No artigo Conflito na Síria se intensifica com mais de mil mortos em três dias, incluindo massacres civis”, publicado no sítio Esquerda Diário, o Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT) procura apresentar a Turquia como a grande responsável pelo caos sírio, absolvendo o imperialismo de sua responsabilidade histórica. O governo turco seria responsável por comandar grupos que, segundo o artigo, teriam desestabilizado o país, o que esconde mais de 13 anos de intervenção norte-americana que destroçaram a Síria e levaram à queda de Bashar al-Assad em dezembro de 2024. Essa farsa está mais explicitada no parágrafo:
“A situação na Síria não pode ser dissociada da interferência de potências regionais como a Turquia e a instabilidade provocada pela ofensiva genocida de ‘Israel’ contra o povo palestino em Gaza e na Cisjordânia, bem como de seus ataques no Líbano e na própria Síria. O regime sionista, com o apoio incondicional dos EUA, atua como um braço armado do imperialismo no Oriente Médio, alimentando conflitos sectários e expandindo seu território a partir de uma política colonial genocida contra os povos da região.”
Ccolocar Turquia e “Israel” no mesmo patamar do imperialismo como causadores do caos sírio é ridículo. A Turquia, uma nação atrasada e oprimida, não tem o poder da máquina de guerra norte-americana, que há décadas semeia morte e destruição no Oriente Médio. Essa equiparação é uma manobra para minimizar os crimes do imperialismo, liderado pelos EUA, que orquestrou a guerra civil síria com sanções, bombardeios e financiamento a grupos como o HTS desde 2011.
Desde a Primavera Árabe, o imperialismo, com seus exércitos, dólares e bases da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), transformou a Síria num campo de batalha. Os EUA armaram rebeldes, incluindo o HTS. “Israel”, enclave imperialista na Palestina, bombardeou alvos sírios para enfraquecer a resistência regional. Comparar a Turquia a essa mobilização de forças é apagar a diferença entre uma nação dominada e o monstro que a explora, um erro que confunde a esquerda e absolve os EUA de sua culpa principal.
O Esquerda Diário sugere que a Turquia é uma força relevante por trás dos conflitos sectários – como os mais de mil mortos em Latakia, em março de 2025. Ocorre que não foram os turcos que criaram essa conjuntura. Dizer que o país asiático é tão responsável quanto “Israel” e os EUA, como faz o MRT, é inverter a realidade: o imperialismo exerce sua ditadura, os países atrasados que não dispõem de soberania se equilibram entre obedecer e se salvar. Se a Turquia fosse central à crise, como explicar os 13 anos de intervenção norte-americana que despedaçaram o país antes mesmo do HTS tomar Damasco?
A posição do MRT vai na contramão de um princípio fundamental ensinado por Leon Trótski em 1938, em diálogo com Matteo Fossa, sobre um hipotético conflito entre a “democrática” Grã-Bretanha e o “semifacista” Brasil de Getúlio Vargas. Trótski foi claro: mesmo sob um regime semifacista, os revolucionários deveriam apoiar o Brasil, pois o imperialismo é a força que se tornaria ainda mais forte e mais capaz de esmagar os povos oprimidos em escala mundial. Por outro lado, o Brasil, atrasado e semicolonial, lutaria para sobreviver ao jugo dos monopólios, o que terminaria enfraquecendo também a ditadura fascista. O critério não era o caráter interno do governo de Vargas, mas a relação de forças globais: o imperialismo é o inimigo principal, uma máquina de triturar povos que submete países inteiros à miséria para sustentar sua dominação.
Aplicando isso à Síria, o imperialismo dos EUA é o triturador global, não a Turquia. Desde o século XX, os EUA derrubaram governos, como no Irã em 1953, e invadiram países, como o Iraque em 2003, deixando um rastro de sangue e ruínas. Na Síria, foram eles que armaram facções, impuseram sanções que mataram por fome e apoiaram “Israel” em seus ataques, tudo para manter o controle do petróleo e das rotas estratégicas. A Turquia, se muito, age como subordinada, não como potência.
Equipará-la aos EUA é ignorar essa hierarquia: o imperialismo tem porta-aviões e trilhões; a Turquia, por sua vez, tem uma economia atrasada e depende do beneplácito imperialista. Trótski jamais apoiaria o imperialismo contra uma nação oprimida, mesmo que esta tenha um governo reacionário, porque via na luta contra a dominação global a chave para a emancipação dos trabalhadores.
O MRT, ao culpar a Turquia em pé de igualdade, vira as costas a essa lição. Não critica a fundo a mão dos EUA que segura as rédeas do HTS e de “Israel”, preferindo um alvo menor para posar de anti-imperialista sem incomodar o verdadeiro poder. Essa omissão é perigosa: sem desmascarar o imperialismo como o motor do caos, o Esquerda Diário induz a esquerda a uma armadilha. Se a Turquia é o problema, então os EUA – que financiam o genocídio palestino e mantêm bases em meio mundo – podem ser tolerados como “mal menor”.
Isso é alinhar-se ao inimigo dos trabalhadores e estudantes, que sofrem nas mãos do capital norte-americano desde o Vietnã até Gaza. Sem uma posição firme contra o imperialismo, como Trótski exigiu, o MRT abre a porta para que setores da esquerda vejam os EUA como solução, não como o carrasco que é. A Síria sangra pelo imperialismo.