Mudança histórica reflete impacto das políticas comerciais da Casa Branca sob Trump, revela Morning Consult
Por Iara Vidal
Pela primeira vez, a imagem global da China superou a dos Estados Unidos. A queda na reputação da superpotência norte-americana coincide com o retorno de Donald Trump à presidência e, sobretudo, com a adoção de uma política tarifária agressiva.
Essa mudança de percepção já começa a produzir efeitos econômicos concretos nos EUA: redução no fluxo de turistas estrangeiros, desvalorização do dólar e perda de atratividade para investimentos internacionais estão entre as consequências mais imediatas.
Na outra ponta, essa virada representa mais do que uma vitória simbólica para Pequim. Com uma imagem mais positiva no cenário global, o país asiático amplia sua capacidade de influenciar a política, a economia e a diplomacia mundial.
Percepção global
A mudança na imagem das duas principais potências globais foi apontada pela consultoria estadunidense Morning Consult. Em relatório publicado com exclusividade pelo site Axios nesta segunda-feira (2), a empresa de inteligência mostra que a nova percepção foi registrada entre janeiro e o fim de abril de 2025.
Nesse período, a China atingiu uma taxa líquida de favorabilidade de +8,8, enquanto os EUA recuaram para -1,5. Em janeiro do ano anterior, o cenário era inverso: os Estados Unidos tinham mais de +20 pontos e a China estava em território negativo.
É o melhor desempenho da China desde o início da série histórica da Morning Consult, iniciada em outubro de 2020. A pesquisa foi realizada com cerca de 4.900 adultos em 41 países.
O índice de favorabilidade líquida é calculado subtraindo-se a porcentagem de visões negativas da proporção de visões positivas sobre um país. As respostas de cidadãos chineses e estadunidenses seus próprios países são excluídas para evitar viés.
Melhora na imagem da China
Com a mudança de percepção global, entre os principais ganhos para a China está o fortalecimento do soft power (poder brando) chinês. Uma reputação mais favorável permite à potência asiática ampliar sua influência sem o uso da força, facilitando acordos bilaterais, alianças políticas e apoio em fóruns multilaterais como ONU, G20, BRICS e OMC.
Além disso, a percepção positiva se traduz em maior influência geopolítica, especialmente em regiões estratégicas como Ásia, África e América Latina. À medida que mais países passam a enxergar a China como parceira confiável, reduz-se a dependência global dos Estados Unidos em áreas como segurança, tecnologia e infraestrutura.
Na esfera econômica, os reflexos também são diretos. A imagem favorável pode impulsionar exportações, atrair investimentos estrangeiros e ampliar o uso internacional do yuan, a moeda chinesa, desafiando a hegemonia do dólar.
Programas como a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) também ganham legitimidade, reforçando a presença chinesa em projetos de infraestrutura e desenvolvimento global.
Com isso, a China ganha espaço para disputar a narrativa internacional, propondo seu modelo político e econômico como alternativa ao modelo liberal ocidental, especialmente em temas como democracia, direitos humanos e regulação digital.
Outro efeito importante é a redução da resistência diplomática. Países com opinião pública mais favorável à China tendem a se alinhar mais facilmente em votações multilaterais, além de se mostrarem mais abertos a parcerias em áreas sensíveis como tecnologia, defesa e educação.
A ascensão da imagem internacional da China consolida sua trajetória como potência central do século XXI, projetando seu poder de forma estratégica, sutil e eficaz.
Derretimento da imagem dos EUA
Segundo a Morning Consult, desde janeiro de 2025 a imagem dos EUA piorou em 38 dos 41 países monitorados, enquanto a da China melhorou em 34. Apenas na Rússia os EUA apresentaram melhora significativa, atribuída à reaproximação diplomática com o governo Trump.
“Essa é a primeira vez que observamos esse cenário, o que inclui muitos dos parceiros econômicos e militares mais relevantes dos Estados Unidos. Trata-se de um claro golpe ao poder brando estadunidense”, escreveu Jason McMann, chefe de inteligência política da Morning Consult, em 13 de maio.
Ao todo, 16 países mudaram de posição pró-EUA para pró-China ao longo dos primeiros meses de 2025, elevando para 29 o número de países com visão majoritariamente favorável à China. Noruega, Países Baixos, Espanha, Canadá, Áustria e Alemanha estão entre os destaques dessa virada.
Por outro lado, apenas 13 países permaneceram pró-EUA, como Argentina, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul e Israel — e mesmo nesses casos, um terço são considerados “limítrofes”, segundo o estudo.
O papel das tarifas de Trump
A deterioração da reputação dos EUA coincide com a volta de Trump ao poder e sua política tarifária agressiva. O chamado “Dia da Libertação”, em 2 de abril, marcou a imposição de um novo pacote de tarifas que atingiu tanto rivais quanto aliados, causando impacto imediato na percepção internacional.
Uma semana depois, diante da instabilidade nos mercados, Trump anunciou uma trégua de 90 dias nas novas tarifas, mantendo, porém, uma alíquota geral de 10%. As tarifas sobre a China só foram suspensas em maio, após um acordo provisório entre os dois países: 10% para produtos dos EUA e 30% para importações chinesas.
O gesto gerou uma leve recuperação na imagem dos EUA, mas insuficiente para reverter o quadro. “O dano reputacional causado pelos anúncios do ‘Dia da Libertação’ consolidou a virada a favor da China”, afirma o relatório.
Consequências econômicas e geopolíticas
A análise destaca ainda os impactos econômicos da deterioração da imagem dos EUA: queda na entrada de turistas estrangeiros, desvalorização do dólar e perda de atratividade para investimentos internacionais estão entre os efeitos mais imediatos.
Além disso, segundo McMann, “à medida que a visão sobre os Estados Unidos piora, oportunidades de comércio e investimento para empresas americanas no exterior também podem diminuir, com consumidores evitando seus produtos e os empregos que oferecem”.
Há ainda o risco de que dispositivos contidos em propostas republicanas de reforma tributária reduzam a demanda por ativos dos EUA. A restrição à entrada de estudantes estrangeiros também é apontada como fator de enfraquecimento da imagem do país como destino educacional e tecnológico.
Metodologia e série histórica
A pesquisa da Morning Consult utiliza coleta diária de dados em 41 países, com amostras representativas da população adulta. Os resultados são apresentados como médias móveis de sete dias. A favorabilidade líquida exclui autoavaliações de cidadãos dos EUA e da China, para evitar distorções.
Desde outubro de 2020, a consultoria acompanha as percepções globais sobre os dois países. A virada de 2025 marca um ponto inédito na série histórica e evidencia um realinhamento na geopolítica da opinião pública.
Mudança em curso
Dois levantamentos independentes divulgados nas últimas semanas confirmaram a virada na percepção global em favor da China e em detrimento dos Estados Unidos. Além dessa pesquisa da Morning Consult, o Índice de Percepção da Democracia 2025 (DPI 2025, da sigla em inglês) também registrou uma queda acentuada na imagem dos Estados Unidos.
Segundo esse levantamento, a imagem positiva global dos EUA despencou de +22% em 2024 para -5% em 2025, refletindo um desgaste profundo na reputação do país sob a nova gestão Trump. Por outro lado, a China viu sua avaliação global subir de +5% para +14% no mesmo período, ampliando significativamente sua aceitação em países do Sul Global e até mesmo entre aliados tradicionais dos EUA.
Juntos, os dois estudos oferecem um retrato consistente de um realinhamento simbólico na opinião pública internacional, com possíveis desdobramentos geopolíticos relevantes para os próximos anos.