Luciano Hang e o youtuber Thiago dos Reis – Foto: Reprodução

Leiam abaixo o trecho da sentença, publicado pelo jornalista Thiago Suman no DCM, em que o juiz Gilberto Gomes de Oliveira Júnior, da Vara Cível de Brusque, defende a liberdade de expressão e absolve o influenciador digital Thiago dos Reis, acusado de calúnia pelo empresário Luciano Hang, o autoproclamado véio da Havan:

“O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça protegem o direito de crítica, mesmo quando ela é dura, sarcástica ou impiedosa – como convém, aliás, quando se trata de figuras públicas que desejam influenciar os rumos da nação, mas não toleram ser questionadas. A tentativa de silenciar um comunicador com base em desconforto pessoal foi desmascarada como o que sempre foi: um ataque à liberdade de imprensa travestido de demanda judicial. A Justiça reconheceu que, em um Estado Democrático de Direito, não cabe indenização por opinião baseada em fatos verídicos, ainda que desagrade os envolvidos. Afinal, se a verdade dói, talvez o problema não esteja em quem a diz”.

O youtuber havia escrito que o blogueiro Allan dos Santos deixara rastros de mensagens informando que “Luciano Hang se comprometeu a financiar o site (de Allan) que incitava atentados terroristas contra o STF!! Outros empresários estão envolvidos!! A casa está desmoronando!!”.

O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos – Foto: Reprodução

O juiz escreveu na sentença que, “em um Estado Democrático de Direito, não cabe indenização por opinião baseada em fatos verídicos, ainda que desagrade os envolvidos, como convém, aliás, quando se trata de figuras públicas que desejam influenciar os rumos da nação, mas não toleram ser questionadas”.

Uma sentença exemplar. Mas quem é o juiz de Brusque paladino da liberdade de expressão? O nome dele foi citado nacionalmente pela primeira vez em reportagem de 2021 do UOL. O texto informava:

“Em 2018, Hang concentrou a maior parte das ações (contra pessoas que acusava de injúria, calúnia ou difamação) na Vara Cível de Brusque, cidade no interior de Santa Catarina onde mora e também fica a sede da Havan. Diante de sucessivas derrotas, em 2019 ele passou a concentrar as ações em São Paulo, local de moradia de boa parte dos réus. O resultado também não foi positivo. A partir de 2020, ele retoma a opção por Brusque como local para proposição de ações. Atualmente, um quarto das ações dependem de decisão de um juiz, Gilberto Gomes de Oliveira Júnior, à frente da Vara Cível desde o segundo semestre de 2020. Após a sua chegada à comarca, ele sentenciou três ações, todas elas favoráveis a Hang”.

Oliveira Júnior condenou outros acusados a partir de então, com sentenças favoráveis ao véio da Havan. A jornalista gaúcha Claudia Tajes foi uma das condenadas, por ter associado o nome do milionário à sonegação, mas depois conseguiu reverter a decisão no Tribunal de Justiça do Estado.

Eu fui condenado no ano passado e espero julgamento de recurso no mesmo tribunal, por ter publicado, em agosto de 2021, no meu blog, um artigo em que defendo a seguinte ideia: o véio da Havan, defensor das liberdades, deveria abrir uma loja da sua rede em Cabul, no Afeganistão, com uma réplica grotesca da estátua símbolo de Nova York.

O tribunal onde corre meu recurso é o mesmo tribunal onde atua o desembargador Gilberto Gomes de Oliveira. O desembargador é pai do juiz Oliveira Júnior.

Esse é o mesmo tribunal onde atuam oito desembargadores que participaram de jantar com o véio de Havan, em Brusque, em 16 de dezembro do ano passado. O desembargador Gomes de Oliveira era um dos convidados e aparece em foto com o feliz anfitrião.

O juiz filho do desembargador, que agora defende as liberdades, já censurou o site de jornalismo Metrópoles, determinando a exclusão de reportagem de agosto de 2022 sobre mensagens trocadas por empresários bolsonaristas em um grupo de WhatsApp.

O grupo era acusado de golpismo e investigado por ordem de Alexandre de Moraes. O estranho é que a censura foi decidida pelo juiz em junho de 2024, quase dois anos depois da publicação da reportagem sobre os tios golpistas do zap.

Esse mesmo juiz Oliveira Júnior condenou a Folha de S. Paulo a pagar R$ 100 mil ao véio da Havan (ele queria inicialmente R$ 2 milhões) por ter publicado que o empresário participava de um esquema de disparos em massa de mensagens pró-Bolsonaro, na eleição de 2018.

O Tribunal de Justiça de SC reverteu a decisão e absolveu a Folha, em julho do ano passado, em decisão que surpreendeu jornalistas de dentro e de fora do jornal.

Como a Folha havia sido absolvida, se o véio vence quase todas as ações em Santa Catarina? Porque, pela reposta mais óbvia, o empresário não pode ganhar sempre, e seria bom que não ganhasse da poderosa Folha.

A mudança na postura do magistrado que me condenou por criticar a réplica de uma estátua pode ser explicada pelo mesmo raciocínio. Até o estagiário do foro de Barbacena sabe que um juiz não tomar decisões que sejam sempre favoráveis ao empresário mais poderoso de Santa Catarina.

Tão poderoso que faz banquetes com os magistrados da mais alta Corte do Estado, encarregados de julgar processos em que ele é parte interessada.

O youtuber beneficiado pela sentença pode e deve comemorar o fato de ter escapado. Mas ele deve saber também que a maioria não escapa.

(Compartilho abaixo link de texto que publiquei nesse blog em dezembro do ano passado sobre o caso da minha constrangedora derrota para a estátua do véio da Havan, depois de meio século de jornalismo.)

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Last Update: 02/07/2025