O jornalista Paulo Moreira Leite escreveu um artigo para o portal de esquerda Brasil 247 intitulado A importância do voto de hoje, tratando do Processo de Eleição Direta (PED) e, com esse gancho, fez uma defesa da “preservação do Partido dos Trabalhadores”, sob argumento de que o partido “representa uma conquista política”. Diz o autor:
“Nascido nas lutas populares contra a ditadura de 64, ao longo de uma história de décadas, o PT mostrou uma capacidade de resistência e força de mobilização nunca vista em tempos recentes.
Não só tornou-se a primeira organização operária e popular capaz de disputar — e conquistar — posições-chave nas instituições do Estado brasileiro, inclusive a Presidência da República, que hoje ocupa pela 5ª vez — desempenho que nenhum outro partido, de qualquer orientação, foi capaz de igualar ao longo de nossa história.”
Ora, muitas organizações lutaram contra a ditadura militar. O que diferenciou o PT dos demais foi um fenômeno que Leite procurou escamotear: a ascensão do movimento operário brasileiro.
Após uma duríssima repressão contra os operários no Primeiro de Maio de 1968, momento em que a ditadura se encaminhava para o seu auge, a classe trabalhadora brasileira entra em um período de repressão que durará 10 anos. É a escalada da crise imperialista a partir da segunda metade dos anos 1970 que empurra os trabalhadores para uma nova onda de mobilizações.
Essa conjuntura de radicalização é o que derruba a ditadura militar, por um lado, e o que leva à formação de organizações como o PT. E o que o PT fez com essa mobilização forte o bastante para destruir o regime de terror mais tenebroso que o País já conheceu? O próprio Leite não tem nada melhor do que “ocupou cinco vezes a Presidência da República”.
É uma demonstração velada do fato de que após cinco passagens pelo Palácio do Planalto (sede do governo federal), o melhor que o PT tem a apresentar ao Brasil é… ocupar “cinco vezes a Presidência”. Nenhuma transformação estrutural pode ser apresentada nesse balanço de Leite, nada que não tenha sido destruído em dois anos de Temer e quatro de Bolsonaro, melhorias tão superficiais que não conseguem sequer serem defendidas pelo partido. Não é um resultado de todo surpreendente, afinal.
Ao contrário do que diz a propaganda mística sobre a fundação do PT, o partido foi palco de uma luta interna muito grande na qual os elementos mais à esquerda foram paulatinamente sendo derrotados, conforme o neoliberalismo ia ganhando força no mundo e espaço no Brasil. Toda a década de 1980 foi marcada por essa luta entre as tendências direitistas e os setores vanguardistas, até que se consolidou a posição dominante ainda hoje vigente, de um partido de pouca ambição, nula sobre qualquer aspecto que não fosse a mera disputa por cargos dentro da burocracia estatal.
Essa política atingiu uma magnitude tamanha que em 1992, com o fim catastrófico do governo Collor, o PT simplesmente abdicou de reivindicar novas eleições e o governo, mesmo em uma conjuntura amplamente favorável ao partido, aberta com a renúncia do ex-presidente. No lugar disso, optou por ser um fiador do golpista governo Itamar Franco (PMDB), reconhecendo-o, o que serviu para dar tempo ao imperialismo de se rearticular e preparar o terreno para uma das maiores tragédias que os monopólios já impuseram ao País: o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Oito anos de salários congelados, ataques contra a economia nacional em uma escala até hoje não superada e severa repressão dos movimentos populares, operários e camponeses (como os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás) marcaram o período em que a suposta “capacidade de resistência e força de mobilização nunca vista em tempos recentes” não foi vista nunca, de fato. O pacote de privatizações e a política de juros do Banco Central (que chegou a pagar juros da ordem de inacreditáveis 45% ao ano) de FHC reduziu a até então poderosa indústria brasileira a pó.
Novamente, o “PT das origens” mostrou, na prática, como esse mito da “força de mobilização” não passa de uma história para apelar ao saudosismo de quem não conheceu a época das “origens”. Se a luta interna fez com que o PT fosse um partido dirigido por uma pequena burguesia, mas apoiado em uma base operária, as décadas de 1990 e diante não farão mais do que acentuar essa característica, de uma direção que quer participar da disputa eleitoral, mas não consegue sequer proteger os próprios governos e inclusive quadros como Luiz Inácio Lula da Silva.
De modo que o partido é parte de um fenômeno que precisa ser bem compreendido, para se evitar tanto a caracterização que flerta com o golpe e apresenta o PT como um partido burguês, “petucano” e afins, mas também, evitando fantasias fora da realidade como “força de mobilização nunca vista”.
“Não é preciso se enganar”, conclui Leite, o que, finalmente, é um bom conselho. Só precisa ser praticado com seriedade.