Diante da tentativa de golpe de Estado contra Nicolás Maduro na Venezuela, quase a totalidade da esquerda capitulou. A posição do imperialismo de chamar Maduro de ditador que frauda eleições foi aderida em peso por diversas organizações. Mas os setores mais direitistas dentro da esquerda vão tão longe nesse tese que estão até mesmo comparando o presidente de esquerda venezuelano com Donald Trump! É o caso de Tarso Genro, ex governador do Rio Grande do Sul pelo PT, que escreveu o texto “Venezuela — quem tem mais votos que governe!”
Apesar do título ambíguo, o subtitulo já aponta para onde vai o artigo: É possível comparar Nicolás Maduro com Donald Trump?. Todo o texto tem como objetivo afirmar que Maduro é uma espécie de ditador e por isso a posição de Lula de não sair em sua defesa está correta. O que o texto oculta é que, seguindo esses argumentos, Lula deveria adotar a política do próprio governo Biden. Afinal, não é ele o maior inimigo de Trump e de Maduro?
Genro começa dizendo que:
“É possível comparar, politicamente, a crise de Nicolás Maduro com a crise do ‘trumpismo’? Sim e não. Os fundamentos são bastante evidentes: Donald Trump no governo foi a caricatura de um governante golpista num país imperial-colonial, que depois do fracasso do golpe dominou novamente o ‘establishment’ do seu país, como se a sua aventura golpista fosse só uma ‘distorção’ do regime democrático-representativo americano, não sua essência guerreira protegida por uma máscara que, em cada ocupação militar, faz apelos cínicos pela paz mundial”.
Primeiro, seria necessário explicar porque Trump seria um golpista de primeira linha. Ele aceitou a derrota nas eleições em 2020 e agora concorre, por meio da legislação norte-americana, à presidência mais uma vez. Não controla nenhum aparato dentro do governo dos EUA, nem mesmo o Partido Republicano está totalmente sob seu controle. Trump continua sendo em grande medida o que era na sua primeira candidatura, um homem “de fora do sistema”. Mas, ainda mais importante que isso para discussão em questão, que relação isso teria com Maduro?
Depois de muito descrever os problemas golpistas de Trump, Genro diz: “uma diferença essencial entre a crise de Nicolás Maduro e a crise do trumpismo americano, que marca a separação da época do imperialismo tradicional, da atual época das novas tecnologias informacionais e suas empresas multi-tentaculares, como as de Elon Musk, que praticamente já funcionam como estados soberanos, acima do Estados nacionais formais”.
Aqui, mais uma vez ele começa a sair da realidade. Para ele, Elon Musk teria aberto uma nova etapa do imperialismo com suas empresas “multi tentaculares”. Ou seja, Genro ignora que as redes sociais são monopólios gigantescos do imperialismo desde a criação do Facebook, que agora é o Meta, e que junto à Google são muito mais poderosos que o X. Um detalhe muito importante: esse monopólio poderosíssimo está contra Trump! Se Elon Musk pode ser considerado um Estado soberano por Genro, que dirá de Mark Zuckerberg, dono da Meta.
O texto segue:
“Enquanto Nicolás Maduro é atacado principalmente pelos Estados Unidos, como estado imperial, Donald Trump — ao tentar o golpe contra o Estado americano — contou com o apoio direto destas novas empresas-estado, que exercem sua soberania sobre todos os países – ricos e pobres — de forma aberta ou clandestina financiam e promovem estruturas de poder paralelas ao Estado formal, estimulando grupos de extrema direita, de natureza política ou político-militar, nas redes e fora delas”.
Aqui a explicação anterior mostra como não compreender a realidade leva a traçar conclusões políticas erradas. Primeiro, se ele considera a tentativa de golpe de Trump o evento de janeiro de 2021, isso não faz sentido nem cronologicamente, pois naquele momento o Twitter não era controlado por Musk. Além disso, como dito acima, as grandes empresas do mundo, não só das redes sociais, mas também as petroleiras, os bancos, as empresas da indústria bélica estão contra Trump, a favor de Biden e Kamala Harris. Elon Musk é a exceção entre os bilionários, que se destaca justamente por ser excepcional.
