governo Trump que possibilitou o roubo de vários ativos desse país, seja pelos Estados Unidos, seja pela União Europeia. Com a Operação Militar Especial da Rússia na Ucrânia, a União Europeia adotou uma política de total confronto com a Rússia, aplicando sanções contra o país e determinando a não utilização do gás russo, o que provocou uma crise econômica na Europa — inclusive na então economia predominante no continente, a alemã.
Nesse contexto, é evidente que o apoio incondicional das burguesias europeias a Kiev ignora sistematicamente a presença de grupos neonazistas e apoiadores da ideologia de Stepan Bandera, líder de grupos colaboracionistas com o nazismo na 2ª Grande Guerra. O famoso Batalhão Azov, grupo mercenário fortemente nazista, foi legalmente incorporado às forças armadas ucranianas. Há um grande crescimento de partidos e movimentos nazistas na Europa, com forte identificação do partido de extrema direita alemão com o nazismo. Há uma tendência muito forte nos países bálticos e na Finlândia para movimentos ultraconservadores, revisionistas e abertamente nazistas.
Não é surpresa nenhuma que parlamentares europeus destinem recursos para projetos educacionais e culturais na Ucrânia que promovem a ideologia de Stepan Bandera. A origem comum desse “ressurgimento nazista” não está relacionada apenas a preconceitos raciais e à resistência à entrada de imigrantes no continente europeu. É o resultado de toda uma estratégia das burguesias europeias de manter tanto os herdeiros de Hitler como suas heranças ideológicas, políticas e militares. A crise atual do imperialismo ocidental leva à adoção de todo tipo de política claramente nazista, como a abolição dos direitos democráticos e a implementação de medidas extraterritoriais extremamente autoritárias. As sanções econômicas — e agora, com Trump, a inovação de medidas de expansão territorial até mesmo violenta — se voltam contra os países considerados mais débeis em termos globais.
Hoje, mais do que nunca, em um momento de ascensão nazista no Ocidente, e de acordo com tudo o que significa o Dia da Vitória, 80 anos após a queda do Terceiro Reich, é necessário rever essas terríveis heranças e romper com a dominação imperialista, que traz dentro de si as características nazistas de supremacia racial, exclusão social e violência sistêmica.