Peça 1 – o golpe militar
O primeiro ponto de análise é enquadrar a tentativa de golpe no seu arcabouço correto: desde o início, foi uma operação militar.
Foram os militares que permitiram e deram apoio logístico às manifestações em torno dos quartéis, articularam os motoristas de caminhão. A invasão da Esplanada dos Ministérios foi organizada pelos Kids Pretos. As investigações da Polícia Federal colocam os militares no centro das articulações, liderados pelo general Walter Braga Neto.
Por outro lado, em pelo menos dois momentos cruciais, o legalismo do Alto Comando prevaleceu.
Em 29 de março de 2021, o general Fernando Azevedo e Silva saiu do Ministério da Defesa, alegando ter trabalhado para “preservar as Forças Armadas como instituições de Estado”. Foi substituído por Braga Neto, que já ocupava outras cargos no governo.
No mesmo período foi demitido o General Edson Pujol, Comandante do Exército, substituído pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; o Almirante Ilques Barbosa Júnior, Comandante da Marinha substituído pelo almirante Almir Garnier Santos; e o Tenente-Brigadeiro do Ar Antônio Carlos Moretti Bermudez, Comandante da Aeronáutica, substituído pelo tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior – indiciado pela PF como um dos conspiradores.
No dia 7 de setembro de 2021, em comício na Avenida Paulista, Bolsonaro deu início formal ao golpe.
E repetiu em Brasília.
Há inúmeros motivos para explicar porque o golpe falhou. O principal deles foi o fato do comandante do Exército, General Marco Antonio Freire Gomes, ter assumido uma postura legalista e ameaçado prender Bolsonaro, se insistisse no golpe.
O que se depreende dessa história? Há oficiais legalistas nas FA, que acordaram nos momentos decisivos. Mas a organização maior é dos conspiradores. Tanto que a conspiração evoluiu até o momento da decisão final. Só não consumou a travessia do Rubicão devido a cinco generais legalistas do Alto Comando.
Não se imagine que o fator militar será resolvido meramente com o julgamento e a punição dos conspiradores. Daqui para diante, as armas de mobilização dos golpistas são as seguintes:
- Explorar ressentimentos com as críticas contundentes dirigidas às FA.
- Os milhares de empregos abertos aos militares da reserva. as sinecuras oferecidas aos Kid Pretos, e os negócios abertos aos empresários militares, especialmente na área de construção civil.
- A manutenção das redes em aplicativos de mensagens.
É conhecido que o radicalismo está presente fundamentalmente no coronelato – ou seja, nos futuros generais. Por isso mesmo, o desmonte dos ímpetos conspiracionistas passa pelas seguintes etapas:
- Punição exemplar dos conspiradores, mas evitando a generalização e os ataques às FFAAs.
- Processo competente de definição das promoções, para extirpar o golpismo das forças.
Peça 2 – A revanche militar
A operação, na verdade, livrou as Forças Armadas de um grande fardo: carregar o peso da herança de Bolsonaro e dos golpistas de Braga Neto. Assim como na política, em que morre Bolsonaro, mas não o bolsonarismo, morre o golpismo de Braga Neto, mas não do bolsonarismo militar. Pelo contrário, abre espaço para o mais legítimo representante do bolsonarismo-militar: Tarcisio de Freitas.
No DNIT e no Ministério dos Transportes, possibilitou grande negócios de empresas controladas por ex-militares. Em São Paulo, politizou a Polícia Militar, entregando o comando a um coronel sanguinário, muito mais suscetível de colocar a força a serviço de golpes do que o profissionalismo do alto comando.
Conseguiu o apoio da mídia e do mercado ao montar a mais suspeita operação de privatização da história recente, a venda da Sabesp. E surfa nas ondas do eleitorado de direita, amplamente majoritário nas últimas eleições municipais.
Peça 3 – os Kids Pretos
No momento, o Estado Maior do Exército enfrenta o problema mais agudo desde a redemocratização: o que fazer com os Kids Pretos. Embora nem todos sejam conspiradores, eles se tornaram uma organização dentro do Exército, com atuação sem controle, e sendo o principal foco do desgaste das Forças Armadas junto à opinião pública.
Algo terá que ser feito – este é o problema que aflige o Alto Comando. Não há pressão nem do governo, nem do Congresso, mas um enorme desgaste junto à opinião pública.
O ato mais radical seria a extinção dos Kids Pretos. É considerado complicado, mas não está totalmente fora de cogitação. Há outras alternativas em estudo, formas de cortar pela raiz a autonomia e a militância política dos Kids Pretos.
O que se tem claro é que haverá punição para os cabeças da conspiração e definição de formas de enquadrar os Kids Pretos – sabendo-se, de antemão, se constituir de um grupo com propensões terroristas.
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