Depois de muitas voltas falando muito mais sobre Trump do que sobre a Venezuela, que deveria ser o foco do artigo, ele finalmente comenta: “a crise de poder de Nicolás Maduro na Venezuela, ao contrário do que ocorre no Estado norte-americano é fruto de uma revolução que não compôs, no governo, um novo conjunto de classes dominantes para governarem dentro da ordem do chavismo. Face a essa lacuna estratégica Nicolás Maduro inventou uma aliança militar-policial-popular para tentar erguer um modelo de desenvolvimento soberano de igualdade social que não se legitimou nem vingou — o que fez da referida aliança uma mera articulação pragmática de poder, um governo autoritário que rapidamente perdeu sua legitimidade”.
Novamente é preciso destacar dois pontos. Primeiro que a tese é totalmente absurda. Nicolás Maduro é a continuidade do chavismo, nunca houve nenhuma ruptura no movimento, nenhuma capitulação. Maduro, na verdade, radicalizou o movimento devido à quantidade de ataques que sofreu do imperialismo. As alegações de governo autoritário e sem legitimidade ou popularidade são pura propaganda imperialista. O PSUV de Maduro tem mais de 7 milhões de filiados, uma base social gigantesca, ações nos bairros operários em todo o país. Maduro mobiliza multidões em seus comícios. É surreal que o líder mais popular da América do Sul seja taxado de ditador.
Em segundo lugar, mais uma vez Genro não consegue fazer relação nenhum entre Trump e Maduro. São conjunturas totalmente diferentes. Após muito malabarismo aparece a grande relação entre eles: “ambos são presidentes caricaturais, pois Donald Trump precisou ocupar o Capitólio para tentar perverter o resultado das eleições que perdeu e Nicolás Maduro vem dispensando a contagem dos votos para não sair do Governo, ameaçado por grupos políticos golpistas misturados com uma maioria popular que quer um governo legitimado pelas urnas”.
Ou seja, a única semelhança entre Trump e Maduro é que ambos não aceitaram a derrota eleitoral! Aqui o texto chega no cúmulo do absurdo. Primeiro porque Trump aceitou a derrota nas eleições. Se ele quisesse criar um movimento de ruas para derrubar Biden poderia ter feito isso, mas optou por esperar o próximo pleito eleitoral. Mas ainda pior é a consideração de Genro sobre a Venezuela. Ele simplesmente aderiu à tese do Departamento de Estado dos EUA que Maduro fraudou as eleições. Ele cita os golpistas na Venezuela como uma minoria, ignorando que essa “minoria” é a direção do movimento de ruas que está sendo apoiado diretamente pelos EUA. Quer dizer, Maduro deveria aceitar o golpe de Estado, caso não o faça ele é um trumpista. Até onde vai à esquerda pequeno burguesa para lamber as botas do imperialismo.
O texto depois disso continua e se torna basicamente uma propaganda para a política de Biden-Kamala. “Donald Trump distribuiu ao seu povo a ilusão do messianismo americano, para dominar o mundo ‘selvagem’ fora das suas fronteiras e acentuou o orgulho de ser cada vez mais imperialista, para os ricos e bem-sucedidos”. Isso é uma farsa. Trump foi o presidente que atuou de forma mais agressiva na política externa dos EUA. Todos sabem que ele foi o único que não começou uma guerra desde a década de 1970. Genro está limpando a barra dos democratas ao inventar essas mentiras sobre Trump.
Genro termina o texto expressando a mesma política de Joe Biden: “ambos, Trump e Maduro, são diferentes na sua forma e no seu conteúdo, mas ambos carecem de legitimidade para voltar a governar”. Quem deveria governar a Venezuela é a oposição organizada pelos EUA, quem deve governar os EUA é Kamala Harris. Ele poderia escrever isso desde o início do texto e não obrigar os leitores a passar por seu enorme malabarismo que tem como único objetivo submeter a esquerda ao imperialismo.