O milagre brasileiro, um sonho de Delfim

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Nas consequências de sua morte, o reconhecimento do conhecimento econômico de Antônio Delfim Netto obscureceu sua atuação como czar do regime militar. E ele teve um papel central.

A ditadura se consolidou através de uma relação grande de alianças. É bobagem imaginar um poder militar absoluto e autônomo. Houve pactos políticos com os coronéis nordestinos e com os grandes grupos do sudeste, assim como no governo militar de Jair Bolsonaro.

Delfim foi o grande articulador, atuando em duas frentes. A primeira, com benefícios concedidos aos grupos. A Editora Abril ganhou a Rede Quatro Rodas; a Globo ganhou isenção total para importação de equipamentos e publicidade a granel. Terras do centro-oeste foram doadas, literalmente doadas para grandes empresas, como a Volkswagen e a Liquigás, para grupos de mídia, como Silvio Santos.

A resposta foi a adesão incondicional de grupos jornalísticos – e de jornalistas – ao novo poder. Cooptava os grupos e os jornalistas aderiam para subir na hierarquia dos jornais.

Assim como no período do impeachment, do jornalismo de ódio do período 2005-2018, houve ampla cooptação de jornalistas que, depois do bacanal, tornaram-se igualmente grandes democratas e defensores da moralidade política desde criancinha.

No auge desse poder, lembro-me, na Veja, dois jornalistas ilustres, um de política, outro de economia, combinando como desancar um livro de Octávio Ianni. A reação dos oprimidos foi uma carta de uma intelectual da USP – não me recordo agora do seu nome – expondo a supina covardia de ambos de, em plena ditadura, investir contra um intelectual cuja única arma era um livro.

Pegou fundo, inclusive na redação da Veja. Lembro-me de Elio Gaspari balbuciando pelos corredores, tentando aparentar desdém:

  • São leitores do Pasquim!

O outro jornalista foi um dos principais divulgadores da tese de fazer o bolo para depois dividir, criada por Carlos Langoni, um dos muitos economistas cooptados pelo regime.

O financiamento da repressão

A segunda frente foi o financiamento da repressão. Delfim foi o grande arrecadador de fundos para a Operação Bandeirantes. E, dentre todos os financiadores, o mais relevante foi a Coopersucar, cooperativa de produtores de açúcar presidida por Jorge Wolney Atalla. O setor de açúcar estava a pleno vapor. Adquiriu um fabricante de café nos Estados Unidos e patrocinou Emerson Fittipaldi.

Lembro-me de um episódio significativo da Coopersucar, já no governo Geisel. Correspondente do The Guardian, Bernardo Kucinsky tinha informações relevantes sobre o financiamento da Oban.

Ele me passou os dados. Consultei um dos editores de Economia, Emilio Matsumoto, sobre a possibilidade da Veja publicar. Antes, tinha conseguido emplacar uma denúncia sobre o caso Independência-Decred, do Banco Halles, do grupo Guararapes – herdado por Flávio Rocha, e que tinha o general Albuquerque Lima como padrinho político -, dentre inúmeros escândalos do período Delfim.

Matsumoto foi consultar a direção, e recebeu luz verde de Roberto Civita. Mas era apenas uma manobra para trazer Atalla até a Abril e conquistar a conta da Coopersucar. Logo em seguida, o diretor de relações públicas da Abril foi contratado por Atalla. E recebi um telefonema pessoal de Atalla, me intimando a ir ao seu escritório.

O que fazer? O regime prendia jornalistas, a Abril não iria me dar nenhuma retaguarda. Depois do telefonema, liguei para Paulo Belotti – técnico renomado, homem de Geisel na Petrobras – indagando sobre Atalla. Sua resposta não foi animadora:

  • Tenho medo dele!

Morava no mesmo prédio dos meus pais, o velho já derrubado por um AVC. Avisei minha mãe:

  • Se eu não voltar, ligue para o seu Aziz Nader,

Nos tempos de Poços de Caldas cassino, a colônia libanesa frequentava a cidade e os Nader ficaram amigos de meu pai – farmacêutico local. O casal Aziz foi padrinho de casamento deles e o filho Fuad meu padrinho de crisma. E ele era o patriarca da colônia libanesa.

Fui ao encontro de Atalla. Ele veio de dedo em riste:

  • Como fica dizendo por aí que eu mato pessoas.

Expliquei que a acusação era de financiar a Oban, não de matar diretamente pessoas.

Deu-me uma bronca e terminou com uma frase antológica:

  • Olha aqui, rapaz. Aprenda que batrício não fode batrício!

O amigo da imprensa

Dominando os meandros do sistema financeiro, já como Ministro de Figueiredo, Delfim salvou o Estadão permitindo que bancos utilizassem parte do compulsório para adquirir debêntures do jornal. Jornais menores, de amigos, foram salvos de outra maneira: ele antecipou a maxidesvalorização dos anos 80 ao dono de uma corretora de valores, em troca de aporte para tirar o jornal do atoleiro.

Mas tinha grande cuidado em não se expor pessoalmente nas jogadas. O único escândalo do qual me recordo foram benefícios para um cunhado, que produzia placas de carro.

Quando veio o Real, com os economistas esbaldando-se, criando bancos, faturando em cima de políticas monetária e cambial que eles mesmo traçavam, não continha a ironia sobre as denúncias de que foi alvo.

Com a redemocratização, sem perspectivas de poder, tornou-se o economista atilado de sempre, distribuindo conselhos em artigos de jornal, em conversas com presidentes. E sendo um crítico feroz e mordaz do falso moralismo da nova elite de economistas.

Quando lancei meu livro “Cabeças de Planilha”, dedicou uma coluna interna no Valor Econômico para ironizar a entrevista com Fernando Henrique Cardoso, que encerra o livro – e que mostrava um desconhecimento abissal de FHC em relação a pontos básicos de desenvolvimento.

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