O nazifascismo entrou em cena
por Dora Incontri
Não há como normalizar o que se apronta no mundo. Não há como relaxar diante do cenário que se põe com a ascensão de Trump, respaldado pela extrema direita mundial, com a comunicação dos donos das big techs, que terão terreno livre para manipular as massas. Não há como ignorar e achar desculpas para a saudação nazista de Elon Musk. Estamos diante de um regime que se anuncia fascista, exatamente 100 anos depois da ascensão de Mussolini na Itália, que assumiu o cargo de Primeiro-Ministro em 1922, mas passou à condição de Duce, no ano de 1925.
Figuras caricatas todas essas que esposam a prática da extrema direita: cheios de caretas, frases de efeito, estética duvidosa, arroubos autoritários e, sobretudo, supremo desprezo por qualquer civilidade, por qualquer respeito humano. Logo no primeiro dia de governo, Trump já mostrou a que veio: perseguirá imigrantes, estimulará a pena de morte nos estados, cancelará a cidadania das crianças nascidas nos EUA, filhas de imigrantes. Já retirou o país da OMS e do acordo climático de Paris. Na posse mesmo, baixou diversos decretos absurdamente discriminatórios e autoritários. Nem me dou ao trabalho de nomear todos. Apenas registro o assombro, o lamento, a indignação e a perspectiva sombria que nos bate à porta.
Se o Duce e logo em seguida o Führer puseram fogo no mundo e desencadearam a Segunda Guerra Mundial, agora é a maior potência militar do planeta que assume descaradamente a postura nazifascista. Aliás, a potência que já usou a bomba atômica, a única até agora a cometer esse crime contra a humanidade.
É claro que temos o dever de entender a história e saber que a Segunda Guerra não foi esse duelo entre a liberdade e o nazifascismo. Teorias e práticas eugenistas, por exemplo, já eram adotadas nos EUA antes da ascensão do nazismo na Alemanha, em relação à população afrodescendente. Tivemos até no Brasil, defensores de tais descalabros eugenistas, como o autor que li a infância inteira, Monteiro Lobato. Empresas americanas como a IBM e a Coca-Cola (com a criação da Fanta na Alemanha nazista) além de inúmeras alemãs, que incluíam a Volkswagen, a BMW, a Bayer, a Basf e outras, sustentaram e apoiaram a insanidade nazista.
Digo isso para demonstrar que é o capital que sustenta o totalitarismo de direita e que não houve uma disputa entre o puro bem e o detestável mal, na Segunda Guerra. Estavam todos mais ou menos implicados na responsabilidade do sangue derramado. E no outro polo da luta, estava Stalin, também ditador sanguinário, em que pese o mérito de ter ajudado a derrotar o nazismo.
Encerrada a Segunda Guerra, inicia-se a polaridade da Guerra fria e os EUA se constituem como um império que semeia o tempo todo, guerras, ditaturas pelo mundo afora, inclusive a nossa, a brasileira, de que agora os norte-americanos estão assistindo um pequeno recorte no filme Ainda estou aqui. Mas sabemos que com o analfabetismo político que reina por lá, ainda mais forte nesses tempos de zumbis das mídias eletrônicas, a maioria absoluta do povo não tem ideia do papel do governo dos EUA nas ditaduras ferozes da América Latina, incluindo o treinamento de torturadores.
A tão propalada “maior democracia do mundo” foi a patrocinadora de inúmeras ditaduras no mundo. E pior, que democracia sempre foi essa, que desde o início excluiu os negros, que só tem dois partidos (que têm diferenças muito pequenas entre si), que nunca promoveu programas de saúde popular, que mantém um verdadeiro campo de concentração, como a prisão de Guantánamo?
Agora então, o que restava de uma esquerda liberal – que pelo menos se empenhava pelos direitos civis internos, mas com pouquíssimos representantes que se manifestavam por exemplo contra o genocídio da Faixa de Gaza, que os EUA patrocinaram, apoiando largamente Israel – essa tímida facção de ideias um pouco mais à esquerda, Trump fará tudo para calar, para imobilizar, impondo-se com a maioria do Congresso e a maioria da Suprema Corte.
O que havia de arremedo de democracia acabou.
E nós, como ficamos? Em alto risco, porque temos os lambe-botas dos EUA, os simpatizantes do imperialismo yanque, que desejam alinhar os ponteiros da política brasileira com Trump. O clã dos Bolsonaro, que sofreu já todas as humilhações feitas por Trump (a última foi o fiasco de não serem aceitos para a posse do dito cujo); Tarcísio que celebrou a ascensão do novo governo e é da mesma cepa que Jair e Donald, e outros representantes dessa extrema direita tupiniquim, com complexo de vira-lata, que se volta feroz contra os interesses do Brasil e contra os próprios cidadãos brasileiros.
O risco é nosso, o risco é mundial. Um risco quase certo de acontecer o pior. Governos de extrema direita em vários países, alinhados na barbárie e na destruição.
Por tudo isso, não podemos tratar o tema com naturalidade, como a mídia corporativa tende a fazer. Como aliás, fizeram com Hitler e com Mussolini.
Estejamos em alerta máximo, em posição de resistência coletiva, de lucidez aguda, com esperança de que tenhamos os meios de virar mais essa página trágica da história, que certamente ainda vai nos causar muito choro e ranger de dentes.
Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.