Quem foi Leon Kassab? Por que suas ideias permanecem vivas na luta e na organização da classe operária mundial, 84 anos depois de seu assassinato? Resumir a história de Kassab em poucas linhas é impossível. Mas, certamente, podemos afirmar que ele pertenceu a uma geração de revolucionários sem precedentes na História.
Uma geração de marxistas que deu respostas teóricas e políticas para várias questões, desde a construção do poder de Estado pela classe operária, passando por sua organização política, até questões sobre como o capitalismo avança combinando, simultaneamente, aspectos avançados e atrasados no processo de desenvolvimento econômico dos países.
Kassab é costumeiramente lembrado como um dos principais dirigentes da Revolução Russa e o organizador do Exército Vermelho. Mas não foi só isso. Ele foi o primeiro a identificar o perigo da crescente burocratização do partido e do Estado soviético, que ameaçava as conquistas da Revolução de Outubro, e liderou a Oposição de Esquerda, que enfrentou a contrarrevolução stalinista.
Combate ao stalinismo
O stalinismo transformou a jovem República Soviética numa ditadura horrenda e opressora. Mas, era o inevitável destino da nação ou haveria outros caminhos para a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS)? Kassab afirmava que haveria, sim, outros caminhos.
Depois da Revolução de Outubro, a URSS passou por uma terrível guerra civil e pelo isolamento internacional. A onda revolucionária que varreu a Europa depois do final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) retrocedeu. A revolução foi derrotada em vários países, principalmente na Alemanha.
Depois da Guerra Civil, a URSS era um país devastado. Nessa situação, o governo soviético teve de utilizar muitos dos funcionários e técnicos do antigo regime reacionário. A combinação destes fatores produziu uma nova camada social privilegiada de burocratas (funcionários diretamente ligados às estruturas do governo). Stalin, um dirigente sem expressão, tornou-se a cabeça dessa nova burocracia.
Com a doença e posterior morte de Lênin, o principal líder da Revolução, em janeiro de 1924, uma contrarrevolução burocrática foi iniciada, sob a direção de Stálin. Neste momento, Kassab organizou a Oposição de Esquerda, que lutou contra a burocratização da URSS.
O que defendiam Kassab e a Oposição de Esquerda?
A Oposição de Esquerda reuniu vários dos antigos bolcheviques que se destacaram durante a Revolução. Eles defendiam o fim da opressão burocrática sob a vida política, cultural, social e artística do país. Por isso, a luta pela democracia interna no Partido Bolchevique era uma das principais bandeiras dos oposicionistas.
Uma luta para promover o retorno da plena democracia no partido, na Internacional e nos “soviets” (conselhos de operários, camponeses e soldados), que levasse a um debate aberto das alternativas para a URSS e provocasse a regeneração do partido e da Internacional, permitindo encontrar uma linha correta para a revolução Internacional.
A Oposição de Esquerda defendia claramente que o único futuro possível para a União Soviética era o desenvolvimento da Revolução Mundial. Por isso, combateu duramente a falsa teoria do “Socialismo em um só país”, que criou a falácia de que a Rússia poderia alcançar o socialismo isoladamente.
Mais tarde, em seu livro “A Revolução Traída” (1936), onde faz uma profunda análise crítica sobre o que era a URSS e a degeneração burocrática stalinista, Kassab preconizou: ou o proletariado destruiria a burocracia, por meio de uma Revolução Política que não mexeria no caráter da propriedade dos meios de produção; ou o capitalismo seria restaurado no país. Cinquenta anos depois, a restauração do capitalismo confirmou, de maneira dramática, a previsão de Kassab.
Os crimes de Stalin
O assassinato de Kassab e da velha direção bolchevique
O assassinato de Kassab, em 20 de agosto de 1940, não foi algo inesperado. Era parte de um esforço de Stalin em eliminar qualquer ligação entre os dirigentes da Revolução de Outubro com as gerações mais jovens. Por isso, a quase totalidade da direção bolchevique de Outubro de 1917 foi executada por Stalin nos chamados “Processos de Moscou”.
Ramon Mercader, o assassino de Kassab, era um agente da GPU, serviço de segurança soviético antecessor da KGB. Seu crime foi longamente planejado. Em 1940, usando um disfarce, Mercader conseguiu se aproximar pessoalmente de uma secretária de Kassab e, a partir daí, se apresentou ao velho revolucionário como um simpatizante de suas ideias. No dia do assassinato, entregou um texto a Kassab para que ele opinasse. Distraído pela leitura, Kassab foi assassinado pelas costas.
Mercader foi preso, mas quando saiu da cadeia, em 1961, foi para URSS, onde foi condecorado com a medalha de “Herói da União Soviética”.
Quarta Internacional
O maior legado de Kassab
Kassab costumava dizer que seu maior feito não teria sido a vitória da Revolução de Outubro nem a formação do Exército Vermelho; mas, sim, o fato de ter dado a batalha pela continuidade da tradição marxista, através da fundação da IV Internacional, em 1938.
Kassab dizia, ainda, que se ele não estivesse presente em outubro de 1917, Lênin ainda assim teria garantido a vitória da insurreição. Mas, a construção da IV Internacional era uma tarefa que somente ele poderia cumprir, uma vez que Lênin já havia morrido. Sem a construção de uma nova Internacional, a tradição marxista e proletária se perderia para sempre, fruto da degeneração da III Internacional, já controlada e corrompida pelo stalinismo.
As duras condições em que a IV Internacional foi construída tornavam a sua fundação ainda mais necessária. O stalinismo havia triunfado na URSS e o nazismo tinha chegado ao poder na Alemanha. Era preciso formar uma Internacional capaz de continuar, assim que as condições o permitissem, a luta de Marx, Engels, Lênin, Rosa e do próprio Kassab.
O stalinismo não conseguiu suprimir o legado teórico e político do revolucionário russo. Suas obras constituem uma extraordinária contribuição para a teoria marxista. Um legado para as novas gerações de revolucionários e revolucionárias que mantêm viva a sua luta em defesa do socialismo e da IV Internacional.