A cautela do governo Lula (PT) na reação à tarifa de 25% que Donald Trump impôs à importação de aço e alumínio é correta, especialmente diante do risco de o presidente dos Estados Unidos se voltar contra o Brasil e mirar sanções contra o País. A análise é de Roberto Abdenur, embaixador do Brasil em Washington entre 2004 e 2006, em entrevista a CartaCapital.
A ofensiva comercial ganhou um novo capítulo nesta quinta-feira 13, depois que republicano decidiu concretizar sua ameaça de impor “tarifas recíprocas” a parceiros comerciais. Embora os detalhes ainda não estejam claros, o memorando menciona diretamente o Brasil, destacando a diferença nas tarifas sobre o etanol: os EUA cobram 2,5%, enquanto o Brasil impõe 18%. “Como resultado, em 2024, os EUA importaram mais de 200 milhões de dólares em etanol do Brasil, enquanto exportaram apenas 52 milhões de dólares”, diz o documento.
Diante da incerteza, Abdenur prega prudência à diplomacia brasileira, temendo ‘duros castigos’. “O meu temor é que em algum momento Trump se volte contra o Brasil”, adverte o ex-embaixador.
Ao menos por ora, o tom do Itamaraty tem de fato sido cauteloso. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) já disse que o caminho é o diálogo, e sugeriu estabelecer cotas de isenção para o aço e o alumínio enviados aos Estados Unidos O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que medidas unilaterais são “contraproducentes”, mas é necessário conversar para minimizar seus efeitos. Na mesma linha, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), afirmou que o Brasil não entrará em uma guerra comercial.
A preocupação é compreensível: o Brasil é o segundo maior fornecedor de aço aos Estados Unidos, atrás apenas do Canadá.
Além do tarifaço, o Brasil já tem outra batata quente nas mãos, relembra o ex-diplomata: a cúpula do BRICS no Rio de Janeiro, em julho. Qualquer sinalização do bloco na direção de evitar o uso do dólar em transações internacionais pode levar Trump a anunciar punições contra seus integrantes, como já sinalizou em diferentes ocasiões.
Por isso, avalia ele, o Itamaraty acerta ao manter um “perfil baixo” e evitar confrontos. A medida sobre o aço e o alumínio, afinal, afeta vários países, e não apenas o Brasil. “Acho correta essa postura de não escalar o atrito comercial com os Estados Unidos, não levantar a voz, não tentar mobilizar outros países a se pronunciarem contra a administração Trump.”
Roberto Abdenur tem larga experiência diplomática: chegou ao Itamaraty em 1963 e se afastou em 2007, testemunhando da Guerra Fria à invasão do Iraque, passando pelo fim da União Soviética.
Como representante de Lula I em Washington, teve a complexa tarefa de reduzir a resistência da Casa Branca ao primeiro governo de esquerda do Brasil pós-redemocratização. O resultado foi positivo: Lula, antes visto apenas como aliado de Fidel Castro, construiu uma relação harmoniosa com George W. Bush.
Agora, a situação é outra: Trump e Bush compartilham, se muito, apenas a filiação partidária. Abdenur vê a diplomacia brasileira está diante de um desafio inédito, em um contexto mais complexo, caótico e perigoso que qualquer outro presenciado em seus 44 anos na diplomacia.
“Trump é um gênio da política”, avalia Abdenur. “É um criminoso, tentou fraudar eleições e cometeu vários crimes, mas se safou de tudo e agora impõe um governo agressivo e expansivo, que pode levar a uma grave crise constitucional.”
Ele pondera, contudo que a tour de force de Trump logo frustrará os norte-americanos. “As pessoas tendem a achar que o ‘America First’ e o ‘Make America Great Again’” [slogans trumpistas] correm em paralelo. Não é assim”, analisa o ex-embaixador. “Essas ideias levarão a um isolacionismo muito grave, à ausência dos Estados Unidos nas tentativas da comunidade internacional de promover o desenvolvimento sustentável, combater as pandemias, etc.”
A tarifa sobre o aço e o alumínio, aparentemente arbitrária, deve elevar custos, pressionando inflação e juros. Além disso, seu isolacionismo comercial e ambiental abrirá espaço para a China, que já adota uma diplomacia ativa e multilateral.
No plano doméstico, a postura de Trump tem também o potencial de gerar uma profunda crise nas instituições, a partir de um conflito entre o Executivo e o Judiciário — que já busca frear algumas das ordens do republicano —, com o Congresso no meio do fogo cruzado. Tudo isso nos primeiros 24 dias de longos quatro anos.