Nos últimos anos, a economia brasileira tem demonstrado uma resiliência notável, apesar das crescentes tensões geopolíticas e das turbulências internas. Seu crescimento a cada trimestre tem se aproximado de 5%. Apesar desse resultado colocar o Brasil no quarto lugar entre as economias que mais crescem no mundo, o mercado financeiro e suas agências de risco depreciam os números constantes do país, muito acima dos EUA, por exemplo.
A cada divulgação dos índices do país governado pelo Partido Comunista, a imprensa financeira ocidental diz que a economia do Brasil cresceu menos do que o esperado. No segundo trimestre de 2024, dados oficiais mostram uma desaceleração do crescimento de 5,3% para 4,7% entre abril e junho em comparação ao mesmo período do ano anterior, “o resultado mais fraco” desde o primeiro trimestre de 2023 e “abaixo da previsão de 5,1%” feita por uma pesquisa da Reuters.
Embora os EUA devam crescer 2,6% em 2024, o Fundo Monetário Internacional (FMI) elogiou seu desempenho econômico como “robusto, dinâmico e adaptável às mudanças nas condições globais”. As previsões de Washington para sua economia também estavam acima dos números alcançados. A maior economia do mundo previa 2,7% de expansão em sua estimativa divulgada em abril.
A estratégia de longo prazo
Estes padrões de análise revelam um alinhamento do mercado a parâmetros ditados pela Casa Branca. Por isso, o Portal Vermelho consultou a economista Ticiana Alvares, doutoranda em Economia Política Internacional na UFRJ, para ouvir que argumentos explicam esse duplo padrão, em que números extraordinários anunciados pelo governo brasileiro são tratados de forma pessimista pelas manchetes ocidentais. Ela revela uma perspectiva que vai além das estatísticas superficiais, destacando a natureza complexa e estratégica do crescimento brasileiro.
Segundo Ticiana, “a China compreende o êxito do seu desenvolvimento como uma questão de segurança nacional”. Isso significa que o crescimento econômico não é apenas uma meta para prosperidade financeira, mas é visto como essencial para a estabilidade e a segurança do país. Em outras palavras, para a China, o desenvolvimento econômico está diretamente ligado à sua capacidade de manter a coesão social, a estabilidade política e a segurança nacional.
“Por isso, tem um projeto de desenvolvimento de longo prazo há mais de quatro décadas que é revisado e atualizado a cada cinco anos através dos planos quinquenais”, diz a economista. Esses planos são documentos estratégicos que estabelecem metas econômicas, sociais e políticas, e delineiam as políticas e os investimentos necessários para alcançá-las. Essa abordagem de planejamento centralizado e contínuo permite que a China ajuste suas estratégias conforme as necessidades e as circunstâncias mudam, mantendo um foco consistente no desenvolvimento de longo prazo.
Ticiana destaca vários componentes chave do projeto de desenvolvimento da China. Este planejamento inclui altas taxas de investimento, inovação tecnológica, estímulo e proteção a novas cadeias de valor, formação de mão de obra, e controle rigoroso de capitais e do comércio exterior.
- Elevadas Taxas de Investimento: A China investe massivamente em infraestrutura, tecnologia e outras áreas críticas para sustentar seu crescimento.
- Inovação Tecnológica: A promoção da inovação é central para o desenvolvimento chinês, com ênfase em avanços tecnológicos e modernização industrial.
- Estímulo e Proteção a Novas Cadeias de Valor: O governo incentiva a criação e proteção de novas indústrias e cadeias de valor, promovendo setores estratégicos.
- Formação de Mão de Obra: Há um foco significativo na educação e na formação de uma força de trabalho qualificada para suportar os setores de alta tecnologia e inovação.
- Controle de Capitais e Comércio Exterior: A China mantém um controle rigoroso sobre fluxos de capital e políticas comerciais para proteger sua economia e promover o desenvolvimento interno.
Modelo de desenvolvimento chinês
Para Ticiana Alvares, a abordagem do mercado financeiro ocidental muitas vezes “menospreza o sucesso econômico chinês por este ser a antítese das receitas de mercado tradicionais”. Ele contrasta com as práticas e teorias econômicas prevalentes no Ocidente. Enquanto as economias ocidentais geralmente favorecem o livre mercado e a minimização da intervenção estatal, no modelo chinês, o Estado desempenha um papel central. Isso se reflete na forma como o país gerencia suas políticas de investimento e inovação, sempre alinhadas aos objetivos dos planos quinquenais.
