O inverno colorido do agente Laranja
por Frederico Firmo
Os Estados Unidos estimularam, durante as duas últimas décadas, vários movimentos visando mudanças de regime (outro nome para golpe), através das primaveras coloridas, sanções e embargos. As mudanças de regime sempre surgiram de manifestações com motivos difusos, e insatisfações reais ou criadas contra governos.
As primaveras árabes começaram por volta de 2010 na Tunísia, espalharam-se rapidamente para outros países, como Egito, Síria, Líbia, Iêmen, Barein, Marrocos e Arábia Saudita. Tiveram sucesso em seu objetivo de remover o governo, como na extinta Iugoslávia (2000), Revolução das Rosas da Geórgia (2003), Revolução Laranja da Ucrânia (2004), Revolução das Tulipas do Quirguistão (2005) e a Revolução de Veludo da Armênia (2018). No Cáucaso, sucessos e retrocessos serviram para a instalação de bases da OTAN. Na Ucrânia, a turbulência de 2004 a 2013 levou à Euromaidan, 2013-2014, quando explodiu a guerra civil contra Lughansk e Donnetsk, origem da invasão russa. Na América Latina, as quedas de Zelaya, Honduras, Lugo no Paraguai e Dilma no Brasil tiveram fortes indícios e impressões digitais da CIA.
No Brasil, as denúncias de Snowden foram esquecidas e menosprezadas. Vários países trocaram seus ditadores pró-Putin, por ditadores pró-Ocidente, e em alguns países simplesmente não deu certo, ou seguiram a máxima: quanto mais muda, mais fica o mesmo. Trump reedita isto com a sutileza de um elefante numa loja de cristal. Incentiva um inverno colorido por via da chantagem econômica, sanções, embargos e muita truculência.
Democratas e republicanos estão juntos nisso, basta ver as datas e a quantidade de países na lista das sanções e embargos: Cuba, Irã, Coreia do Norte, Síria, Crimeia, República Popular de Lughansk, República Popular de Donnetsk, Bielorrússia, Rússia, Venezuela e obviamente a China. Segundo eles, tudo em nome das liberdades e da democracia, mas exemplos como de Bukele questionam este discurso. Trump declara guerra ao mundo, sem os disfarces dos democratas, mas não se sabe onde isto vai parar.

As tarifas são armas da guerra econômica, uma arma suja quando a competição se torna ameaçadora. Com acusações difusas e mentirosas, prenderam a CEO da Huawei, a tal livre concorrência, mostra sua cara. As sanções e embargos usados declaradamente para questões político-ideológicas. Por isso, Eduardo Bolsonaro insiste em chamar o tarifaço de sanção, pois quer explicitar que o ataque ao Brasil é político. O Brasil, o B dos Brics, é o alvo da vez.
A estratégia tem similaridades com o golpe de 8 de janeiro. A implantação das tarifas/sanções visa criar um caos na economia. Os mais cautelosos esperam as manifestações das ruas, mas os apressados e ansiosos Deputados vão rapidamente aventar a necessidade de uma intervenção, uma espécie de GLO sem exército. Acho que iam tentar isto durante o recesso. A tropa é composta pelos “patriotas” do congresso aliados ao MAGA, que devem tentar um pedido de impeachment, e não será para Moraes.
Os golpistas estão vivos e muito ouriçados com o que está acontecendo. Para que um golpe tenha chance de sucesso, as sanções devem continuar, para empastelar nossa economia, e minar instituições e governo. Independente do que Lula falar ou do que Moraes fizer não vai mudar nada. Eles precisam do caos. Porém existem contradições internas dentro da direita, existem muitos interesses conflitantes. Empresários brasileiros e americanos tem interesses bem concretos que não são os mesmos da extrema direita. Na visão econômica macro, a China e Brics são ameaçadores para os Estados Unidos, na visão micro, cada setor quer defender seus próprios interesses.
A criação e crescimento dos Brics, teve um papel na queda de Dilma e agora Trump parece querer a cabeça de Lula, isto é, quer dar continuidade a 8 de janeiro. Para Trump tirar Lula é essencial para retirar o B dos BRICS. Veremos em futuro breve o que vai acontecer. Tio Sam, está usando os Bolsonaro, não só pelo seu papel desagregador no país, mas porque ele faz qualquer coisa para chegar ao poder, e no poder será um fantoche “pró-ocidente”. Eduardo se irritou com Tarcísio, pois o objetivo não é negociar mas sim gerar o caos.
No editorial de 21 de julho o Estadão entra de novo na senda golpista e dá a largada para uma campanha pelo impeachment com a manchete: “Brasil paga a conta da imprudência de Lula”. Num texto sem muita consistência ou coerência, fala das frases de Lula. Contraditoriamente dizem que o problema de Trump são os Brics e portanto não são as frases. O editorial justifica Trump e afirma que o Brics, não é um bloco econômico, mas apenas uma forma de projetar o poder da China. Mas como o texto é confuso e contraditório, o editor diz que a pressão sobre os parceiros do Brics é para que eles pressionem Moscou para aceitar um trégua na Ucrânia. Ou seja das questões econômicas chegamos à conclusão que as sanções visam a paz. Avisem o editor que Trump já conseguiu os minérios que queria e não está nem aí para a Ucrânia, é a China estúpido!
Finalizando o panfleto, o editor faz um pedido patético e ridículo: “Lula abandone os Brics para retornar ao terreno seguro do não alinhamento”.
Editoriais do Estadão, demonstram um profundo menosprezo pelo leitor, confundindo todos com a bolha bolsonarista. O panfleto prefere mobilizar, chavões, bordões, mentiras e lacrações a debater a seriedade do problema. Além do vira-latismo, existe um tratamento infantil dos leitores quando insinua que se fizermos tudo que mandarem, tudo voltará a ser como antes. Algo como dizer a uma criança, feche os olhos e tudo vai ficar bem. Para continuar a campanha contra Lula, o editor se expõe ao ridículo de escrever que: duas ou três frases de Lula seriam suficientes para expulsar os fantasmas do Brics, e receber a permissão para sentar à mesa de novo. Claro que ele não acredita nisto, é apenas mais um passo na batalha de quase duas décadas contra Lula.
Frederico Firmo – Possui graduação em Bacharelado Em Física pela Universidade de São Paulo (1976), mestrado em Pos Graduação Em Física pela Universidade de São Paulo (1979) e doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (1987). Atualmente é professor Titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina.
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