É inacreditável a insistência da GloboNews nas fofocas sobre o jantar de Lula com Xi Jinping e a fala de Janja sobre o TikTok – feita poucos dias depois da morte de uma criança brasileira devido a uma atração da rede social.
O que existe de concreto? Uma única fonte presente ao jantar, que declarou aos jornalistas Valdio Cruz e Andrea Sadi que a fala de Janja “constrangeu” o casal Xi Jiping.
O que diz a matéria assinada por ambos:
“Segundo relatos de integrantes da comitiva brasileira, Janja pediu a palavra para falar sobre como a plataforma representava um desafio em meio ao avanço da extrema direita no Brasil. Para ela, o algoritmo favorece a direita (…) Além de Xi Jinping, a primeira-dama da China, Peng Liyuan, teria ficado irritada com o comportamento de Janja durante o encontro. (…) A postura da brasileira foi considerada desrespeitosa em relação ao presidente Xi Jinping”. E só.
O uso do plural – “relatos de integrantes da comitiva brasileira” – não foi comprovado. Tudo indica que foi apenas uma fonte consultado por ambos. A fonte achou que o casal imperial ficou constrangido, que a primeira dama chinesa ficou irritada e que a postura de Janja foi considerada desrespeitosa (por ele).
Nada mais foi dito. Tudo o que veio depois foi inferido pelas versões, cada qual acrescentando mais deduções em cima de uma notícia pobre em detalhes.
Nâo se vai discutir, aqui, a interferência ou não de Janja nas decisões de Lula em Brasíia. Fiquemos com a notícia e suas repercussões.
Já comentei aqui artigo “O método Lula do riso na política e diplomacia”, de Andrea Jubé, do Valor Econômico em Brasília, relatando a eficácia da “diplomacia do abraço” de Lula, como sua informalidade, em um mundo fundamentalmente formal – o da diplomacia – ajudou a derubar muros e a aproximá-lo dos grandes mandatários do planeta, independentemente da sua linha política – de George Bush ao ex-presidente da China Hu Jintao.
Nada disso comoveu o cerco implacável da GloboNews à fala de Janja, uma repercussão desproporcional – mesmo que o fato tivesse ocorrido -, em um verdadeiro tratado da banalização do nada. Nada se falou sobre os acordos diplomáticos, sobre as parcerias tecnológicas, sobre o interesse despertado na China, pela viagem de Lula. Ficaram apenas nas análises banais, baseados no senso comum, características, aliás, desse jornalismo das intimidades pessoais.
Mais ainda. Seguiram a lógica de que quem conta um conto aumenta um ponto. Nos comentários, já não é mais apenas um relato, são “todos os relatos”. Diz-se do constrangimento “tanto da delegação brasileira quanto da chinesa”. Fora a nota de uma fonte para dois repórteres, não houve mais nenhuma notícia relatando o encontro. Mas criou-se uma ciranda inacreditável de versões sucessivas.
Nesse programa, foi criticada a “informalidade” brasileira, tratada com falta de modos e expressa no estilo Lula. Ontem fiz montagem de fotos do estilo informal de Lula. Aparentemente, todos os grandes mandatários contemporâneos gostaram. Obama disse que Lula “é o cara”, Angela Merkel abriu um sorriso raríssimo, enquanto Lula segurava sua mão com ambas as mãos; George Bush deu um abraço de pai carinhoso em Lula; e Zapatero se encantou com o modo de cumprimentar de Lula.

Mas os heráldicos comentaristas da Globonews voltaram aos tempos dourados, em que a zona sul do Rio de Janeiro era uma ilha de internacionalização, cercada por uma cidade e um país de botocudos, barulhentos e com a falta de modos de uma excursão de turistas. E encararam a formalidade com o nariz torcido de um nobre inglês.
Terminado o programa, alguns dos comentaristas sairão correndo, para dar tempo de preparar as últimas gracinhas para publicar no TikTok ou no Instagram, ou aparecerão sensuais como uma diva hollywoodiana dos anos 50. Essa é a pior falta de modos, quando o jornalista deixa de lado a discrição exigida pela profissão e põe-se a macaquear nas redes, como um influenciador qualquer ou como uma celebridade de cinema.
Falta compostura na área pública, e não é só da parte de Ministros cantando “Evidências” ou de primeiras damas fazendo discursos, mas também de jornalistas que parecem ter perdido qualquer noção sobre a liturgia da profissão.
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