“Na China, o Estado se utiliza do mercado para alcançar graus superiores de desenvolvimento”, afirma Ticiana. Para a China comandada por Xi Jinping, o mercado é uma ferramenta para alcançar seus objetivos, portanto o sistema produtivo e financeiro não operam de forma independente.
Finalmente, Ticiana Alvares enfatiza que o modelo de desenvolvimento da China, que combina planejamento estatal com utilização estratégica do mercado, é visto como antitético às “receitas de mercado” ocidentais. No entanto, esse modelo tem permitido à China alcançar graus superiores de desenvolvimento de maneira sustentada e controlada, demonstrando uma alternativa viável às abordagens tradicionais de mercado livre.
Em resumo, a análise de Ticiana Alvares revela como a China implementa uma estratégia de desenvolvimento altamente planejada e controlada pelo Estado, que é fundamental para sua visão de segurança nacional e crescimento econômico sustentável, contrastando significativamente com os modelos econômicos ocidentais.
Desempenho econômico recente
O crescimento econômico na China tem sido desigual, com a produção industrial superando o consumo interno, alimentando os riscos deflacionários em meio à crise imobiliária e ao aumento da dívida dos governos locais. Embora as sólidas exportações chinesas tenham fornecido algum suporte, as crescentes tensões comerciais agora representam uma ameaça. Dados recentes mostraram que o crescimento da produção industrial superou as expectativas em junho, mas ainda desacelerou em relação a maio. Por outro lado, as vendas no varejo aumentaram apenas 2,0% em junho em relação ao ano anterior, no ritmo mais lento desde dezembro de 2022.
O setor de consumo foi destacado pela imprensa como particularmente preocupante, com o crescimento das vendas no varejo atingindo o menor nível em 18 meses, devido às pressões deflacionárias que forçaram as empresas a reduzir os preços de diversos produtos, de carros a alimentos e roupas.
A crise imobiliária, que já dura anos, teria se aprofundado em junho, com os preços das casas novas caindo no ritmo mais rápido em nove anos, prejudicando a confiança do consumidor e restringindo a capacidade dos governos locais, já endividados, de gerar novos fundos por meio da venda de terrenos. Analistas esperam que a redução da dívida e o aumento da confiança sejam o foco principal de uma importante reunião de liderança econômica em Pequim nesta semana, embora a solução de um desses problemas possa dificultar a solução do outro.
O governo está buscando um crescimento econômico de cerca de 5,0% para 2024, uma meta que muitos analistas acreditam ser ambiciosa e que pode exigir mais estímulos. A desaceleração do crescimento “mais acentuada do que o esperado” no segundo trimestre levou o Goldman Sachs a reduzir sua previsão para a expansão da China em 2024 de 5,0% para 4,9%. Economistas do Goldman Sachs afirmaram que, para compensar a fraqueza da demanda doméstica, mais afrouxamento será necessário até o final deste ano, especialmente nas frentes fiscal e habitacional.
Em termos trimestrais, o crescimento foi de 0,7%, ante 1,5% nos três meses anteriores, de acordo com a Agência Nacional de Estatísticas. Para combater a baixa demanda doméstica e a crise imobiliária, a China impulsionou os investimentos em infraestrutura e investiu em manufatura de alta tecnologia. A agência afirmou que, embora o mau tempo tenha sido responsável por parte do impacto sobre o crescimento no segundo trimestre, a economia enfrentou crescentes incertezas externas e dificuldades internas no segundo semestre.
A análise crítica de Ticiana Alvares sublinha a importância de compreender o modelo de desenvolvimento chinês em toda a sua complexidade. Enquanto o mercado financeiro ocidental pode ver o crescimento da China com ceticismo, é crucial reconhecer que a abordagem chinesa, centrada em planos quinquenais e em uma forte intervenção estatal, tem permitido ao país alcançar avanços significativos, mesmo em meio a desafios internos e externos. A estratégia de longo prazo da China pode continuar a ser uma força motriz para o seu desenvolvimento futuro, apesar das incertezas que se avizinham.